Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

E se fosse a Cassini?

OFJOR CIÊNCIA 98

TT Catalão (*)

 

A

h! América! O noticiário de quinta-feira, 13 de agosto, mostrou a cena pirotécnica da espetacular explosão do foguete Titan IV-A, após 40 segundos de vôo, e só se falou no prejuízo de U$S 1,2 bilhão. O narrador para a TV deu uma de “Zepelim em chamas” e exclamou o já clássico “Oh, no”. Ninguém lembrou que se tal acidente fosse em outubro de 1997, no lançamento da sonda Cassini, para explorar Saturno, hoje os EUA estariam sob um impacto radioativo milhares de vezes maior que o impacto das embaixadas destruídas na África. A busca de vestígios não seria só sobre os cacos do desafortunado Titan IV-A boiando no mar. Estariam rezando para encontrar a poderosa carga de 30 quilos de plutônio-238 levada por um também Titan IV, mas vôo B/Centaur. Se a carga tivesse explodido com a nave, os EUA entrariam para a história como o primeiro dramático caso de autobombardeio em tempo de paz.

O país vive um momento delicado nas buscas de vestígios: Quênia, Tanzânia, o vestido da moça gulosa e agora o Titan IV-A. A missão Cassini quase foi abortada por militantes ecológicos do mundo. Na Coréia do Sul, a embaixada americana chegou a ser sitiada. O protesto não era nem tanto pelo acidente nuclear sobre solo americano, mas o lixo radioativo que está a essas horas passeando sobre nossas cabecinhas desavisadas. Trata-se de uma missão conjunta entre a Nasa (Agência Espacial dos EUA ) e a ESA (Agência Espacial da Europa). O Titan levou também as sondas Huygens européias que auxiliarão a pesquisa na lua Titã, de Saturno, aonde deve chegar em julho de 2004. O satélite Titã desperta grande interesse por sua atmosfera semelhante à da Terra, composta de 90% de nitrogênio e traços de metano, etano, argônio e diversos hidrocarbonetos. Nasa e Esa alegaram na época ter que usar a bateria radioativa em função da distância de Saturno (3,5 bilhões de quilômetros).

Curiosa essa busca de vida extraterrena sob o custo da destruição da vida terrena. O site brasileiro da ONG Pensamento Ecológico <www.infolink.com.br/~peco/index/htm> deu o alerta para o Brasil através de sucessivos artigos do argentino Miguel Grinberg, repercutidos aqui no Correio Braziliense.

O lançamento chegou a ser adiado por “motivos técnicos”. No de quinta-feira também houve atraso de 1hora e 30 minutos por “motivos técnicos”. Explodiu “espalhando combustível tóxico no mar”. Se fosse com a Cassini saberíamos o nome exato do tal combustível: plutônio-238.

Em outubro o astronauta ícone-ícaro da corrida espacial, John Glen, hoje senador, volta ao espaço. Livrai-nos de “Oh, no” outra vez. Quanto à Cassini, ela viaja ínfima no cosmo com sua carga nociva, tenda passado por Vênus em abril desse ano. Ao lembrar que milimétrica poeira pode abrir um rombo considerável em uma nave a 35.200 quilômetros por hora, dá um medo estranho ver o que a imprensa mostrou na explosão de ontem: algo, apenas, como uma gracinha do efeito especial mais caro do mundo. Isso tudo com a Bolsa de NY em baixa, hein?

Realmente alguma grande rede já deve estar tentando direitos exclusivos para transmitir o apocalipse como o “último espetáculo do século” . Os jornais abriram fotos imensas nas capas sem ter matéria interna que sustentasse o espetáculo da primeira página. Apenas o Jornal do Brasil deu a matéria mais informativa. Mas nenhum deles perguntou ou lembrou da carga letal da Cassini. Se fosse ela… aí sim, a ficção seria pouca para descrever uma chuva de plutônio sobre as asas da América.

(*) Da equipe do Correio Braziliense

 


Cassius Carvalho Torres Pereira

 

C

omo o jornalismo científico e as informações médicas têm sido alvo de debate neste importante fórum, acredito que este texto representa mais um exemplo de como é importante estar atento à precisão e ao rigor na apuração de informações referentes ao campo da saúde.

A Folha de S. Paulo de 18 de junho de 1998 publicou matéria não-assinada – apenas com a referência “da Reportagem Local” – intitulada “Coroa dentária produzida por computador dura 15 anos mais”.

