Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Divulgação maciça com efeito negativo


M.M.

 

O

médico sanitarista David Capistrano Filho, secretário de Saúde de Santos entre 1989 e 1992 e prefeito da cidade entre 1993 e 1996, constata que a divulgação maciça pela imprensa da questão dos transplantes “acabou produzindo resultado negativo: o desestímulo à doação”. David aponta a falta de confiança dos cidadãos no sistema de saúde como o caldo de cultura dessa reação. Está convencido de que teria sido melhor incentivar a afirmação da disposição de doar ao invés de criar a obrigatoriedade.

O médico João César Moreira, presidente da Sociedade Brasileira de Nefrologia, afirma que a lei foi muito questionada por todas as sociedades médicas brasileiras quando o governo a submeteu ao Congresso, no final de 1996, e critica a cobertura jornalística por ter negligenciado esse debate à época e se deixar seduzir, agora, por “profissionais que têm interesse em aparecer”. O nefrologista também acha que uma campanha a favor da doação teria dado melhores resultados. Segundo João César Moreira, a imprensa deveria dar mais atenção às condições deficientes do sistema público de saúde como um todo: “Aí residem, os maiores problemas, inclusive para a realização de transplantes.”

Já o médico Alfredo Fiorelli, que foi coordenador da Central de Transplantes da Secretaria de Saúde do estado de São Paulo entre 1990 e meados de 1997, acha que as imposições não funcionam. “Experimente transformar as doações da Campanha do Agasalho [feita anualmente pelo governo paulista] em obrigação de doar roupa: não vai funcionar”.

Fiorelli relembra a necessidade de se fazer investimentos urgentes na rede de emergência: “Ninguém pode entender como um parente pode morrer depois de passar horas em busca de atendimento de emergência e, dez minutos depois, surgir uma equipe bem-equipada para tirar órgãos. Uma coisa não tem relação direta com a outra, mas é difícil explicar isso, sobretudo num momento tão delicado da vida das pessoas”.