Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Do eclipse ao apocalipse, a mania das bobagens


O mundo continua firme, a mídia nem tanto

O CONTRATO é esse: palhaço não engana o público e o público não leva o palhaço a sério –assim todos se divertem. Mas no circo midiático a rapaziada que comanda a função leva-se muito a sério e engana o público em todas as oportunidades. Isso não pode acabar bem – alguém vai começar a reclamar.

A brincadeira eclipse & apocalipse mostrou o esgotamento de um modelo de saturação frívola no qual nenhum profissional acredita e, não obstante, continua sendo adotado por preguiça em todas as coberturas.

Porque o fenômeno seria apenas observado em certas partes da Europa, a mídia americana tratou-o de forma moderada. No Brasil, onde também não seria visto, foi badalado intensamente – como se a insistência pudesse trazê-lo até a estas bandas.

IstoÉ ganhou o troféu máximo desta palhaçada ao pretender o papel de pioneira da nova “mania” do fim do mundo, e antecipando em 10 dias um “clima” que acabou não acontecendo. Conseguiu a façanha de ridicularizar-se mais do que Veja com a capa do Ronaldinho. Concorrência é isso aí.

Cinco dias antes do eclipse, nossos jornais já estavam espalhando as fotografias de gente nas ruas da Europa olhando para o céu com óculos protetores. Se não havia eclipse, por que estariam olhando para o sol? Simplesmente porque os paparazzi estão sem assunto neste verão europeu. E como a mídia brasileira macaqueia indiscriminadamente, deixou por momentos o modelo americano para deleitar-se com a eclipsomania européia.

Nas emissoras de rádio o besteirol foi ainda mais intenso, grande treino para dezembro de 1999 e 2001. Nestas ocasiões escancara-se a burrice que impera em grande número de nossas emissoras, sobretudo depois do rush matinal e noturno, quando perdem os ouvintes mais qualificados.

Este Observador ouviu na tarde de terça-feira 10/8, na CBN paulista, uma comunicadora tentando extorquir do Editor de Ciência da Folha de S.Paulo uma declaração de que astronomia e astrologia teriam afinidades. O jornalista resistiu bravamente, não fez concessões mas certamente frustrou a comunicadora que não conseguiu obter fundamentos científicos para as suas crendices.

O Estado de São Paulo e o Jornal do Brasil comportaram-se de forma mais adulta. O único jornal que conseguiu apresentar-se com originalidade e inteligência foi o Correio Braziliense [veja remissão abaixo].

De qualquer forma, a combinação da eclipsomania com apocalipse resultou num almanaque da pior categoria – com pitadas de história, astronomia, filosofia e folclore, nenhuma suficientemente estudada e completa.

Os interessados em saber como é que se escreve sobre a matéria deveriam ler o The Economist (7/8/99. pp. 67-69). Convém que aprendam logo: dentro de 250 milhões de anos, em função dos desvios da órbita lunar, talvez não tenhamos outros eclipses.

 

A EDITORA paulista resolveu lembrar e lembrar-se dos 33 anos de Realidade, “a revista que mudou o jornalismo brasileiro”. Lançou nas bancas uma “edição especial histórica” para recordar alguns momentos da década de vida (1966-1976) do famoso mensário de reportagem (oito Prêmios “Esso” em apenas sete anos).

Peça indispensável para colecionadores, folheá-la é um deleite. E também um desconforto. Evidencia-se que o jornalismo brasileiro mudou para pior. Lançada em pleno regime militar, ainda assim Realidade era ousada, inventiva, inteligente e instigante. À altura de um jornalismo denso e consistente então praticado, a despeito das dificuldades políticas para o seu exercício.

O país é o mesmo e, no que mudou, mudou para melhor. Os jornalistas são os mesmos, a maioria ainda está no mercado de trabalho penando, frustrada. O idioma é o mesmo, a empresa é a mesma. Apesar de tantas semelhanças, aquela Realidade e a realidade jornalística de hoje são conflitantes.

Não está clara a intenção ou estratégia da Abril em rememorar um de seus grandes momentos (sem qualquer pretexto ou efeméride). Seria ótimo imaginar que trata-se de uma sacudida geral, algo com um murro na mesa, injeção de adrenalina. Ou reprimenda pública àqueles que não estão à altura das tradições e paradigmas passados. Há empresas capazes deste tipo de hombridade.

