Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Direito, imprensa e cidadania


Antonio Augusto Mello de Camargo Ferraz (*)

 

O

bjeto central das preocupações e atividades do Instituto de Estudos “Direito e Cidadania” – IEDC é o aprimoramento do nosso sistema normativo, para torná-lo instrumento apto e eficaz de promoção da cidadania.

Um sistema jurídico que tolere privilégios (como imunidade parlamentar para fatos anteriores e estranhos ao exercício do mandato), que não alcance igualmente a todos (inclusive ricos e poderosos), que contenha “brechas” por onde possam escapar alguns (como cláusulas que permitam àquele que presta serviço ao Estado aumentar em 25 ou 50% o preço inicialmente contratado, possibilidade de concessão de anistias arbitrárias a quem deve ao erário), que estabeleça que o fiscal é guindado a cargo vitalício por favor do próprio fiscalizado (como ocorre, por exemplo, nos Tribunais de Contas), um Direito assim, com tantas e tão gritantes falhas, certamente acabará induzindo não a difusão e a universalização das salvaguardas inerentes ao conceito de cidadania, mas, ao contrário, a ampliação das desigualdades, da exploração do fraco pelo forte, dos sentimentos de impunidade e de desesperança.

Sabemos muito bem que o cidadão não é apenas um conceito abstrato e jurídico, mas deve ter existência real e concreta, ser de carne e osso, com RG, endereço, família e profissão. Deve ser cada um de nós.

Este, no entanto, já é terreno precariamente alcançável pelo Direito, que pode ser eficiente para criar condições gerais de realização da cidadania, mas não “faz”, por si só, o cidadão.

Não haverá jamais cidadania se aquele homem real e comum não tiver consciência (eis a palavra mágica) desse status, dos direitos que o compõem, daqueles em face dos quais os exercerá e como (por que meios) o fará.

Eis o papel fundamental da imprensa de hoje.

Cumprindo sua vocação de investigar e informar, cabe-lhe dar ao público respostas didáticas e concretas (como verdadeiros manuais ou roteiros) a indagações como as seguintes:

Quais são os direitos básicos integrantes da noção moderna de cidadania? A esses direitos correspondem quais obrigações (ou: quem deve satisfazê-los)? Por quais motivos alguns desses direitos não são satisfeitos? Quais motivos são razoáveis e quais não são? Que falhas do sistema permitem, sem quebra de legalidade, a perpetuação de injustiças?

Logo estará muito claro que o Estado, sobretudo, deve muito à cidadania.

Se a imprensa não amadurecer e aprofundar o conhecimento que tem sobre o funcionamento intrínseco do aparelho estatal (ao menos em setores essenciais para o tema cidadania, como o eleitoral, da educação, da saúde, da justiça, da segurança), continuará sendo obrigada a aceitar, sem possibilidade de refutação consistente, omissões e desculpas que não são razoáveis.

Como emitir opinião de mérito, por exemplo, sobre o volume de recursos aplicados em saúde e educação sem uma noção muito precisa sobre a arrecadação, sobre o conjunto de investimentos, ou sobre os mecanismos de operação do orçamento?

Como saber até que ponto os aparelhos de justiça e segurança não funcionam por falta de recursos ou de pessoal, ou por deficiência das leis – como muitas vezes dão conta vozes oficiais -, ou, ao contrário, por falta de vontade política, ou por deficiente utilização dos recursos disponíveis?

Neste momento da vida de nosso País pobre e injusto, a imprensa não pode ser apenas livre, independente, atenta e crítica: deverá ainda saber fugir da armadilha de uma atuação cômoda e superficial, que a infindável sucessão de escândalos em nossa vida pública lhe proporciona.

Não bastará, assim, denunciar “o que” acontece. São tantos e tão graves os casos de corrupção, injustiça e ineficiência, geradores de catástrofes e situações aberrantes, que apenas apontá-los poderá involuntariamente gerar na sociedade sentimentos de impotência e, mesmo, de conformismo, como se esses problemas fossem invencíveis ou inevitáveis.

É preciso com urgência diagnosticar os “porquês” e como as coisas acontecem.

Se quiser cumprir a difícil missão de agente difusor da consciência de cidadania, deverá a imprensa estar em condições de apontar, enfaticamente, as causas profundas das mazelas e escândalos, jogar luzes sobre os ambientes escuros onde foram tramados, discernir as falhas de um sistema legal que os tolera ou os deixa impunes, expor a nu, se possível com muitas fotografias, todos aqueles que, por ação ou omissão, contribuem para a dilapidação do que é público.

Quem mais poderá fazê-lo?

(*) Procurador de Justiça em São Paulo e associado do IEDC.

 



O Instituto de Estudos "Direito e Cidadania" é uma organização não-governamental fundada em 1994 por Promotores de Justiça, Advogados, Juízes e profissionais de carreiras não-jurídicas que tem por objeto o Direito e a Cidadania, promovendo-os por meio do estudo das carreiras e das instituições jurídicas, bem como de atividades e ações tendentes ao aprimoramento dos instrumentos de realização da Justiça e do pleno exercício da cidadania.

Dentre os objetivos do IEDC destacam-se o estudo das diversas correlações entre Direito e Cidadania, seja do ponto de vista da analise do funcionamento das carreiras e instituições jurídicas, a sua integração entre si e sua interação com a sociedade civil e seus reflexos para a democracia, seja do ponto de vista do acesso à Justiça e da efetividade do direito e dos instrumentos legais e institucionais necessários para o pleno exercício da cidadania.

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