Diz o texto: “Uma coroa dentária produzida pelo Cerec, um computador que projeta e produz a restauração em menos de dez minutos, dura cerca de 20 anos, 15 a mais do que a coroa tradicional. A informação é do alemão Uwe Lichtenhoser, consultor científico da Sirona, que produz o Cerec. Ele está em São Paulo para o Futura 98 – 1? Congresso Internacional de Laser e Novos Recursos em Odontologia, que começa hoje no Centro Têxtil Internacional. Uma versão menos sofisticada, que produz apenas pequenas restaurações, é usada há dez anos na Alemanha. A nova geração será apresentada no congresso a partir de hoje. Uma câmera acoplada ao computador filma a cavidade, e o computador projeta a coroa ou outras pequenas restaurações. O equipamento custa R$ 50 mil. A expectativa é que o preço seja reduzido com o tempo. Segundo o consultor científico, a explicação para a durabilidade dessa restauração é o tipo de porcelana usada. ?O material tradicional é dez vezes mais duro do que a porcelana usada no Cerec.? Na Alemanha, segundo Lichtenhoser, o uso desse aparelho conseguiu reduzir o preço das restaurações. Além disso, ele reduz o tempo perdido nos consultórios. Antes, para fazer uma coroa, o paciente tinha de ir a pelo menos duas sessões. Hoje, em apenas uma hora, é possível ter uma coroa pronta com o uso do novo equipamento. Hoje, cerca de 8.000 dentistas no mundo todo já contam com o computador em seus consultórios. A estimativa é que cerca de 9 milhões de restaurações já tenham sido feitas com o novo equipamento alemão. Foi com o acompanhamento dessas 9 milhões de restaurações que um estudo mostrou a durabilidade da coroa produzida pelo computador.”

Enviei carta à ombudsman da Folha em protesto contra a reportagem, que descrevia uma nova técnica de restauração dentária – no caso, coroas feitas por computador que seriam mais resistentes e mais duradouras que os trabalhos convencionais.

Nem mencionei os erros de estilo e concordância da reportagem. Protestei principalmente pelo fato de as informações sobre o produto serem prestadas pelo consultor científico do fabricante. Nenhuma autoridade da área de Odontologia foi chamada para questionar os dados apresentados. E, pior ainda, a especulação principal foi parar na manchete da página.

O artigo me chamou a atenção porque, além de ser da minha área de atuação, tenho procurado acompanhar o atual debate sobre jornalismo científico praticado por jornais e revistas.

Como saber se o texto não é daquelas publicidades disfarçadas de reportagem? Aqui mesmo neste OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA vimos comentários sobre reportagem da Veja exaltando um novo produto da Gillette que levantou muitas suspeitas.

Duvido que um jornalista do maior jornal do país seja capaz de cometer um texto tão preguiçoso e tão deslumbrado. Pedi à ombudsman que, se possível, relesse o texto e verificasse quem é o personagem “da Reportagem Local” atrás do qual se esconde o autor da pobre e desinformativa matéria.

Nos dias seguintes à publicação da “reportagem” da Folha, ainda tive que agüentar meus pacientes trazendo recortes do texto, e me perguntando quando eu iria comprar o aparelho.

Ao que eu respondia: só adquiriria a engenhoca quando ela fizesse tudo aquilo que o jornalista e o consultor científico tentaram nos fazer acreditar que fosse capaz de fazer. E isso, disse eu à ombudsman da Folha, pelo que conheço do aparelho, vai demorar pelo menos os 15 anos de duração da prometida coroa.

Espero que o jornalismo de saúde seja mais do que um press-release, e se transforme em um verdadeiro fórum de discussão e de educação em saúde. Nós precisamos.

(*) Dentista residente em Curitiba, professor de Semiologia Aplicada do curso de Odontologia da Universidade Federal do Paraná

 


Isak Bejman (*)

 

U

ma pessoa se sentiu doente. Foi consultar um médico clínico. Virado o paciente do avesso, e após bateria de exames laboratoriais e de todo tipo de exames de imagem, o médico constatou não haver problema clínico que sugerisse uma hipótese diagnóstica. Enfim, o paciente se sentia doente, mas não tinha doença; não havia diagnóstico factível; tudo apontava para diagnóstico nenhum. O clínico sugeriu que seu paciente consultasse um psiquiatra. O que fez o paciente? Abandonou o clínico, trocando-o por outro, sem pensar em procurar o psiquiatra. Conclusão: esse clínico nunca mais deixou de encontrar doença em seus pacientes. O paciente preconceituoso fez com que um médico honesto agisse também de forma preconceituosa.

Ao se estabelecer um debate, na mídia e aqui no OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA sobre o assunto drogas, é preciso pensá-lo de forma crítica e reflexiva, e não passional. A reflexão e o raciocínio se fazem sobre informações que nos levam a concluir por determinado ponto de vista, caso contrário cai-se no preconceito. Portanto, o pressuposto básico é: qualquer droga psicoativa é uma droga psicoativa; seja ela de uso lícito ou ilícito.

Nos dias de hoje, droga psicoativa mobiliza bilhões de dólares, com uma diferença: as de uso ilícito são negociadas no mercado negro, associado freqüentemente ao crime (luta pela distribuição, pontos de venda etc.), à prostituição, ao tráfico de armas de fogo de alta potência e à lavagem de dinheiro. O debate tem se fixado em descriminar o uso, legalizar o comércio e o uso ou proibir.

