Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Deonísio da Silva

LÍNGUA PORTUGUESA

“Flores e desastres do português”, copyright Jornal do Brasil, 25/05/03

“Nossa língua portuguesa foi concebida em célebre poema de Olavo Bilac como a ?última flor do Lácio, inculta e bela? e ?ouro nativo?, além de ?esplendor e sepultura?. Pasquale Cipro Neto, dedicado professor e homem de letras, mantém coluna semanal sobre temas e problemas de nosso idioma, ensinando a norma culta em espaço semelhante a este. Aqui, Língua Viva. Lá, Inculta e bela. Não somos concorrentes e nem adversários. Somos aliados. E estamos interessados em atingir objetivos semelhantes, cada qual ao seu estilo e à luz das especificidades de nossos respectivos ofícios.

Semana passada, aliás, na Bienal do Livro, no Rio, os organizadores puseram-nos frente ao distinto público de um Café Literário, de que participaram também Reinaldo Pimenta e Sérgio Nogueira. Tivemos todos um agradável convívio, à entrada e à saída dos debates, o que, convenhamos, não é muito usual entre intelectuais e professores.

Embora nosso preparo físico fosse ligeiramente superior ao dos ministros do presidente Lula, alguns dos quais marcam passo e dão maus passes nas peladas do paço, foi-nos providenciado um veículo pequeno que vem substituindo a maca nos campos de futebol e em recintos reservados a eventos, como era o caso.

Ainda assim, pareceu-me que já chegávamos estropiados, precisando de maca, palavra de origem controversa, provavelmente com raízes no baixo alemão Hangmat, que na língua culta equivaleria a Hängematte, tapete suspenso. Fez escala no espanhol hamaca, rede estendida entre duas árvores. Tendo servido de cama, passou depois a ser utilizada como veículo para transporte de doentes e feridos. Nos países tropicais, a maca é a liteira dos pobres. É muito conhecida nos campos de futebol, servindo para retirar o atleta que, machucado, não pode locomover-se por seus próprios meios. Jogadores fingidos, quando postos sobre a maca motorizada, parecem à beira da morte. Uma vez retirados do gramado, saltitam alegremente, pois foram curados no trajeto. Pois nós também saltamos, recebemos alta daquela ambulância e fomos ao trabalho.

Nosso tema era a origem de palavras e de expressões que se consolidaram de tal modo em nossa língua, a ponto de algumas delas servirem de vinhetas na imprensa, de que é exemplo o famoso verso ?última flor do Lácio, inculta e bela?. As vinhetas são assim chamadas porque os monges medievais enfeitavam seus escritos com desenhos de folhas e de cachos de videiras. No latim, videira é vinea. No francês, filho do latim, vinea tornou-se vigne. E a pequena vigne, vignette, que se tornou vinheta, no português. As vinhetas, antes de migrarem para a escrita, estavam em móveis e louças, onde, aliás, ainda permanecem.

Os leitores, repartidos, detestam ou veneram Olavo Bilac. Integro o segundo lote. Textos de pouca ou nenhuma isenção ideológica lembram com surpreendente obsessão que o conhecido escritor brasileiro inventou o livro didático e o serviço militar, ambos obrigatórios, ainda que o primeiro apenas para os homens. Mais cívicos, outros lembram que é autor de nosso Hino à Bandeira. A Bíblia já avisou que o justo sofre na boca dos ímpios. Mas os tempos mudam e quem hoje é ímpio, amanhã pode ser considerado justo e vice-versa. De todo modo, os ímpios hodiernos, quando referem Olavo Bilac, dão-no apenas como o autor do primeiro desastre de automóvel no Brasil.

E eis um caminho que se bifurca. Desastre veio do provençal antigo desastre, passando pelo francês désastre e pelo italiano disastro. Em todas as línguas citadas, designava originalmente desvio da rota do astro ou ?contra os astros?, dada a enorme influência da astrologia em tempos remotos. Os antigos pensavam que as grandes desgraças e calamidades decorriam de desordens entre os astros, impedidos momentaneamente de zelar pelas coisas terrenas. E não recolhiam impostos para tais proteções. É, mas não vivemos no Céu. Vivemos na Terra. E aqui há impostos e desastres. Não deixa, porém, de ser poética a designação de desastre.

