Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Dois raios sobre uma só cabeça

FITAS & ROLOS

Chico Bruno (*)

Um dito popular afirma que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar. Pelo menos, no caso brasileiro, na relação jornalismo versus política, esse ditado não pode mais ser aplicado. Os últimos acontecimentos políticos revelam que, neste país tropical abençoado por Deus, um mesmo raio pode cair duas vezes num mesmo lugar ? ou numa mesma cabeça.

Não está tão longe da memória brasileira o escândalo do painel eletrônico do Senado. Naquele episódio, a revista IstoÉ, no caso o raio, publicou a transcrição da gravação de uma conversa entre o procurador federal Luiz Francisco, o senador Antonio Carlos Magalhães e mais dois procuradores, na qual o político baiano se gabava de ter tido acesso à lista de votação secreta da sessão em que foi cassado o senador Luiz Estevão, conseguida graças a violação do painel eletrônico do Senado.

O material divulgado pela IstoÉ foi decisivo para a abertura do processo de cassação dos senadores Antônio Carlos Magalhães e José Roberto Arruda no Conselho de Ética do Senado. Mas eles renunciaram ao mandato para escapar do vexame que iria lhes impor a perda dos direitos políticos por oito longos anos.

Fisgado pela boca

Nos primeiros dias de fevereiro, veio a público uma denúncia de grampo telefônico feita por um suspeito de ter sido grampeado ? o deputado federal Geddel Vieira Lima. O governo Lula, seguindo o script do governo anterior, determinou que a Polícia Federal apurasse o episódio como qualquer outro do gênero, haja vista que se tornou uma prática corriqueira no país grampear linhas telefônicas sem que a Polícia Federal conseguisse chegar aos grampeadores. Os exemplos se multiplicaram nos oito anos de governo Fernando Henrique ? e atingiram até o então presidente da República.

A Polícia Federal descobriu que o grampo havia sido realizado a por meio da adulteração de documentos da Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia, e que não apenas o denunciante fora grampeado. Havia outras vítimas. Deputados federais e até uma ex-amante e seu atual cônjuge foram, também, grampeados. Por ilação se desconfiou que, como tudo no governo baiano desde de 1991 só é feito com a anuência do senador, ACM estava por trás da grampolândia baiana.

Novamente fisgado pela boca, como um peixe que não resiste à isca, o senador falou demais aos jornalistas ? que prontamente divulgaram o teor da bombástica conversa na edição seguinte da revista. Isso ensejou que novamente o Conselho de Ética fosse acionado para investigar a quebra de decoro parlamentar.

Nos dois episódios ? painel eletrônico e grampolândia baiana ? a revista IstoÉ desdisse o dito popular e demonstrou que, pelo menos na relação jornalismo-política, um raio pode cair duas vezes no mesmo lugar.

(*) Jornalista