Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Domingo com pelada também não é legal

FUTEBOL NA TV

José Carlos Aragão (*)

Nesse momentos em as pessoas começam finalmente a perceber que as tardes de domingo na TV brasileira não são tão "legais" assim, não pretendo gastar mais que um parágrafo para comentar a insustentável farsa do programa do Gugu. Depois do que já escreveram o Hoineff, o Tutty e o Dines, entre outros, dizer o quê? Que o Gugu não pode ser inocente (porque ingênuo a gente sabe que ele não é)? Que, afinal, ele tem antecedentes (quem não se lembra das armações do famoso Táxi do Gugu?) em montagem de farsas televisivas? Que seu programa sempre recorreu a atrações de gosto duvidoso (como ET e Rodolfo, ou a nada saudosa Egüinha Pocotó), erotismo inadequado ao horário (como a Banheira do Gugu) e ao sensacionalismo pseudo-jornalístico (como a overdose de "cobertura" da morte dos Mamonas, só pra lembrar um caso), e que, diante do recente episódio dos falsos pececistas, não há, no fundo, razão para surpresas ou indignação? Deixa pra lá…

Então, vou falar de outras tardes de domingo, mais puras, ingênuas, emocionantes, na visão desse saudosista: tardes em que futebol ao vivo era garantia de audiência. Sem baixarias, na disputa pelo ibope. Tempo bom, aquele…

As mulheres ? esposas, mães, tias, avós, a empregada (naquele tempo, elas eram parte da família e assistiam à TV com todo mundo, nas folgas de domingo) ?, é bem verdade, não gostavam: preferiam filmes, shows de calouros, variedades.

Mas, voltando ao futebol ? que ainda hoje há, mas monopolizado por um único canal aberto ? este também já não é o mesmo: mudou tudo. E são mudanças que vão muito além dos esquemas táticos ou dos novos conceitos de preparação física dos jogadores.

Se, hoje, o torcedor que vai ao campo tem seus direitos garantidos por um estatuto, o mesmo não se pode dizer daquele que prefere ficar em casa quando seu time está jogando em outro estado, por exemplo. Se seu time é o melhor do campeonato e está na ponta da tabela seria de se esperar que, jogando fora, sua partida fosse transmitida para sua cidade ou estado de origem, onde está a maior parte de sua torcida. E é exatamente o que acontece ? claro, se o time em questão for paulista ou carioca.

Liga-desliga

Contudo, na visão da emissora ? e dos patrocinadores da transmissão, certamente ?, só os clubes de Rio e São Paulo têm torcida em todos os cantos do país, o que potencializa o impacto de cada mensagem publicitária. Por isso, mineiros são obrigados a ver jogos de Flamengo, Vasco, Corinthians ou Fluminense ? que estão embolados do meio para baixo da tabela de classificação ? contra clubes de menor expressão no cenário nacional, como Figueirense, Paysandu, Fortaleza ou Juventude, mesmo que Cruzeiro ou Atlético tenham jogos decisivos ou importantes para seu posicionamento na tabela.

E tome pelada pela TV, nas tardes de domingo…

Em resumo, em nome de estratégias mercadológicas e faturamento, patrocinadores e emissora estão pouco se lixando para o torcedor-telespectador ? essa é que é a verdade.

Com isso, cria-se ainda um estranho paradoxo na TV brasileira. Por um lado, uma emissora apela para a baixaria para conseguir manter e ampliar sua audiência. Por outro, outra emissora desrespeita e ignora a audiência potencial segmentada e qualificada que teria, para impor uma transmissão esportiva exógena, com mínima identificação com a cultura esportiva de uma região.

Nesse vale-tudo pelo ibope, quem sai perdendo é sempre o telespectador. Além de não lhe restar muita opção, ele ainda tem grandes dificuldades para assimilar a idéia de que, afinal, tem direitos ? e de que todo aparelho de TV ainda dispõe de um botão de liga-desliga.

(*) Escritor e jornalista, de Belo Horizonte

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