Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

De olhos bem fechados

IMPRENSA & ENRON

Depois que o grande escândalo da falência da Enron veio à tona, a imprensa americana ficou sem jeito para explicar por que ignorou as evidências de que a maior bancarrota da história dos EUA estava para acontecer. "Quando um fato destas proporções acontece como um choque, é sinal de que havia algo de muito errado no jornalismo", acusa Robert Lichter, co-diretor do Center for Media and Public Affairs, de Washington. Como demonstra David Shaw [Los Angeles Times, 31/1/02], pistas não faltaram: houve grande discrepância entre o fluxo de caixa e os lucros da Enron, sua rentabilidade era muito baixa para o alto risco de seus investimentos, seus relatórios financeiros eram incompreensíveis, 68 executivos seus debandaram num período de 18 meses, seus altos diretores faziam vendas maciças de ações.

De fato, alguns poucos jornais em raras matérias levantaram suspeitas sobre a improvável valorização das ações da Enron. Em sua edição texana, o Wall Street Journal, por exemplo, publicou no segundo semestre de 2000 que os investidores da Enron e de duas outras companhias de energia do estado poderiam, logo, "ir ladeira abaixo".

Christopher Byron, renomado jornalista econômico do New York Post, acha que "grande parte da mídia foi tiete da Enron". Mesmo ele não alertou sobre o risco que a companhia representava. "Estou em Nova York, e via a Enron como mais uma empresa energética de outra cidade ? obviamente, um erro de julgamento ", desculpa-se.

Uma possível razão do problema foi o clima eufórico do setor financeiro nos anos 90. "Todo mundo estava investindo, as bolsas só subiam e subiam, e ninguém queria ouvir más notícias", diz Jim Michaels, que, como editor da revista Forbes de 1961 a 1968, publicou várias reportagens investigativas agressivas. Ele acha que os repórteres se acostumaram a confiar em analistas financeiros, que muitas vezes são parciais, deixando de fazer o árduo trabalho de dissecar relatórios, checando valores, lendo notas de rodapé. Este erro não pode ser cometido: os analistas "não são bem pagos porque escrevem relatórios legais com capas bonitas, mas sim porque geram dinheiro para as empresas fazendo análises otimistas das ações, mesmo quando não acreditam no que dizem", resume Gordon Howald, analista de energia do banco Crédit Lyonnais.