Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Direitos Humanos ou impunidade?

CANADENSES

Felipe Locke Cavalcanti (*)

 

H

oje se discute através da imprensa a validade ou não do tratado celebrado entre o governo do Brasil e do Canadá, porém ainda não referendado pelo Congresso Nacional, a respeito da “extradição” de presos, com reflexo direto sobre a situação prisional dos seqüestradores do empresário Abílio Diniz, que hoje se encontram cumprindo pena.

De um lado encontramos os próprios seqüestradores e seus defensores, argumentando que o referido tratado não seria suficiente, posto que os mesmos deveriam ser expulsos do Estado brasileiro, com o que ficariam isentos de cumprimento de qualquer pena, o que se justificaria em face do caráter político do crime cometido, bem como em razão da situação desumana que os mesmos estariam sofrendo no seio de um sistema penitenciário de má qualidade.

Por outro lado, há os que concordem com a atitude da Presidência da República, defendendo, portanto, a “extradição” dos referidos seqüestradores, posto que tal medida permitiria o cumprimento da pena, porém de acordo com a legislação do Estado de origem dos condenados, e garantia, com isto, os direitos humanos do detentos.

Por fim, há aqueles que repudiam, por completo, qualquer medida, seja a “extradição”, expulsão, ou qualquer outra que impeça o cumprimento da pena de acordo com a legislação brasileira, sustentando tal ponto de vista pela necessidade de respeito ao nosso direito e ao cumprimento das medidas dele decorrentes.

Naturalmente como Promotor de Justiça e defensor do Estado de Direito, só posso me filiar a esta última corrente, que aliás é, segundo todas as pesquisas de opinião até agora publicadas, a mais aceita, e explico o porquê.

Com efeito, os mencionados seqüestradores foram condenados pela prática de um crime comum, violando leis e direitos individuais de pessoas que viviam sob a égide de um regime democrático, não se podendo, portanto, falar-se em crime político, como aliás manifestou-se o Supremo Tribunal Federal.

Por outro lado, os seqüestradores foram regularmente processados, tendo lhes sido assegurados todos os direitos de defesa e o devido processo legal, bem como os recursos pertinentes contra as decisões tomadas, sendo inviável pois, falar-se, em uma pena excessiva ou num processo de exceção.

Além disto, o argumento de que os mesmos estariam sofrendo em demasia no seio de nosso sistema prisional, não pode ser aceito, pois se assim o fosse, nós deveríamos abrir as grades de todas as cadeias para os piores meliantes que lá se encontram, colocando a sociedade à mercê de toda sorte de barbaridades que tais indivíduos já se mostraram capazes de cometer.

Também não podem justificar o não cumprimento da pena as condições carcerárias brasileiras, até porque os seqüestradores ao cometerem um crime no nosso País passaram a se sujeitar ao nosso sistema carcerário, cujas mazelas são do conhecimento de toda a sociedade.

Ora, deste modo, a prisão de mencionados seqüestradores não fere direito humano algum, pois tem sido realizada nos exatos ditames de nossa legislação, que se fundamenta na Constituição Federal de 1988, outorgada por um regime democrático.

Ao contrário, o não cumprimento da pena imposta, seja através da “extradição” ou da expulsão dos seqüestradores, representa a violação dos direitos humanos de toda a sociedade brasileira, que será obrigada a conviver com uma situação indesejada de impunidade.

Isto porque, a nossa Constituição Federal tutelou em seu artigo 5?, dentre outros bens indisponíveis, a nossa vida e liberdade, e obviamente autorizou a punição daqueles indivíduos que viessem a violar tais garantias.

Os seqüestradores do Sr. Abílio Diniz, sabiam que estavam privando a liberdade de um membro de nossa sociedade, colocando em risco a vida do mesmo, com o fito de extorqui-lo, violando com isto direitos humanos básicos, e por isto não podem ficar impunes.

Deste modo, o descumprimento da justa pena aplicada não vem a assegurar os Direitos Humanos, mas sim a incentivar indevidamente à impunidade, bem como a desmoralizar o nosso sistema jurídico, deixando a sociedade à mercê de sua própria sorte quando em confronto com a criminalidade.

Por estes argumentos, entendo de todo impertinente a expulsão ou extradição dos mencionados seqüestradores.

(*) Promotor de Justiça em São Paulo e membro do Instituto de Estudo Direito e Cidadania.

 



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