Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

Depois da tragédia, os lobbies

HELICÓPTEROS E CELEBRIDADES

Como sempre ? quando se trata de grandes empresas e empresários ? a cobertura inicial sobre a queda do helicóptero do grupo Pão de Açúcar na praia de Maresias, no litoral paulista, foi marcada pelo pudor. O moderníssimo aparelho despencou no mar revolto salvando-se o co-piloto e um dos herdeiros do grupo. Desapareceram o piloto e a namorada do empresário, linda modelo.

Quem leu os jornais de sábado (28/7) com as primeiras notícias do acidente percebeu que além da fatalidade faltava esclarecer muita coisa. A angústia gerada pela busca para localizar os desaparecidos obviamente dominou o noticiário e arrefeceu as dúvidas. Acresce que no Brasil de hoje suspeitas só se convertem em investigação ou notícia quando se trata de governos. Quando personagens são anunciantes a mídia assume inusitada descrição. Parece comandada por lordes.

O recato só se desfez porque o Jornal do Brasil e o seu mais famoso colunista, Ricardo Boechat, estão impacientes e empenhados em ousar. Na quarta-feira, 1/8, cinco dias depois do acidente e antes mesmo que houvesse certeza sobre o destino dos desaparecidos, a imprensa deixou de ser a mera veiculadora de Boletins de Ocorrência: graças ao jornal e jornalista ficou evidente que houve irregularidades no registro do fatídico vôo.

Quebrado o encanto, começou a guerra dos lobistas. Os jornais de São Paulo ? mais próximos do Grupo Pão de Açúcar e da sua área de influência ? insistiram em esvaziar qualquer possibilidade de polêmica. Isto evidenciou-se depois de ter sido encontrado o corpo do piloto e em seguida o da modelo Fernanda Vogel (na manhã de sexta, 3/8), enterrada no mesmo dia, no início da noite, no Rio (às 18h30, duas horas antes do fechamento das edições de sábado).

No sábado, os jornalões paulistas mal noticiaram o enterro ? que, além das naturais comoções, revelou a existência de um conflito entre o ex-namorado da modelo (também do mundo fashion), que assumiu-se como uma espécie de porta-voz dos interesses da família enlutada, e o empresário acidentado.

Foi com os semanários, uma semana depois do acidente, que as dúvidas suscitadas pelo Jornal do Brasil começaram a materializar-se. Época (como já fizera no caso do desastre com o presidente da TAM) foi esmiuçar os problemas técnicos relativos ao pouso designando-o claramente como "suicida". IstoÉ preferiu vocalizar as queixas da família da modelo sem avançar em questões concretas de segurança de vôo. Veja foi na direção contrária: sua matéria de capa teve o relato dramático do empresário que não conseguiu evitar o afogamento da namorada. Mas as conclusões da revista, menos destacadas, são tão categóricas como as de Época: os pilotos foram imprudentes.

Não há registro de qualquer ação da empresa capaz de ter influído nas decisões dos tripulantes. Acontece que um dos pilotos, o comandante, está morto; o outro, co-piloto, é funcionário do grupo Pão de Açúcar, proprietário do aparelho. Vítima e eventual culpado estão mortos. Os sobreviventes continuam juntos.

Lágrimas enxugadas, o noticiário evidencia que está armada uma pendência judicial envolvendo muitos milhões: a indenização pela morte de uma modelo cuja carreira parecia promissora.

Para os comuns mortais, observadores da imprensa e da vida, a tragédia de Maresias mostra, mais uma vez, como é ínfimo e fugaz o nosso senso trágico. E como a mídia é sensível à ação dos lobbies.

    
    
                     

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