 

A MANCHETE da Folha do dia 4/9/99 dizia em oito colunas: “Rodovia privatizada descumpre meta”. O jornal aparentemente está certo. Mas na edição nº 3 deste Observatório, em 5 de agosto de 1996, exatamente há três anos, dizíamos: “Privatização impõe o dever de fiscalizar”. Na véspera do início da cobrança do pedágio na Dutra, o Observatório da Imprensa reclamava que a grande imprensa, na avassaladora ânsia privatista, não mostrava a menor disposição para fiscalizar o funcionamento da rodovia. Nas mãos do Estado, o controle poderia ser exercido pelo legislativo ou mesmo judiciário. Nas mãos de empresas privadas, a fiscalização cabe ao poder público e à imprensa.

Está hoje evidente que o governo não soube estabelecer uma sistema de vigilância sobre as empresas que estão explorando as rodovias que deixaram o âmbito do Estado. Mas também é evidente que a grande imprensa esqueceu completamente de fazer a sua parte.

O resultado aí está.

 

NA EDIÇÃO de terça, 17/8, a Folha noticiou a solene inauguração do Fórum São Paulo, um projeto do governador Mário Covas para discutir o futuro do estado. Presentes ministros de Estado, secretários, empresários, políticos e, entre eles – pasmem! – o ex-governador Orestes Quércia, do PMDB. Como se sabe, Quércia é inimigo do PSDB mas estava sentado à grande mesa que dirigiu os trabalhos do evento.

A Folha publicou a foto de Quércia, não o identificou na legenda e sequer mencionou a sua presença. Não é apenas descaso com a pessoa, é mais uma prova de como os editores andam “antenados”, longe de atender a curiosidade do leitor.

 

PRIMEIRO foi a Xuxa, levada para a redação do jornalão carioca para fingir que era repórter numa produção televisiva. Agora é o Xuxa (Fernando Scherer, astro da natação) que na primeira página do domingão (8/8/99) aparece como repórter entrevistando o companheiro Gustavo Borges.

Entrevista rigorosamente medíocre, frívola e descartável. Tanto que o título na página de esportes foi tirado de uma declaração do entrevistador e não do entrevistado: “Tenho um projeto de trabalhar na TV”. Se a moda pega – e já está pegando, a Folha também tem o seu plantel dourado –, breve teremos celebridade entrevistando celebridade e manchetes sobre quem pergunta e não em cima de quem responde.

 

O PAÍS VIZINHO está em estado de guerra há cerca de três décadas. Nos últimos três anos, a situação transformou-se em conflito generalizado e aberto. A cobertura da nossa imprensa, a despeito da enorme fronteira comum, tem sido pífia e baseada nos despachos das agências de notícias. O Estado de S.Paulo foi o primeiro a mandar um repórter, depois foi a vez de Época. Em seguida veio a Folha, que para lá despachou uma de suas estrelas.

Em sua edição de sexta-feira, 13 de agosto – decididamente dia de azar – o jornalão paulista conseguiu do seu enviado especial o dom da ubiqüidade: da mesma Bogotá escreveu sobre a Venezuela (pág. 1-15), sobre a Colômbia (pág. 1-16) e sobre o Brasil (pág. 1-2). Onipresença ou onisciência? O problema não é do profissional, é do jornal: chama-se onipotência.

 

NOSSOS ALTOS EXECUTIVOS jornalísticos referem-se ao Los Angeles Times com intimidade: L.A. Times. Apontam-no como modelo. Certamente não estão acompanhando as desastrosas decisões do publisher Mark Willes, que veio diretamente do negócio de cereais matinais para comandar a operação do tradicional jornalão da Califórnia [clique no botão de Busca e procure Mark Willes].

Willes está sendo chamado de cereal killer (trocadilho com serial killer) tantos os estragos que está causando na imagem do jornal. A última: contratou um designer de automóveis (Jerry Hirshberg, da Nissan, criador do Pathfinder) para redesenhar o jornal e torná-lo mais atraente.

Como o artista ainda não conseguiu assimilar a diferença entre um radiador de carro e a primeira página de um jornal, o novo modelo do L. A. Times levará algum tempo até chegar ao estacionamento.

Espera-se que não venha com saquinhos de sucrilhos.

 

AO CONTRÁRIO do que aqui foi dito [ver edição anterior do Circo da Notícia], Linda Tripp não foi condenada por um júri, mas investigada e indiciada por um Grand Juri (instância persecutória). O julgamento começa agora. Esta primeira decisão não invalida as considerações aqui feitas a respeito de grampos e vazamentos.

 

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