Uma curiosidade marca o primeiro deles no Brasil, envolvendo dois escritores: o poeta Olavo Bilac pediu emprestado o automóvel de José do Patrocínio e destruiu o carro do célebre orador abolicionista numa batida antológica. Ora, o chofer barbeiro – chofer passou a motorista – era poeta dos bons e seu nome completo formava um decassílabo: Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac. E a última flor é a língua portuguesa, a última das filhas do latim. É inculta por descuido de seus filhos, mas é bela porque todos reconhecem a delicadeza de suas expressões, principalmente na fala, dadas as contribuições que recebeu dos novos falantes de além-mar, no Brasil, como na África e na Ásia.

A região do Lácio, localizada às margens do mar Tirreno, na Itália, foi subjugada pelos romanos no século IV a.C. Uma boa mostra de quanto a última flor do Lácio continua inculta são os programas apresentados no rádio e na televisão no horário eleitoral gratuito, no varejo e no atacado. E outros exemplos – no caso, maus exemplos – procedem de muitos de nossos parlamentares, desde há alguns anos cada vez mais expostos em programas de televisão de responsabilidade de assembléias estaduais e de câmaras de vereadores. E principalmente na TV Senado! Não será o caso de estipular algum tipo de sanção para a falta de decoro no trato com o instrumento por excelência do exercício de suas funções? Afinal, além de maltratar a língua-mãe, cometendo crimes de lesa-língua, fazem isso impunemente, em nome de milhões de brasileiros, a quem representam nos parlamentos.”

 

CRÍTICA CULTURAL

“Três dias na Matrix – Parte II”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 20/05/03

“Atropelados na superodovia da informação

Resumo do capítulo anterior: nossa protagonista (eu), depois de passar por quatro inspeções e uma assinatura de compromisso, tem acesso ao inner sanctum de um grande estúdio de Hollywood e acaba fulminada por uma revelação – ela é um dos principais suspeitos num possível grande esquema internacional para burlar as leis do copyright.

Aos discursos e exibições de clipes (dica de Oscar: ?Mystic River?, o novo Clint Eastwood como diretor, voltando à bela forma de ?Unforgiven?) e uma quase religiosa apresentação de ?Matrix: Reloaded? seguiu-se um lautíssimo banquete num bosque decorado à japonesa. Pensei na Fome Zero. Pensei no orçamento da maioria dos filmes fora de Hollywood. Pensei no orçamento da maioria dos países fora de Hollywood. Entre sushi, salmão, saladas, sorvetes, saquê, milhares de flores de cerejeira amarradas à mão nas árvores, dançarinos de kabuki e demonstrações de artes marciais, a festa não podia ter custado menos de um milhão de dólares.

A liberdade continuava vigiada. Eu podia descobrir que, em ideogramas japoneses, meu nome queria dizer ?legume americano? (que revelação!). Mas para ir ao banheiro eu tinha que me explicar com o segurança na entrada do jardim.

O que está sendo temido? Este é a primeiro ponto que exige reflexão. Como vocês, ligados leitores, notaram, o medo vem, basicamente, do eterno ?botão de pânico? americano quanto ao ?inimigo de fora?, um pânico acentuado depois de 11 de setembro de 2001. (Como se uma rede terrorista fosse mesmo escolher um estúdio como objetivo… Mas vaidade &eacuteacute;, afinal, um dos combustíveis desta máquina).

Mas seu alvo mais imediato é aquele abordado no discurso da executiva: oficialmente, o medo da pirataria. Em profundidade, o medo de perder o controle sobre o caro produto que os estúdios fabricam.

Um incontornável salto quântico está re-escrevendo todas as regras da cultura de massa – e do jornalismo também. Num interessantíssimo debate na rádio KCRW, do Santa Monica College (você pode ouvi-lo aqui: escolha ?The Future of Online Music?) mostrou-se claramente o complexo problema da música. Em suma, a internet ameaça reverter a música popular à sua origem pré-urbana, às suas raízes como artefato cultural coletivo e anônimo. Como muito bem apontou um dos debatedores, já existe toda uma geração que não tem a menor idéia de que se deve pagar por um produto musical.

Serão os produtos audio-visuais os próximos? E será que esta ?segurança? paramilitar é a solução? Ao longo de quase um século de vida os estúdios puderem enfrentar os mais diversos obstáculos e ameaças porque sempre controlaram a ponta que realmente interessa – a distribuição do conteúdo. E é exatamente aí que a nova esfinge da internet ameaça devorá-los – se eles se mostrarem incapazes de decifrá-la.

