Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Do$$iê Apocalip$e

(I) O urso ganhou do touro
graças à serpente da mídia

Na mitologia da Rua do Muro, vulgo Wall Street, baixa Manhattan, a alta é representada por um fogoso touro e o urso, indolente, encarna a baixa. O Brasil foi agarrado pelo urso. Em grande parte por causa da mídia que funcionou como serpente agourenta.

“Em matéria de bolsa, prognósticos e premonições da mídia convertem-se automaticamente em diagnósticos e sentenças”. Foi o que declarou a este Observador um correspondente anglo-saxão baseado em S. Paulo, com muita experiência em outras praças, no auge da crise.

Nos EUA e Inglaterra a imprensa séria jamais dirá que um banco parece que não honrou os compromissos ou parece que está em dificuldades (a imprensa não-séria omite-se desta pauta).

Um banco em dificuldades é assunto sigiloso porque a simples publicação da hipótese torna-se imediatamente realidade. O mesmo se aplica quando as ações de uma empresa parece que vão estourar. Publicada a hipótese, confirma-se.

No Brasil somos capazes de disseminar informações sobre bancos que balançam sem o menor constrangimento, esquecidos do poder multiplicador de uma informação jornalística em ambientes tensos e voláteis.

Foi o que aconteceu em 1995, quando o Banco Central decretou a intervenção no Econômico. Os jornais sabiam que outros bancos balançavam, não se atreviam a dizer quais, até que Antônio Carlos Magalhães, ferido na sua baianidade e no seu pefelismo, botou a boca no trombone: mencionou o Nacional e o Bamerindus como virtualmente quebrados. Com uma fonte dessas, todos publicaram. Quebraram, óbvio.

O que aconteceu nas últimas semanas nas bolsas brasileiras e nas internacionais com os títulos brasileiros não foi um ataque especulativo contra o Real. Quem o disse foi Gustavo Franco, presidente do BC, e analistas experimentados.

Foi pânico, puro e simples, que a imprensa não soube prevenir. Os fatos:

* Quando começou a crise na Tailândia os jornais e, sobretudo, telejornais começaram a anunciar que a próxima vítima seria o Brasil. Sem o menor suporte factual, pura sacação, para dizer depois – “vendo, eu sei das coisas, antecipei!”

* Na segunda-feira, 27/10, quando Hong-Kong despencou, as imagens da ansiedade nas bolsas do mundo precisavam de um comentário grave, solene, competente – o vaticínio. Infalível quando publicado.

* A situação piorou na quarta-feira quando alguns veículos de grande responsabilidade noticiaram – com discrição, é verdade, mas nestas coisas a intensidade pouco importa – que duas casas financeiras brasileiras não estavam conseguindo honrar seus compromissos em Nova York.

* Foi o bastante para que nos meios financeiros internacionais se formasse a convicção que no Brasil armava-se quebradeira à la México ou Venezuela. E então começaram a se desfazer dos negócios com ações ou títulos brasileiros. A constatação dos efeitos perniciosos da boataria jornalística brasileira foi vocalizada por analistas do J.P. Morgan e do Lloyd’s Bank e mencionados explicitamente em matéria da Folha no sábado, 1/11, pg. 11, caderno Dinheiro.

A bola de neve voltou ao Brasil e só foi interrompida quando o governo ampliou as taxas de juros.

II) Pontos altos na
cobertura da baixa

* A edição de quarta-feira, 29/10, da Folha esteve excelente, da primeira página (ao escolher a estátua do touro em frente à Bolsa de Nova York) às internas, ineditamente fartas, editadas com capricho e isenção. Esquecida do “Jornalismo Crítico”, materializou pela primeira vez a promessa feita há três meses no famoso projeto Folha-97 de procurar o caminho da interpretação e contextualização.

* A Gazeta Mercantil (edição de 3ª, 28/10) foi a única que soube cumprir com o papel de jornal-do-dia-seguinte, escapando do noticiário dos telejornais da véspera para projetar tendências macroeconômicas.

* O palpitismo imperou em matéria de “rombo nas divisas”. Nas edições de 29/10 o placar era este:

Para O Globo governo vendeu 8 bilhões de dólares.

Para a Gazeta Mercantil vendeu de 4 a 6 bilhões

Para o JB foram 3 bilhões (corrigidos em seguida, em manchete berrante, para 8 bilhões).

Para o Estadão foram 8 bilhões.

Para a Folha foram 6 bilhões.

Veja deu a palavra final (com declaração de especialista do BC): foram 5 bilhões.

* O editorial mais ousado foi o do Estadão (29/10) quando pediu que governos e agências internacionais controlem o mercado financeiro. Na verdade, um apelo aberto ao intervencionismo, proclamado pelo mais coerente porta-voz do liberalismo (político e econômico). Pena que, quando se trata da mídia, o “mercado” está livre para fazer o que bem entende.

III) Conflitos: quando anunciante
também é opinionista

Luiz Paulo Rosenberg, um dos sócios da Linear Investimentos, é comentarista regular de pelo menos três grandes veículos jornalísticos e um crítico feroz da política econômica. Chegou a chamar o Presidente FHC de Maria Antonieta no comentário para a rádio da qual é grande anunciante (Ver Para que servem os jornalistas?)

A Linear Investimentos foi uma das financeiras que passou por momentos de aperto. Apareceu em diversos jornais e revistas dando explicações na pessoa do outro sócio, Ibrahim Eris, presidente do Banco Central no período Collor (em entrevista à Radio Eldorado, dia 31, 13,30 horas, Eris reclamou que a imprensa só noticiou suas dificuldades e nunca os seus feitos, ao que o entrevistador secamente retrucou: este é um problema ético da mídia mundial)

Rosenberg, estrategicamente, sumiu do mapa. Vamos ver como se comporta quando a crise amainar.

Se mudar de opinião sobre FHC ficará mal.

Se mantiver, idem (reclamar em causa própria).

É o que acontece quando veículos esquecem o problema de conflito de interesses.

IV) Pesquisite aguda
no domingão

Infalível como o Big Ben, reapareceu o “jornalismo crítico” da Folha sob a forma da velha pesquisa de opinião pública dominical. Desta vez, sobre a confiança da população no Real (2/11).

Foram ouvidas num mesmo dia (31/10) 652 pessoas, apenas em S. Paulo. Não foram explicados os critérios de montagem do universo, tipo de abordagem, seleção dos pesquisados, locais onde foram ouvidos. A maioria dos paulistanos continua achando o real bom ou ótimo (55%) mas a proporção dos que acham que é ruim ou péssimo subiu de 8% para 14%. Conclusão do redator da manchete (pg. 14: “Crise das bolsas derruba aprovação a FHC”)

Além de ocupar a parte mais nobre da primeira página, a balela pseudo-estatística ocupou página interna inteira no primeiro caderno.

O Estadão em nova fase e, parece, curado do surto de pesquisite, não resistiu e também fez a sua aposta no flexível mercado da opinião pública. Mas minimizou-a na primeira e no caderno de economia. Ouviu 600 pessoas, não disse quando, onde e os critérios adotados. E concluiu em direção diametralmente oposta: 62% não perderam a confiança em FHC e para 64% a credibilidade no Real será mantida. Apenas 20% declararam-se informados sobre crise financeira.

Quem é que está certo no domingão – Faustão ou Gugão?

(Observações para este dossiê encerradas em 2/11/97.)

 

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