Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Deixaram a gente sem defesa

Nilson Vargas, de Joinville

 

U

m momento decisivo, um assunto que diz respeito a uma nação inteira, o futuro em jogo. Não, não se trata de Copa do Mundo. O assunto aqui é a privatização do Sistema Telebrás, cujas regras, preços e tudo mais foram anunciados na manhã de 10 de junho, momentos antes da partida de estréia do Brasil contra a Escócia.

Alguém precisa fazer o papel do chato e alertar: mais importante do que o gol de ombro do Sampaio é saber como falaremos ao telefone nas próximas décadas, como será a transmissão de dados, quem dará as cartas no bilionário mundo das telecomunicações. E onde estavam os analistas (dos mais diversos temas) para ajudar o leitor a digerir este prato feito à base de preços mínimos, consultorias, monopólios, shares e que tais? Na França. De analistas gastronômicos a comentaristas políticos, todos migraram para Paris.

Tudo bem, exceto por um detalhes: nem a cobertura está sendo boa nem o que sobrou na retaguarda está conseguindo dar conta de tantos fatos decisivos que têm acontecido por aqui. Da França, o que vem são análises óbvias demais ou apaixonadas demais. Quem não consegue uma boquinha à porta da concentração sai fazendo reportagens turísticas no melhor estilo brazuca-que-visita-Paris-pela-primeira vez. O confuso trânsito sob o Arco do Triunfo ganha na TV minutos que o não menos confuso trânsito nas bordas da Avenida Paulista talvez nunca tenha merecido.

A idéia parece ter sido bolar pautas que vão além das quatro linhas. Tudo bem, mas elas não se resumem a passeios pela cidade luz. Sobre a pressão dos patrocinadores ou o jogo do poder na Fifa pouco se fala.

Enquanto isso, no Planalto, o ministro dá uma apressada coletiva, que interrompe no meio alegando que está saindo para ver o jogo. Fala sobre um negócio de pelo menos US$ 13,5 bilhões como quem escala o time reserva para o dois toques. No dia seguinte, quem vai às bancas em busca de explicações mais detalhadas e didáticas sobre o emaranhado que privatizará a Telebrás pouco consegue. Nem aqueles analistas mais ostensivos (e necessários à formação da opinião pública) estão presentes. Foram para a França. É como se a nossa seleção de jornalistas tivesse congestionado o ataque e deixado a defesa sem proteção. Se esta tática ainda surtisse resultados e tivéssemos uma cobertura jornalisticamente boa – lá e aqui – tudo bem. Mas não é o que se vê nos primeiros dias de Brasil em ritmo de Copa.