A ironia que talvez escape aos poderosos dos estúdios é que o mesmo monstro ameaça, com a mesma charada, a todos nós, jornalistas. Principalmente os que estavam sentados ali na festa deles, aqueles já fragilizados por seu status de estranhos numa terra estranha – os correspondentes. Esta mesma ferramenta que me possibilita conversar com vocês em tempo quase real é a que coloca réplicas do meu trabalho, a custo zero, nas mãos de todos e de qualquer um. Existe hoje todo um mercado de ?agências? que vivem da venda de ?conteúdo por atacado?: transcrições de entrevistas vendidas a preços mínimos, para uso pelo mundo afora, ao gosto do fregues e do editor.

Numa imprensa cada vez mais ?no osso?, com redações e orçamentos achatados e editores sob pressão para encher páginas pelo mínimo denominador comum, esta é uma opção mais que tentadora: é, muitas vezes, a única opção viável.

Como é possível valorizar o trabalho de quem produz algo que pode ser obtido de graça?

Tentativas de organizações internacionais de classe – inclusive a minha, a Hollywood Foreign Press Association – têm dado em nada, ou quase. Medidas punitivas acabam apertando ainda mais o garrote na garganta da parte mais fraca – o jornalsta, é claro. Ouvi há pouco um diálogo exemplar. A jornalista espanhola interpelava um correspondente indiano: uma entrevista com um astro hollywoodiano havia sido publicada na revista para a qual ela trabalha, mas trazendo a assinatura dele, mostra de que o conteúdo tinha provavelmnente sido comprado ?a metro? de uma dessas agências. O repórter indiano se limitou a coçar a cabeça: ?E sabe do pior? Essa eles nem me avisaram – e não me pagaram por ela.?

O que nos leva ao segundo tema de reflexão extraído desta temporada na Matrix: o outro exercício de controle implícito na relação entre mídia e entretenimento. Semana que vem, certo?”

 

JORNAL DA IMPRENÇA

“Num creu n?eu… finou-se!”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 22/05/03

“Nosso considerado Léo Schlafman, companheiro de aventuras na revista Pais&Filhos no final dos anos 60, escreveu, na edição especial que comemora os 95 anos da ABI e que este portal transcreve na editoria Em Pauta: ?Já se passaram 216 anos desde que Thomas Jefferson pronunciou uma de suas mais emblemáticas frases: ?Se coubesse a eu decidir se deveríamos ter governo sem jornais ou jornais sem governo, não hesitaria em preferir a última opção?.

Se coubesse a eu… Em estado de absoluta perplexidade, Janistraquis balbuciou: ?Considerado, quer dizer que 216 anos se passaram e somente agora se descobre que o grande Thomas Jefferson era analfabeto!!!?. Sacanagem de Janistraquis; afinal, o autor do texto é jornalista de escol, homem estudioso e culto. Porém, vamos e venhamos: que estrago faz um segundo de distração, né mesmo? Todos nós temos que abrir o olho!!!!

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Afinal, quem perdeu o cabaço?!?!?

Nosso considerado Jean Luiz Féder envia reprodução de capa da Tribuna do Paraná, com a prova insofismável de que este é o mais ousado e atrapalhado jornal do Brasil quando o assunto é futebol. No dia em que o Coritiba venceu o Figueirense por l a 0, o redator-torcedor, inteiramente enlouquecido, tascou em manchete, de cabo a rabo: A primeira vez a gente nunca esquece – Cai o cabaço alviverde. Como a Tribuna pratica jornalismo altamente moderno, o editor da primeira página dispensou o ponto de exclamação, que aqui cairia maravilhosamente bem: Cai o cabaço alviverde!

Janistraquis festejou como se fosse torcedor do ?coxa branca?, como é chamado o Coritiba, porém fez pequena observação: ?Considerado, quem perde o cabaço, creio, é quem leva a trolha, pelo menos é assim que o povão costuma entender. Ora, nesse caso, quem teria perdido o cabaço era o Figueirense, se já não tivesse levado ferro do Santos, na terceira rodada do Brasileirão; afinal, quem é que perdeu o cabaço?!?!?!??. Procede. E a coluna aproveita para informar aos menos ligados no ?velho e violento esporte bretão?: alviverde é o Coritiba; o Figueirense é alvinegro.

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Interesse público é isso

O Correio Braziliense caiu na besteira de noticiar desta forma um assunto vital: ?VACINAÇÃO ANTI-RÁBICA – ?A Diretoria de Vigilância Ambiental continua hoje a campanha de vacinação anti-rábica na Octogonal. A partir das 9h, haverá postos de vacinação nas quadras 1,2,4 e 8. A vacinação começou depois que um morcego contaminado pela raiva foi encontrado na Quadra 6. A vacinação é um procedimento comum nesse tipo de caso.?

