Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Do caso Soninha à caixa d’água rachada

TV CULTURA

Albert Dines

Como sempre acontece, a crise da TV Cultura saiu do noticiário depois de duas semanas de razoável exposição na mídia. Os jornais cansaram, as partes resolveram enfrentar-se fora dos holofotes, mas o problema continua.

A questão que falta encarar é simples, quase elementar: trata-se apenas da falta de verbas?

O governo de São Paulo tangenciou-a quando mencionou a necessidade de procurar novos modelos de gestão. Na edição televisiva do Observatório de 13/5 ficou claro que as duas redes nacionais de educação e cultura prestam um serviço público mas não são efetivamente públicas porque foram implantadas e sobrevivem graças às verbas governamentais (a TV Cultura é financiada pelo estado de São Paulo e a TVE, pelo governo federal).

O que significa procurar novos modelos de gestão? Como iniciar a reconversão de uma TV estatal (ou semi-estatal) num organismo público (ou semipúblico)?

A questão passa pelo financiamento mas não só por ele. Uma TV que se pretende pública não deve concorrer com as TV privadas e comerciais na busca de anunciantes. Fatalmente perderá a parada. Já houve momentos em que a própria Cultura conseguiu mobilizar apoios institucionais de grandes empresas para seus projetos sem concorrer com a veiculação comercial e sem recorrer à inserção de anúncios.

Fala-se tanto em responsabilidade social e tantas empresas procuram envolver-se com projetos filantrópicos, cívicos, educacionais e culturais que custa crer que essas mesmas empresas, fundações e institutos recusem-se a colaborar na manutenção de uma instituição do porte e com a história da TV Cultura.

Mudar o "modelo de gestão" envolve igualmente uma reformulação do processo decisório. Uma TV financiada pelo Estado, com vocação pública, exige uma participação comunitária de caráter amplo, apolítica, "republicana". O Conselho que administra a Fundação Padre Anchieta foi precipitado e preconceituoso quando demitiu a apresentadora Soninha antes mesmo de verificar se a revista Época foi correta na veiculação das suas declarações a respeito da maconha [veja, abaixo, matérias publicadas no OI sobre o caso].

Enquanto a direção executiva da TV Cultura mostrou coragem incomum ao permitir que o Observatório tratasse da demissão da sua funcionária (numa emissão excepcionalmente transmitida dos seus estúdios em São Paulo e não da TVE, no Rio), o Conselho da Fundação caminhou na direção contrária reclamando da direção da emissora a correção do seu comportamento.

O "Caso Soninha" teve também graves implicações financeiras. A emissora perdeu uma de suas profissionais mais competentes, populares, e que garantia excelentes índices de audiência. Mais grave do que isso: engavetou os programas gravados e ainda inéditos com um prejuízo incalculável.

A crise da TV Cultura não pode resumir-se à caixa d?água que ameaça desabar. O debate iniciado pelo colunista Ethevaldo Siqueira no Estado de S.Paulo [remissão abaixo] precisa continuar se não na grande imprensa, pelo menos em outras esferas da mídia. Uma emissora de TV que aspira tornar-se pública deve abrir-se ao debate, mostrar-se permeável ao escrutínio da sociedade, mobilizá-la em seu favor.

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