Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Duas formas de divulgação científica

OFJOR CIÊNCIA 99

 

OfJor Ciência 99 ? Oficina OnLine de Jornalismo Científico é uma iniciativa do Observatório da Imprensa, Labjor e Uniemp.

 

Telma Domingues da Silva

 

Em 12 e 19 de abril, o Curso de Especialização em Jornalismo Científico do Labjor (Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo) contou com a presença especial de dois profissionais ligados à divulgação da Ciência. Álfio Beccari, redator-chefe da Galileu, antiga Globo Ciência, revista mensal da Editora Globo, e José Monserrat Filho, editor do Jornal da Ciência, publicação da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), falaram aos alunos do curso sobre as suas respectivas experiências e suas expectativas em relação ao trabalho do divulgador científico no Brasil.

Embora os dois exerçam o jornalismo em uma área comum ? a da divulgação científica ?, encontram-se situados em posição muito diferente em termos institucionais: uma revista produzida por uma associação científica, com o porte e o reconhecimento da SBPC, e outra vinculada a grande editora comercial, como a Globo, necessariamente não vão dar a mesma configuração à divulgação científica. E, nesse sentido, as contribuições dos dois profissionais (ambas muito críticas sobre o que efetivamente se realiza e o que se desejaria realizar nesse campo) foram também bastante específicas.

Nota-se o fato de que ambos consideram a importância de divulgar a ciência produzida no Brasil. Para a SBPC, trata-se de um objetivo político, estratégico. Para uma revista científica popular, como pretende ser a Galileu, trata-se de procurar fazer jornalismo a partir de uma relação direta com o cientista ao invés de contar com o que já se encontra disponível na imprensa internacional.

Desse modo, as palestras representaram dois históricos diferentes sobre a divulgação científica no Brasil.

Na palestra de Álfio Beccari, pudemos ter uma idéia dos princípios que regem a edição da Galileu. As publicações com esse perfil ? o de divulgar ciência para um público leigo ? têm tido boa aceitação e são muito utilizadas em sala de aula por professores de 1? e 2? graus. Ou seja, elas têm mesmo um caráter didático.

O nome anterior da revista, Globo Ciência, seguia um paradigma editorial em comum com a televisão, em que ao nome da empresa junta-se um determinado tema, configurado a partir de uma segmentação de interesses imaginada no público: Globo Rural, Globo Ecologia etc. Com a mudança de nome, a revista foi reformulada e procurou abranger o que Álfio chamou de “temas periféricos à ciência”, incluindo, por exemplo, assuntos como os esportes radicais, ali abordados sob um ponto de vista científico ou tecnológico (por exemplo, o “como se faz” o esporte em questão ou algum equipamento nele utilizado).

Beccari mostrou uma postura crítica em relação a diversos “mecanismos” automatizados na prática do jornalismo, como aqueles que o jornalista remete ao suposto “desejo do público” ? expediente que acaba por funcionar, para o jornalista, como uma forma de se desresponsabilizar sobre o que está sendo noticiado. E a imprensa, que de modo geral deseja ser popularmente vendida/comprada, imaginaria então, em seu público, um desejo sempre ? e cada vez mais ? popular. O “mais popular” vai assumir formas “mais didáticas”, ou mais simples de se apresentar e/ou escrever as notícias e as reportagens ? o que quer dizer que essa simplicidade e esse didatismo irão recair sobre o texto, ou sobre a linguagem de modo geral.

(Veja que gráficos, ilustrações, reconstituições… uma série de recursos podem hoje ser utilizados, e são, no sentido de possibilitar uma “apreensão visual” dos “fatos”, mesmo que esquemática, metafórica ou dramatizada… Mas essa visualização implica também, é claro, para além do sentido didático, uma questão de tempo. A linguagem verbal demanda um outro tempo, cursivo, narrativo, diferente do imediato da imagem.)

Beccari remeteu também às generalizações que conhecemos sobre o brasileiro, entre elas a de que “o brasileiro não lê”, ou não gosta de ler ? que está junto a outras, como a que diz que “o brasileiro não sabe votar”… Os jornalistas certamente não podem ser coniventes com isso. Para o redator-chefe da Galileu, as ilustrações devem ser acessórias e não o principal, e o jornalista deve estimular a leitura e a consciência crítica do leitor. Tendo em vista a especificidade dessa publicação, que deve “tornar público” (esse é o lance do jornalismo) um “conhecimento” (a ciência como produção de saber), Beccari dá algumas dicas ao jornalista. Segundo ele, o jornalista não deve escrever ? e publicar ? sobre o que ele mesmo não entendeu. E, no sentido de despertar a crítica do leitor, o jornalista deve jogar com o conhecido e o desconhecido.

O termo “Jornalismo Científico” foi questionado por Beccari ao dizer que, se por um lado uma grande parte do jornalismo é especializado (econômico, político etc.), por outro, o que caracteriza a qualificação “científico”?

Uma questão interessante, que não imagino sendo colocada por José Monserrat Filho, já que este trabalha para uma publicação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência… De dentro dessa instituição, certamente, não se discutiria sobre o termo “Científico” para qualificar uma especialidade do jornalismo, na medida em que a própria instituição é assim qualificada, e onde o termo “ciência” indica não uma, mas diversas práticas, com grandes diferenças entre si, sejam teóricas e de método, sejam temáticas ou outras.

