Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

De megainvestidor a megaespeculador

GEORGE SOROS FALOU PELOS COTOVELOS sobre a crise brasileira em Davos, Suíça. À Folha principalmente, atacada por um surto de “declaratite” (acesso agudo de jornalismo declaratório). A Folha sempre foi fascinada por Soros. Em janeiro de 98 despachou uma “socialite” para entrevistar seu principal assessor, Armínio Fraga, em Nova York. Publicou a matéria na primeira página.

Soros sempre foi designado como “megainvestidor” e suas declarações bombásticas sobre a situação brasileira jamais foram contestadas pelo jornal. Ao contrário, acolheu-as respeitosamente, com muito destaque, porque soavam como críticas à lentidão do governo brasileiro. Nestas matérias, a Folha jamais lembrou o ataque de Soros à libra esterlina nem registrou que Soros é o maior proprietário imobiliário na Argentina, portanto suspeito quando se manifesta sobre o Brasil.

De repente, num passe de mágica, no dia seguinte à indicação de Armínio Fraga (3/2/98), ex-assessor do mega-alguma-coisa Soros, a Folha classifica-o, em título da primeira página de megaespeculador.

Este OBSERVATÓRIO não discute os fatos mas a cobertura dos fatos. E neste aspecto, o “Folhão”, porque é mais afoita e carrega nas tintas, acaba sempre na berlinda.

ESTE OBSERVATÓRIO AVISOU na edição anterior: com o aumento do dólar o preço do papel vai aumentar e a mídia impressa deve cortar páginas, enxugar cadernos, etc. Imaginável que a mídia impressa, cônscia de suas responsabilidades como poder fiscalizar e com um mínimo de compostura, optasse pela saída mais absurda: aumentar o preço de capa.

Exatamente isso anunciou Veja na última edição (nº 1582). Por conta do aumento do preço do papel e da tinta, ambos importados, sapecou um aumento imediato, omitindo para o leitor o fato de que todas as grandes empresas jornalísticas trabalham com um estoque de matéria-prima para três ou seis meses. O papel e a tinta que agora estão consumindo foram pagos com o dólar antigo, anterior à desvalorização. Isso sem falar na isenção de impostos de importação e outros subsídios disfarçados.

O mais grave é que nenhum jornal ou revista estrilou. Inclusive os encarniçados concorrentes.

Óbvio: vão todos fazer a mesma coisa. Aguardem.

O NOBEL DE LITERATURA FOI MUITO BADALADO pela imprensa internacional nas duas últimas semanas. E não em função da atividade que lhe deu mais notoriedade mas da outra, a que lhe deu substância — o jornalismo. O seminário que realizou com os principais editores colombianos para treiná-los para ajudar a fazer a paz não é apenas um esforço para elevar o padrão de jornalismo local mas o reencontro do jornalismo com a sua vocação humanista e missionária.

Seu longo artigo sobre o caso Clinton e o papel da mídia (publicado nos principais jornais do mundo) mostra que o intelectual progressista da América Latina não precisa ser necessariamente dogmático e ensandecido.

(Ver textos no ASPAS).

JUCA KFOURI OBTEVE A PRIMEIRA PROVA documental para esclarecer o fiasco da seleção brasileira no último mundial: o contrato da CBF com a Nike (Folha, 31/1/99, capa do Caderno de Esportes).

Lá está, preto no branco, como a entidade brasileira capitulou aos interesses do patrocinador deixando-lhe o direito de escolher, de acordo com os seus interesses, os adversários de todos os jogos-treino ao longo dos 10 anos de vigência da parceria.

Seis meses depois da grande vergonha na França, aparecem as primeiras pistas para explicar aquele absurdo amistoso contra Andorra na véspera do início da Copa.

A “Farra da Copa” continuaria indefinidamente não fosse essa investigação de Kfouri. O que surpreende mais é que os responsáveis pela primeira página da Folha não tiveram a sensibilidade para dar uma chamada na primeira página. O assunto foi sepultado pelo próprio jornal.

Não estranha que os concorrentes tenham silenciado.

MANIPULAÇÃO DE FOTOS ESTÁ VIRANDO ROTINA. A foto de Lili e Roberto Marinho na abertura da matéria sobre as casas espetaculares em Paraty e Angra dos Reis foi evidentemente montada em cima da foto da mansão (edição 1530, pgs. 52-53). No crédito aos autores das fotos não se menciona o truque. Como a montagem foi grosseira, os editores lavam as mãos: se o leitor perceber, têm a desculpa de que fizeram intencionalmente para que o leitor percebesse; se não perceber, o problema é do leitor, que deveria ser mais atento.

JÁ HOUVE TEMPO EM QUE O JORNALISMO ESPECIALIZADO em automóveis era praticado com rigor e seriedade, sem interferência dos anunciantes. Hoje, os cadernos dos jornais e as revistas especializadas baixaram a guarda sob pressão dos respectivos departamentos comerciais. Vale tudo e graças a isso o segmento está perdendo credibilidade.

Exemplo é o anúncio de quatro páginas, em cores, do Fiat Marea inserido em nossos principais jornais no fim de novembro e ao longo de dezembro passado. A capa diz apenas o seguinte: “Jornalistas de todo Brasil escolheram o carro do ano”.

Como se procedeu a esta eleição com os “jornalistas de todo Brasil” ? Simplesmente colocando opiniões de seis publicações diferentes (Quatro Rodas, três vezes, Autoesporte, Carro, Jornal da Tarde, O Globo, O Estado de S. Paulo, uma vez).

O título, mensagem e conceito do encarte são totalmente enganosos. A FENAJ deveria acionar o CONAR pela menção indevida envolvendo os jornalistas brasileiros.

OS FABRICANTES DE ARMAS “LEVES” NO BRASIL estão ensaiando uma cruzada para estimular a venda de pistolas e revolveres. A Taurus lançou no fim do ano uma newsletter dirigida aos jornalistas e “formadores de opinião”. Na capa, o título: “Porte de arma não é crime” (com um subtítulo bem menor: “Desde que obedecida a lei de, etc. etc.”) Nas paginas internas fotos sedutoras dos novos modelos de armas e a grande novidade: um sistema de segurança, com chave, que permite ao dono trancar a arma e impossibilitar o seu uso por outros. Mas não impede que o próprio dono saia por ai atirando para matar.

Depois do newsletter, a experiência num veículo aberto: na revista Ícaro (publicada pela Varig e distribuída aos passageiros de todos os vôos domésticos e internacionais), edição de dezembro, um custoso encarte: pistola em cartolina, tamanho natural (mod. Millenium, da mesma Taurus), seguida de um anúncio da Aniam, o lobby dos fabricantes (Associação Nacional da Indústria de Armas e Munições).

O título é cínico, capcioso e agride a nossa Carta Magna: “Todos têm o direito à Vida, à Liberdade e à Segurança – Art. 5º da Constituição Federal”.

O Conar não foi acionado e não tomou providências.

 

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