Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Dora Kramer

ASPAS


FITAS & DOSSIÊS

"PT é contra", copyright Jornal do Brasil, 10/06/01

"Dois deputados federais do PT – um, o líder da bancada, Walter Pinheiro, o outro seu antecessor no cargo, Aloísio Mercadante – acham que chegou a hora de partidos, sociedade e imprensa encararem de frente e com seriedade uma questão: a onda de denuncismo que assola reputações.

Ambos concordam que se não houver urgente correção de rumos no trato de denúncias de irregularidades, o país caminhará inexoravelmente para a fragilização das instituições, a desmoralização das figuras públicas e a banalização de toda e qualquer acusação. De tal forma que todos, culpados e inocentes, serão igualados em vala comum pela opinião pública que terminará por concluir que, se nada têm conseqüência, nada vale a pena ser investigado.

O raciocínio, a princípio, pode soar estranho e incongruente na boca de dois petistas, uma vez que o PT sempre se notabilizou por adotar a lógica desse mesmo denuncismo para fazer política. É assim que o partido é percebido.

Mas Mercadante não concorda, acha essa percepção equivocada, e aponta o exemplo do dossiê Cayman – ?nunca nos envolvemos com isso, porque checamos antes a procedência? – para demonstrar que ?o PT é rigoroso na apuração de denúncias?. Tanto é, lembra ele, que a recente onda teve origem toda ela no campo governista. ?Foram Jader e ACM que fizeram as denúncias. Nós apenas pedimos a CPI para apurar se são verdadeiras. Essas coisas de fitas gravadas, pode ver, não têm a participação do PT.?

Walter Pinheiro vai na mesma linha, preocupado com a confusão que se faz entre fatos cujos indícios merecem apuração mais profunda e acusações levianas com objetivo exclusivo de desmoralizar adversários. É evidente que esse debate foi provocado pela divulgação de versões, segundo as quais o senador petista Eduardo Dutra sabia que Antonio Carlos Magalhães e José Roberto Arruda violariam o painel eletrônico do Senado.

Na berlinda, o PT altera um pouco a sua perspectiva do que seja justo ou injusto, mas isso não invalida a análise que os dois deputados fazem da realidade presente. Ao contrário. Quando a proposta para que nos debrucemos sobre essa questão vem do PT, há um ganho de credibilidade justamente por partir daqueles que não se abstêm, por isso, da posição de fiscais da boa conduta. Além do que, o amadurecimento de posições é sempre bem-vindo.

?Continuaremos a defender que se investigue o que for suspeito, mas o que não podemos é concordar com a destruição de imagens de maneira absolutamente inconseqüente. A democracia precisa reagir a isso?, defende Mercadante.

Para ele e Walter Pinheiro, o caso de Jader Barbalho fornece um bom exemplo para essa discussão. Ambos apontam que há indícios contra o presidente do Senado, mas lembram que é preciso provas para que exista a materialização de alguma ação concreta contra ele. ?Até agora não surgiu nada que mostre cabalmente a quebra do decoro parlamentar?, argumenta Pinheiro, concordando com Mercadante quando ele diz que a busca dessas provas justifica a CPI da Corrupção.

De qualquer forma, Pinheiro, Mercadante e certamente muitos outros no PT, sabem que o enfrentamento do tema denuncismo se faz tão urgente quanto mais se aproxima a campanha eleitoral, cujo clima de extermínio total não interessa a quem tem expectativa de ser poder.

Em Brasília para apresentar a peça Alta Sociedade, Fernanda Montenegro foi homenageada com um jantar na casa da empresária Vera Brant, na quinta-feira. No grupo, o ministro José Serra foi logo informando ter feito teatro na Faculdade de Engenharia, segundo avaliações da época, na condição de ?canastrão?.

Gentil, Fernanda rechaçou a hipótese, mas, prudente, preferiu desviar o assunto para a candidatura do ministro à presidência. Que, mais prudente ainda, desconversou. Enveredou pelo atalho da crise de energia e definiu assim a situação:

– É mais fácil de enfrentar que a inflação. Falta de energia é defeito, a gente conserta. Inflação é doença."

