Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Depois da queda: a imprensa e a mídia no Sambódromo da Independência

Carlos Vogt

 

A

imprensa e a mídia parecem ter retomado a sua “independência” depois da queda. É, depois da queda do real diante do dólar, no começo de janeiro deste ano. Pelo menos no tratamento que, a partir de então, vem dispensando ao presidente Fernando Henrique Cardoso, pai, padrinho e patrono do plano de estabilização da moeda brasileira, agora partida ao meio, já que são necessários quase dois reais para fazer um dólar. Acho que não é só o PFL, como disse o economista Márcio Pochmann, que não carrega caixão.

Ouve-se dizer, mas a própria imprensa não fala disso, que as motivações profundas para a sua mudança de atitude, passando do endeusamento devoto à crítica pertinaz, além, é claro, do quadro de incertezas gerado pelas medidas do governo, são as altas dívidas em dólar que muitas empresas jornalísticas e mediáticas contraíram na confiança de que aquilo que era dito do real pelas autoridades econômicas era realmente bem dito. Como se viu, não foi bem assim e todo mundo caiu outra vez na real e se deu conta que, enfim, o Brasil é o Brasil e que pouco adiantaram os mantras e esconjuros repetidos por Brasília: O Brasil não é o México, o Brasil não é a Malásia, o Brasil não é a Indonésia, o Brasil não é a Rússia, seguindo a rota do furacão globalizado que foi levando de roldão as economias e a qualidade de vida social dos países por onde passava. Só não disseram que o Brasil é o Brasil. E agora vem o ministro Roque Fernandes, da Economia, dizer que a Argentina não é o Brasil. Claro que não. Mas como o Brasil é o Brasil e a Argentina é a Argentina, o Godzilla chega lá. Não tem escapatória. É o modelo, na associação letal FMI + Globalização, que é imperativo da mixórdia em que vão se transformando as economias dos subdesenvolvidos e do esgarçamento social que vai se produzindo pelo empobrecimento crescente do Estado e por sua conseqüente incapacidade de investimento e geração de empregos.

A imprensa e a mídia agora não perdoam o presidente: estavam casados, sentiram-se traídos e para onde vão caminhar as suas relações, daqui por diante, só Deus sabe (e isso já não inclui mais Fernando Henrique na categoria).

Logo depois da lambança que sucedeu o alargamento da banda cambial, incluindo o desce-sobe-desce de presidentes do Banco Central, a Rede Globo, sempre tão fernandista, botou Miriam Leitão, no Bom dia, Brasil, a descascar o governo e, não satisfeita, ou satisfeita com o resultado da investida, pôs no mesmo dia a mesma Miriam, agora produzida para a gala das oito, a redescascar o mesmo texto lido pela manhã.

A Folha de S. Paulo soltou um editorial de primeira página, como convinha a gravidade do momento, elogiando a globalização, mas recomendando a centralização do câmbio! Vai entender!

O Estado de S. Paulo, já no dia seguinte à posse de Fernando Henrique para o seu segundo mandato, dava indícios de alteração da rota e tascava, como manchete principal da edição, FHC assume com discurso banal.

No sábado, dia 20 de fevereiro, o jornal trouxe, à página A7, reportagem, com chamada e fotografia na primeira página, sobre imóvel em Nova York, alugado e não ocupado pelo Itamaraty, para o qual o governo está pagando U$ 98 mil mensais, num total já despendido de U$ 1.175 mil.

No mesmo caderno, à página 13, reportagem sobre o agravamento da crise financeira da PUC-SP, por atrasos nos repasses de recursos do governo, fazia contraponto à prodigalidade vã denunciada na reportagem anterior. Também a Folha deu destaque ao assunto na sua edição do dia 20 de fevereiro.

A IstoÉ segue na sua trilha de oposições e críticas sistemáticas. Não mudou .

A Veja esforça-se para fazer crer que continua em lua-de-mel com o governo.

A Época já está entrando com os papéis do divórcio. Na edição de 22 de fevereiro traz, em seqüência, às páginas 15, 18 e 20 três charges, como sempre criativas e mordazes, de Chico Caruso, sendo que duas delas estão quase no limite do respeito com que o presidente da república deveria ser tratado: na primeira, Fernando Henrique brinca de cavalinho com Itamar Franco e é cavalgado pelo governador mineiro; na segunda, na série “Fantasias Fantasiosas”, é caracterizado como “Cleópatro, ‘rainho’ do Egito”.

Na mesma edição, à página 29, na coluna de Franklin Martins, comentarista político da TV Globo, lê-se o seguinte:

“Nas duas últimas semanas, a panela de pressão do Brasil real começou a apitar. Os sinais que vêm de São Paulo, a locomotiva do país, deveriam tirar o sono dos nossos governantes: estações de trem depredadas e composições incendiadas pelos usuários, aumento vertiginoso da criminalidade, em geral, e dos assassinatos, em particular, invasões de conjuntos habitacionais e saques de supermercados em bairros da periferia. A polícia é a primeira a admitir que não há qualquer ação orquestrada por trás de todos esses acontecimentos. Estamos diante, pura e simplesmente, dos efeitos da crise econômica e da desagregação social. Falta polícia? Provavelmente. Mas, acima de tudo, falta emprego, falta salário, falta família e falta esperança.”

Ao que tudo indica, como disse acima, o PFL, a ser verdadeira a sentença decretada por Márcio Pochmann, através da coluna de Elio Gaspari, não estará desacompanhado no desacompanhamento do cortejo fúnebre do real, se ele de fato vier a ocorrer, como agouram agora, no segundo mandato, as aves que já não gorjeiam como lá, no mandato anterior.