Monserrat é também o editor do Jornal da Ciência, informativo que teve início em 1985 e aborda assuntos de política científica, divulga eventos e debates, incluindo notícias do setor de C&T. Além de colocar algumas questões sobre as mudanças de política no Brasil nessa área, Monserrat contextualizou a questão com um histórico não só das publicações da SBPC, ou da própria SBPC, mas também de toda a política de incentivo à produção de C&T no Brasil, a partir da criação de universidades e instituições de financiamento ? como o CNPq, que passou a funcionar a partir de 1951. Monserrat considera, por exemplo, que a ciência no Brasil se desenvolveu fora das demandas econômicas do país.

Sobre a SBPC, Monserrat salienta o caráter educativo que a moveu, desde o seu início, em que se buscava “fomentar o gosto pela ciência”. A SBPC mantinha, por exemplo, um sistema em que os cientistas faziam palestras para estudantes e leigos. Esse caráter educativo, portanto, procurava se realizar pela divulgação, por meio da qual o cientista promovia uma aproximação do público a um conhecimento produzido “longe dele”.

A educação-divulgação promovida pela SBPC, porém, tomou um sentido político subversivo durante o governo militar. A SBPC sofreu então pressões por parte do governo e foi duramente atingida com o corte de verbas públicas. Por outro lado, pôde contar com o apoio de artistas para arrecadação de fundos. Nos anos da ditadura militar, a SBPC era considerada uma “ilha política” respeitada em todo o Brasil.

A visão crítica de Monserrat, que, diferentemente de Beccari, situa-se na divulgação científica “do lado da ciência”, vai questionar não o texto produzido pelo jornalista, mas o texto científico. Assim, Monserrat afirma a necessidade de uma preocupação com o leitor, no sentido de tornar a leitura mais agradável e o assunto, mais compreensível. Para tal, a SBPC tem publicado um Pequeno manual de divulgação científica, com dicas sobre o “como fazer” no jornalismo científico. Mas Monserrat lembra que a revista de divulgação da SBPC, a Ciência Hoje, foi pensada com o objetivo de fazer com que o cientista escrevesse para o grande público. A revista conta também com um corpo de jornalistas e, no caso dos textos escritos por jornalistas, estes devem ser aprovados pelos cientistas.

 

Comissão de Cidadania e Reprodução

 

“Casais estéreis criam mercado de compra de óvulos de universitárias com boas notas” (O Globo, 17/1/99); “Uso de rato em fecundação humana cria polêmica” (O Estado de S.Paulo, 17/3/99); “Gêmeos, e de raças diferentes” (Jornal do Brasil, 31/3/99); “Mulher que usou espermatozóide de morto dá à luz (O Globo, 27/3/99).

Cada uma dessas matérias contém algo de inusitado, prosaico, insólito, assustador. Mas será o papel da mídia nos manter apenas perplexos diante de tantas transformações? Ou, para além da perplexidade diante do fantástico, é trabalho da imprensa refletir sobre os novos valores bioéticos dessas “descobertas” da ciência da reprodução? A CCR acredita que é papel da mídia ajudar a sociedade nesta reflexão, e o Olhar sobre a Mídia [publicação da Comissão de Cidadania e Reprodução, disponível em <www.ccr.gov.br>] aponta algumas das questões que precisam ser levantadas pela imprensa.

Casais abastados e inférteis buscam o filho perfeito como quem escolhe um vestido ou o próximo carro. Um médico italiano afirma ter conseguido desenvolver a gestação de quatro bebês a partir da maturação, em ratos, de espermatozóides de homens inférteis. Nova técnica permite a produção de uma criança geneticamente aparentada de duas pessoas do mesmo sexo através da combinação de dois embriões, os “bebês quimera”, o que permite a procriação de casais homossexuais. Num erro de manuseio ambulatorial, uma mulher em Nova York deu à luz uma criança da raça branca e seu gêmeo da raça negra. Uma mulher em Los Angeles deu à luz uma criança cujo pai morrera horas antes de seus espermatozóides serem coletados. Nos EUA não existe lei que exija autorização por escrito do homem para que seu esperma seja utilizado após a morte. Quem deve decidir sobre a destinação dos espermatozóides de alguém que já não vive?

Fora um ou outro artigo traduzido, não há o esforço mínimo de buscar reflexão. Afinal, quais são as implicações bioéticas? Que efeitos estas novas técnicas terão a médio prazo? Que riscos trazem? E, sobretudo, a quem interessa? Quais fenômenos sociais estão por trás desta aparente obstinação por fertilidade? Registra-se em quase todo o mundo uma significativa queda da fecundidade, especialmente nos países desenvolvidos, indicando o desejo de diminuir o número de filhos. Aumenta significativamente o número de casais que conscientemente optam por não ter filhos. Que necessidades sociais estariam movimentando a indústria da reprodução assistida? Uma pequena parcela de casais abastados e infelizes forneceriam motivos suficientes para influenciar todo o desenvolvimento tecnológico que se observa? Haveria outros propósitos nessa busca desenfreada?

Estas são perguntas que não podem mais sair da cabeça dos jornalistas que cobrem o tema. Os avanços tecnológicos são cada vez mais velozes e o espaço dedicado ao assunto, cresceu: o item Reprodução ocupou 25% do noticiário de saúde reprodutiva no primeiro quadrimestre deste ano, contra 10% no período anterior; e o item Fisiologia da Reprodução saltou de 5% para 18%. Mas nem o ritmo naturalmente frenético da mídia será capaz de alcançar o bonde desta história se nele não pendurarmos, agora, todas essas perguntas.