"Manual de sobrevivência", copyright Folha de S. Paulo, 9/06/01

"Dossiê cayman, reportagens recentes sobre Chico Lopes, armação em torno do depoimento da conselheira do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) Hebe Tolosa na Polícia Federal, o sujeito que se dizia lobista do diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo (que, depois, descobriu-se que era meio desequilibrado), todos esses fatos comprovam que não há mais o menor controle de qualidade na produção jornalística como um todo.

Nós, que abrimos espaços diariamente para que os Procons denunciem produtos de má qualidade, perdemos completamente a capacidade de separar as notícias das invenções. Nem sequer existe um selo que permita alertar o leitor: isso aqui é jornalismo, isso aqui é show.

O acirramento da competição, não apenas entre jornais como entre jornalistas, levou ao uso abusivo da cascata pura e simples, porque o pandemônio tornou-se tão amplo que alguns jornalistas podem errar sistematicamente, manipular sistematicamente, que os erros se dissolvem no ar, nem sequer são cobrados, lembrados.

Segue um pequeno manual de sobrevivência nessa selva, para aqueles leitores que fazem questão da qualidade jornalística, e não do jornalismo como show.

1) Conhecimento – Parte dos leitores tende a considerar que tudo o que sai em letra impressa é, por princípio, verdadeiro. Um pouco de ceticismo não faria mal. Tipo toda denúncia é por princípio falsa, a menos que apresente provas de que é verdadeira. Trata-se de princípio básico de direito, que reza que o acusador tem o ônus da prova.

2) Verossimilhança – É o critério inicial básico para avaliar uma reportagem: conferir se tem lógica. Nem isso se utiliza mais na disseminação de notícias. Se a denúncia diz que o sujeito que quebrou recebia do presidente do BC informações privilegiadas sobre o câmbio, a denúncia não tem lógica: se recebesse, teria enriquecido, e não quebrado. Da mesma maneira, supor que quatro políticos, sem afinidades pessoais entre si, pudessem abrir uma conta conjunta e batizá-la com suas iniciais é algo tão extravagante que deveria desqualificar a denúncia no seu nascedouro.

3) Evidências – Há denúncias que vêm acompanhadas de provas, outras que apresentam meras conclusões. O repórter que chegou a determinada conclusão, mesmo que não revele a fonte ou não disponha de provas, tem por obrigação revelar todos os elementos que lhe permitiram concluir. Quem tem elementos apresenta. Quem não apresenta é porque não tem. Se não pode apresentar testemunhas, o repórter tem, no mínimo, que apresentar fatos, circunstâncias, detalhes que lhe foram contados, para que o leitor possa avaliar se a suposição tem base ou se é chute. Se não apresentar, é chute.

4) Fitas – Não acredite no jornalista que, ao mencionar determinadas gravações, use adjetivos tonitruantes para qualificá-las (?explosivas?, ?impactantes?), mas não mostre nem a cobra nem o pau. Só acredite nos trechos entre aspas, e só acredite naquilo que você está lendo. Se o trecho mencionado não significar nada para você, é porque não tem significado algum mesmo. Qualquer conclusão que a reportagem apresente, que não for aquela que você pode tirar objetivamente da frase entre aspas, é cascata. Se os trechos do ?grampo? que foram publicados não tiverem importância, é porque o que não foi publicado tem menos importância ainda.

5) O outro dossiê – O jornalista investe meses a fio em um dossiê que se revela falso. Em vez de admitir o erro, recorre ao pretexto de que ?esse pode ser falso, mas existe o verdadeiro?. Se existe, mostre, senão a afirmação terá tanta objetividade quanto as versões de que Elvis não morreu.

6) A culpa é da vítima – O jornalista passa meses atacando a vítima. Depois que todas as denúncias se mostram infundadas, ele se safa, dizendo que a culpa foi da vítima, que não esclareceu as denúncias no devido tempo. É o mesmo que dizer que a vítima é culpada por ter permitido que ele continuasse no erro. É um pretexto criativo, mas que não contorna o fato de que ele é culpado e a vítima é vítima mesmo."

    
    
                     

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