Roldão Simas Filho, Diretor da Sucursal desta coluna em Brasília, leu, releu, ponderou, sopesou; depois, escreveu ao jornal: ?Quem será vacinado? As pessoas ou os cães e os gatos? Creia que é uma dúvida que muita gente boa pode ter?. Janistraquis foi sábio no comentário: ?Considerado, se eu morasse em Brasília, diante da dúvida cruel suscitada pelo Correio, iria pra fila carregado de tudo quanto é cachorro e gato aqui de casa?. Eu ia junto!

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Em primeiríssima mão

Misterioso leitor que se assina Conde de Monte Cristo, escreve:

?Em sua coluna de 12 de maio na Tribuna da Imprensa, Hélio Fernandes informa que a moeda oficial de Cuba é o dólar. Aproveita para criticar o Assessor de Comunicação do governador Geraldo Alckmin, ?que não sabe disto?. Mas a moeda oficial de Cuba continua sendo o peso, que o governo converte apenas na proporção de um para cada dólar. Seria muito engraçado se Cuba adotasse o dólar como moeda oficial. Será que a idéia passaria pela cabeça de Fidel Castro? Os soviéticos também cotavam o rublo a um dólar, mas nunca lhes ocorreu adotar a moeda ianque. E os americanos, aceitariam?

Dólar como moeda oficial só em Guantánamo, que o Hélio talvez julgue ser Guantanamera? . Ou então Kubanacan, sugere meu secretário, que não desgruda da novela das sete.

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O filho de quem???

A leitora Sandresa Carvalho passava os olhos nas ?últimas notícias? do site Globo.com quando tropeçou neste título que oferecia verdadeiro mamão-com-açúcar aos bem informados sobre mitologia grega: ?Governo oferece recompensa de R$ 100 mil por informações sobre Hércules?. Entusiasmada com a possibilidade de ganhar o presente, a moça pensou em informar aos carentes do Governo: ?Hércules é um semideus grego, filho de Zeus com uma mortal, que caiu em desgraça com Hera e foi obrigado a fazer 12 trabalhos para um rei muito malvado…?.

Porém, Sandresa desconfiou a tempo do tamanho da moleza, procurou o texto e descobriu, com tristeza, que este Hércules é também Araújo Agostinho, cabo da Polícia do Mato Grosso e acusado de ser pistoleiro do crime organizado. Janistraquis ficou revoltado com a fuga do bandido e, mais ainda, com o site: ?Considerado, o título deveria ser Governo oferece R$ 100 mil por informações sobre pistoleiro; afinal, Hércules, para entrar em título, só o filho de Zeus e não o filho da…?.

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Direto da aprazível Guanambi

Em nosso humilde caçuá de correspondência, transportado da cidade para o mato pelo burro Fabrício (homenagem de Janistraquis ao meio-campista do Corinthians, que tem ajudado a enterrar o time), encontramos envelope no qual aninhavam-se os dois mais recentes exemplares de Vanguarda, mensário que nosso considerado Seu Pedro edita no sertão da Bahia, mais propriamente na aprazível estância de Guanambi. Parabéns, Seu Pedro, pela luta contra as safadezas deste indigente país! O tablóide Vanguarda é muito bom e Janistraquis adorou a coluna ?Boca da Fornalha?. Os leitores que quiserem ficar por dentro do que se passa nesse ?interiorzão?, podem acessar o site www.seupedro.com.br . O ?Jornalista do Sertão? sabe de tudo e muito mais.

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Nota Dez

A melhor notinha das colunas é da lavra de Ancelmo Gois, de O Globo:

?De Hebe Camargo, em seu programa no SBT, para Jamelão:

– Quando você entrou na Mangueira?

Resposta na bucha:

– Eu, hein! Tô fora dessa…

É que, na minha terra, e na do mestre Jamelão, entrar na mangueira é… deixa pra lá.

Jamelão tem nome de fruta, mas é espada.?

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Errei, sim!

?OS SERMÃÃÃOOOOSSS – Chamada de capa do Caderno B do Jornal do Brasil: ?Pedro Paulo Rangel leva Os Sermãos ao palco?. Janistraquis ficou na dúvida: ?Considerado, o redator realmente desconhece Os Sermões, do padre Antonio Vieira, ou tentou debochar da versão teatral de Rangel??. Meio mineiro que sou, lavo as mões. (janeiro de 1995)”