Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Diário de guerra

CORRESPONDENTES

Quatro jornalistas americanos da Cox Newspapers e do Atlanta Journal-Constitution descreveram, em artigo publicado em 4 de novembro, como têm sido os desafios de cobrir das redondezas do Afeganistão os ataques dos EUA.

Margaret Coker, de uma frente de batalha talibã no norte do Afeganistão e próxima à fronteira com o Tajiquistão, conta que viver lá é tudo menos confortável. Não há papel higiênico, nem eletricidade. "Cada passo provoca olhares e junta multidões, mesmo que minha cabeça esteja coberta como as de mulheres muçulmanas", disse a repórter. Antes de sair, a tarefa de negociar com motoristas e tradutores irrita e aumenta a confusão de jornalistas revoltados por esperar para fazer as reportagens. "Os preços sobem diariamente e o pessoal local sempre quer mais dinheiro."

O repórter Craig Nelson pegou um jato comercial, um avião rebelde e um jipe da era soviética em jornada de três dias pelas montanhas para chegar a Jabal Saraj, a 40 km ao norte de Cabul. Foi detido com uma arma na cabeça, algemado e interrogado por mais de uma hora. "Vivo com outros quatro jornalistas em um quarto desmobiliado, com janelas improvisadas por cortinas de plástico. Dormimos em colchões espalhados no chão", escreveu. As condições dos banheiros são lamentáveis, conta. Tanto que uma repórter japonesa do Kyoto News comprou seu próprio vaso sanitário e pode ser vista freqüentemente carregando o objeto nos ombros. Não há telefones locais e recorre-se a geradores ou baterias de carro para usar laptops e telefones via satélite. Não há analistas, acadêmicos ou ativistas humanitários para entrevistas. O Talibã também se recusa a dar comentários.

A diferença entre sucesso e fracasso é pequena. A escolha do tradutor, do motorista, da companhia e do destino dita o sucesso ou não da reportagem. Há cooperação entre muitos jornalistas, mas nada de "um por todos e todos por um". "Um correspondente de uma grande emissora britânica bloqueou o acesso da Reuters ao local privilegiado de onde observava os ataques aéreos", contou. "E repórteres italianos caçadores de furo me barraram quando quis entrar em uma sala para entrevistar defensores do Talibã."

Após três semanas no Paquistão, Don Melvin voltou aos EUA, e disse ter ficado apreensivo porque as manifestações exibidas na TV pareciam assustadoras, mas chegando lá viu que as pessoas são receptivas. Melvin não se sentiu ameaçado por ser americano. "As pessoas sabem distinguir um indivíduo americano do governo americano. Muitos deram boas-vindas aos jornalistas por considerá-los a principal via de transmissão de suas mensagens ao mundo", disse.

Há duas semanas no Paquistão, Dan Chapman já esteve em Islamabad, Peshawar, Caxemira e Quetta. As condições de vida são boas porque repórteres anteriores já haviam levantado os bons hotéis de Islamabad e Peshawar. "Este país está lotado de jornalistas, de forma que a tarefa mais árdua é achar quarto de hotel", disse. "Na maioria das vezes sou bem tratado. O ódio está focado no governo americano, mas acho que isso mudará."

HARON AMIN

Haron Amin está virando uma celebridade pouco convencional nos EUA. Com traços árabes, ex-soldado do Afeganistão, de 32 anos, é hoje considerado porta-voz da Aliança do Norte nos EUA. De Arlington, no estado americano de Virgínia, Amin grita frenética e ininterruptamente pelo celular. Mal acaba de falar com um diplomata da ONU e um repórter grego está na linha, seguido de um produtor da CNN confirmando sua presença no programa de Larry King.

Até 11 de setembro, Amin não havia lidado muito com TV. A partir dos ataques terroristas, viu-se no epicentro do furacão. E, segundo Howard Kurtz [The Washington Post, 7/11/01], seu temperamento claro e seu inglês preciso às vezes escondem do público um novo campo de batalha que Amin enfrenta, diferente do que conheceu em sua terra natal. "A lição mais importante que aprendi é que no final temos três minutos na TV", diz. "Nesses três minutos, temos que passar a mensagem. Como usar a linguagem diplomática no nesse contexto? Se o discurso for estúpido, a tarefa não foi cumprida."

Como um comandante estudando tropas de oposição, ele começou a traçar um "estudo de caráter" de personalidades da TV americana, comparando Chris Matthew, Aaron Brown e outros apresentadores, por critérios como tempo dedicado à entrevista e propensão a interromper o convidado. Já familiarizado, Amin diz que a mídia impressa é um desafio diferente. "Primeiro você dá uma entrevista em off, depois diz o que pode e o que não pode ser publicado", afirma.

A maratona de programas tem sido um curso de comunicação para um homem que fugiu do Afeganistão com a família, passou a adolescência na Califórnia, foi soldado em seu país de origem e terminou como funcionário da ONU.

Talvez um dos componentes mais surreais é o fato de Amin influenciar a cobertura do maior evento mundial da atualidade de seu apartamento ? o que Tom Lauria, empresário dele, chama de Operação Gentalha. Para se preparar para as sessões, usa telefone via satélite em ligações para os ministros do Exterior, da Defesa e do Interior da Aliança do Norte.

Os nomes na agenda de Amin são típicos: Charlie Rose, Ted Koppel, Dan Rather, Sam Donaldson, Bill O’Reilly, Judy Woodruff, Brian Williams. Já esteve em programas como Face the Nation e This Week, e apareceu 18 vezes na CNN, 12 na Fox, oito na BBC, cinco na MSNBC e dezenas em entrevistas de jornais.

O programa em que menos se deu bem foi numa entrevista a Lester Holt, da MSNBC. Um produtor lhe disse ao ouvido que interromperiam o programa para uma coletiva do prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani. O frenesi da imprensa revela uma grande ironia. Amin lutou a vida inteira para que o mundo prestasse atenção na crueldade do Talibã e no perigo de bin Laden. Agora, é uma peça fundamental na máquina midiática global. "Sonhamos por anos com este tipo de atenção", diz.