Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

E se a moda pega no Brasil?

CBS POR DENTRO

Antônio Brasil (*)


Bias: a CBS Insider Exposes How the Media Distort the News, de Bernard Goldberg, Regnery Publishing, Nova York, 2001; US$ 19,95

Quando um jornalista de televisão, muito experiente e bem-sucedido, resolve investigar e denunciar o próprio telejornalismo, a reação não poderia ser mais previsível. É só uma questão de tempo. De forma quase unânime, todos os colegas vão "meter o pau", chamá-lo de traidor e mentiroso, além de incluí-lo numa tenebrosa "lista negra profissional". As regras são claras. Investigar os outros pode, mas denunciar os "segredos" do nosso meio poderoso, nem pensar! Nenhuma surpresa.

Mas quando um livro sobre as sujeiras dos telejornais americanos alcança o topo da lista dos livros mais vendidos do New York Times, aí sim, temos notícia que merece nossa atenção. Afinal, o que acontece lá, mais cedo ou mais tarde, acaba acontecendo por aqui. Bem sabemos que nossa criatividade e imaginação em televisão e telejornalismo não escapam a uma boa olhada no que acontece no quintal dos americanos, com algumas pitadas de "jeitinho" brasileiro.

Tudo isso para citar o livro sensação dos últimos meses nos Estados Unidos, Bias: a CBS Insider Exposes How the Media Distort the News (Desvio: conhecedor da CBS mostra como a imprensa distorce as notícias), escrito por Bernard Goldberg, que contabiliza o invejável currículo de 30 anos no meio. É claro que o tom de denúncia e o rancor pessoal contra ícones do telejornalismo ? como o famoso Dan Rather, âncora vitalício da CBS, e Peter Jennings, o galã canadense dos telejornais da ABC ? transparecem em todos os capítulos. Mas Goldberg também deixa clara a forma como os telejornais distorcem as notícias e enganam o grande público. Até aí, nada de novo. Mas a maior surpresa fica por conta das razões para isso. Ele denuncia a existência de um verdadeiro lobby de editores "politicamente corretos", que temem ser acusados de preconceito contra minorias. As mesmas minorias que hoje assistem, e muito, aos telejornais das TVs abertas.

Como todo bom jornalista americano, Goldberg apresenta numerosos dados concretos e situações particulares que confirmam o absurdo a que chegaram esses mesmos editores tão preocupados com o que o público vai pensar das matérias consideradas "sensíveis". Mas o que fica ainda mais claro é a força e a pressão da "ditadura da audiência" no trabalho de jornalismo na TV. O espaço está ficando cada vez mais estreito para investigações e resultados verdadeiros. O importante passou a ser "agradar" ao público, sempre, mesmo que isso signifique distorcer ou, de uma forma mais moderna, "amenizar" a verdade.

Questão de tempo e… coragem

Bom jornalismo sempre incomodou muito, mas a televisão fez uma opção clara, há alguns anos, pelo caminho mais fácil da audiência a qualquer custo e do lucro fácil. Os telejornais americanos não escaparam desse novo cenário. Livros como esse começam a surgir com uma freqüência cada vez maior. Eles fogem do controle rígido do meio e passam a dar credibilidade a denúncias que já são feitas há muito tempo. Mas é claro que você tem de estar disposto a pagar o preço. Ou seja, nunca mais trabalhar em televisão e, pior de tudo, ser ignorado por ela. Imagine isso para um jornalista ou escritor. Parece que Goldberg resolveu desafiar esse poder.

Apesar de seu valor, livros como esse representam, de forma cada vez mais evidente, uma reação raivosa de setores à direita da sociedade e da mídia americana aos atentados de setembro de 2001. Como já era de se esperar, após longo período de silêncio, retração ou hibernação desde o fracasso do Vietnã, eles agora se mostram em todos os lugares, inclusive nas denúncias contra o telejornalismo. Exigem e obtêm seu espaço na mídia e chegam com grande desenvoltura à lista dos livros mais vendidos do New York Times. E isso é só o começo.

Agora, paremos para pensar um pouco. Imagine se essa moda de denúncias contra o poder do telejornalismo realmente pega por aqui. E olha que os Estados Unidos e a TV americana nunca tiveram uma ditadura com direito a longa "lua de mel" com os telejornais. As denúncias do autor americano parecem totalmente ingênuas se comparadas com o que conhecemos tão bem sobre o relacionamento íntimo entre nossos governos e as editorias dos telejornais brasileiros. É só uma questão de tempo e … coragem!

(*) Jornalista, coordenador do laboratório de televisão, professor de telejornalismo da UERJ e doutorando em Ciência da informação pelo IBICT / UFRJ.

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