A SENTENÇA DA JUSTIÇA FEDERAL do Rio de Janeiro que proibiu a jogatina pela TV desvendou também uma série de evidências da maior importância no panorama jornalístico brasileiro:
– A decisão resultou de um sistemático trabalho da repórter especializada da “Folha”, Elvira Lobato (sucursal Rio) ao longo de quase um ano em que foi desmascarada a fraude das contribuições filantrópicas e posta em dúvida a própria lisura dos sorteios. Significa que o caminho da sobrevivência do jornalismo impresso passa necessariamente pela reportagem aprofundada e persistente.
– A sentença foi divulgada na tarde da segunda-feira, 29/06/98. Os telejornais daquela noite, transmitidos pelas emissoras que durante o dia funcionam como cassinos, ignoraram o assunto. Significa que não alertaram os participantes da farra lotérica de que a partir do dia seguinte estariam cometendo um ato ilegal.
– A “Folha” e “O Dia” (Rio) divulgaram a sentença em manchete de primeira página no dia seguinte. O “Estadão” publicou na primeira página com título forte. O “Jornal do Brasil” só conseguiu dar o assunto em segundo cliché com uma nota curta na primeira página. “O Globo” noticiou o fato com correção mas nenhum destaque deslocando um assunto de interesse popular para a seção de Economia.
– A jogatina pela TV continuou intensa ao longo da terça-feira.
– Apesar da repercussão na mídia impressa, os telejornais da noite de terça-feira continuaram escondendo a notícia embora o Ministério da Justiça tivesse aconselhado os telespectadores a não participar dos sorteios. Trataram do assunto apenas: o jornal da CNT e o “Observatório da Imprensa” da TVE (21 horas) que no seu primeiro bloco levou ao ar uma entrevista com Elvira Lobato, comentários da equipe e debates do público (LINK para o compacto do programa).
– Na edição de quarta-feira “O Globo” nobilitou a questão convertendo-a em manchete de página com a decisão da ABLE (Associação Brasileira de Loterias Estaduais) de recorrer da decisão da Justiça Federal. A matéria também destaca a informação de que as receitas das operadoras dos sorteios podem ser confiscadas.
– A jogatina continuou correndo solta ao longo da quarta-feira.
– Fica flagrante que as emissoras de TV não são veículos jornalísticos porque se desobrigam ostensivamente de informar o seu público sobre questões que o afetam diretamente. A ABERT (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV) não pode falar em liberdade de imprensa enquanto suas associadas ignoram a contrapartida constitucional da defesa do interesse público.
Fica evidente, a partir deste caso, que o telejornalismo praticado no Brasil assumiu-se abertamente como parcial, engajado e sem isenção.
EM TEMPO: As medidas judiciais e atos administrativos posteriores (1 e 2 de julho de 98) não alteram o quadro nem as avaliações acima.
(Ver abaixo remissões para “O direito de informação e o dever de veracidade” e “Picaretagem oblige”.)
DIA SEGUINTE À VITÓRIA DA SELEÇÃO brasileira contra o Chile, domingo, três dos quatro jornalões nacionais publicaram na primeira página enormes anúncios da Abifarma, que congrega as empresas farmacêuticas. Reclamava contra a precipitada punição da Schering, que distribuiu pílulas com farinha (habitualmente usadas como placebo) no lugar de anticoncepcionais.
E lembrava o episódio da Escola Base, quando a imprensa alardeou como verdadeiras as suspeitas de autoridades policiais, com isso manchando reputações e destruindo vidas.
Alusão viciosa e solerte. Clara manobra para calar a imprensa lembrando um episódio em que foi flagrada em erro. Tentativa de impedir que a ação saneadora da autoridade ganhe o respaldo da opinião pública.
Quarta-feira, novo manifesto na primeira página de três jornais, desta vez pago pela própria Schering: bem mais humilde do que o da corporação da indústria farmacêutica, onde se solidariza com as mulheres que engravidaram por conta da troca de pílulas, assume as responsabilidades e dá conta das providências.
E por que apenas três dos quatro jornalões foram aquinhoados com aqueles anúncios pagos a peso de ouro ? Porque O Globo, o jornal que ficou de fora, não aceita na primeira página anúncios maiores do que 10 centímetros por coluna (no segundo anúncio, da Schering, o jornal publicou uma espécie de chamada na primeira e, a íntegra da publicidade, na três).
A primeira página de um jornal é o espelho do seu compromisso com a sociedade. Ali está estampado o que o jornalista considera como o supra-sumo do dia. Forçar a inclusão de uma informação ou opinião através de pagamento é descabido e antiético.
Se nas redações pretende-se que existam códigos de ética profissional, seria de se esperar que também nas salas da diretoria funcionasse algum código de ética empresarial.
NA EDIÇÃO DA Isto É de 1/7/98 (p.68-71), que chegou às bancas no domingo, 28/6, há uma interessante matéria histórica sobre o papel da base aérea de Natal durante a 2ª Guerra Mundial com base na documentação colhida nos arquivos americanos por um pesquisador local. A matéria levou a chancela de “Exclusivo”. No dia seguinte, 29/6, a Folha de S. Paulo iniciava uma série de duas reportagens sobre o mesmo assunto.
Evidentemente foram colhidas na mesma época, na mesma fonte. E para o leitor que comprou a revista no meio da semana já tendo lido a matéria da Folha, o uso da chancela “Exclusivo” é, no mínimo, abusivo.
ALÉM DA VITÓRIA NO GRAMADO, o jogo do sábado, 27/6, obrigou as empresas que editam os grandes jornais a esquentar as morníssimas edições dominicais. Fechadas, em geral, na manhã de sábado, chegam às bancas à noitinha com 90% do noticiário escrito na quinta e na sexta-feira.
Desta vez, com um jogo assistido por todos os leitores, marcado para começar às 16 e terminar às 18 horas de um sábado, as empresas tiveram que segurar pelo menos dois cadernos – o primeiro e o da Copa.
Mudaram-se os esquemas de trabalho na redação, impressão e distribuição e os jornais chegaram aos seus destinos mais ou menos na hora.
As edições de domingo saem geladas por preguiça e desinteresse pelo leitor.
(Ver abaixo remissão para coluna de Lira Neto.)
BOLSAS “DESPENCAM”, o adversário “esmaga” e o ministro é “derrubado”. O teor da notícia já não importa, importa o impacto que pode causar o palavreado do título.
Isto tem a ver com o compulsivo sensacionalismo e, também, com a pobreza vocabular da moçada das redações. E tem a ver, igualmente, com a falta de esmero para buscar as palavras apropriadas.
Exemplo pitoresco foi a página autopromocional da Folha no domingo 7/6/98 (p.1-12) em comemoração a um programa de avaliação dos erros da redação. Manchete da página: “Programa inédito da Folha combate erros”. Vá lá que seja “inédito”, mas o verbo guerreiro antagoniza o espírito e a natureza da iniciativa.
Sugestão: um programa, esse sim inédito, de colocar um dicionário de sinônimos na memória do programa de texto.
Compactos do programa Observatório na TV: <www.tvebrasil.com.br>.
O direito de informação e o dever de veracidade
Domingo não tem mais jornal, Na contramão do jornalismo, Lira Neto