O professor Travis Guinand, da Universidade de Saskatchewan, no Canadá, armou um esquema bem simples para orientar esse tipo de debate, que tentei adaptar à nossa linguagem, e que se segue:

São três as variáveis básicas do debate:

1. As drogas devem ser legalizadas;

2. As drogas não devem ser legalizadas;

3. Talvez algumas drogas devam ser legalizadas. Qual delas? Maconha, cocaína, heroína? Por que considerar estas, e não outras?

As possibilidades de cada variável:

1A. Conseqüências positivas caso as drogas de uso ilícito sejam legalizadas:

a) Se o governo controla as vendas, poderá arrecadar altas quantias de dinheiro em impostos, que poderiam ser aplicadas em obras sociais;

b) O crime organizado sofreria grande redução, com baixa dos índices de criminalidade. Isso tornaria as ruas das cidades mais tranqüilas;

c) Com o controle do governo, as drogas vendidas seriam puras, e não teriam produtos perniciosos adicionados, que muitas vezes causam maior malefício do que a própria droga, até levando o usuário à morte;

d) Facilitaria o uso médico das drogas. A maconha é uma droga utilizada mundialmente com finalidades terapêuticas).

1B. Conseqüências negativas caso as drogas de uso ilícito sejam legalizadas:

a) Aumentaria o uso. O número de adictos cresceria e os custos com os centros de reabilitação também;

b) O uso em atividades de lazer, como festas, poderia provocar o aumento de acidentes e mortes no trânsito;

c) Poderia aumentar a agressividade das pessoas;

d) Privatizada, a legalização enriqueceria muitas pessoas;

e) O crime organizado poderá encontrar outras coisas para vender bem mais perigosas do que drogas.

2A. Conseqüências positivas caso as drogas de uso ilícito continuem de uso ilegal:

a) O consuma não se disseminaria como acontece com o álcool;

b) É mais fácil de controlar e eliminar o uso de drogas;

c) A ilegalidade desencoraja o uso;

d) Aprisionamento dos traficantes.

2B. Conseqüências negativas da não-legalização:

a) O índice de criminalidade está alto, e a manutenção da ilegalidade do uso aumenta as chances de ruptura da lei;

b) O governo vai gastar muito, mas muito dinheiro mesmo na luta contra os traficantes;

c) Processar usuários e traficantes custará milhões ao governo.

3A. Conseqüências positivas decorrentes da legalização de algumas drogas:

a) Algumas drogas são úteis quando não usadas regularmente. A maconha e a heroína apresentam vários usos terapêuticos;

b) A legalização pode diminuir a onda de crimes;

3B. Conseqüências negativas decorrentes da legalização de algumas drogas:

a) É difícil definir “necessidade” de drogas;

b) Os cartéis da droga continuarão enriquecendo;

c) As pessoas extrapolam o uso de drogas;

d) O número de adictos aumenta.

A realidade é que existem razões médicas para que as drogas sejam legalizadas, mas há dificuldades para estabelecer quem administrará o direito ao uso. Os efeitos de cada droga sobre o organismo humano ainda não são bem conhecidos, nem seus fatores de risco. Por outro lado, fumo e álcool são altamente prejudiciais ao ser humano e à sociedade, mas são de uso legal. Por que essas duas sim e as outras não? E o direito de opção de cada indivíduo? O governo tem direito de interferir na opção de cada um? O uso de drogas se faz pelos valores do usuário, sejam eles religiosos ou por puro prazer. O que dá ao governo o direito de proibir seletivamente o uso de drogas?

O custo anual nos Estados Unidos da guerra contra as drogas é de US$ 20 bilhões: US$ 8 bilhões pelo governo federal e US$ 12 bilhões pelos governos estaduais.

Custo humano: abuso, adição, destruição de grupos familiares, degradação de bairros inteiros – um custo que não pode ser avaliado.

Razões para aprisionamento nos Estados Unidos: 59,6% dos aprisionados usaram ou traficaram drogas. Os aprisionados são mulas e vendedores de esquina. Os grandes traficantes não aparecem.

As causas das prisões: 9,8% por roubo; 5,5% por ofensas à propriedade; 6,8% por extorsão, fraude e suborno; 2,7% por agressões violentas; 8,6% por porte e uso de armas de fogo, por causar explosões e incêndios; 7% por outros crimes.

Incidência entre crianças e jovens de 12 a 17 anos, respectivamente: que relataram ter vendido drogas: 74% e 34%; que conhecem algum vendedor de drogas: 4% e 42%; que conseguem maconha facilmente: 19% e 68%; que informaram que suas escolas não estão livres de drogas: 28% e 69%; que afirmaram ser provável que experimentem drogas no futuro: 45% e 9%;

Crianças de 12 anos que usam drogas porque seus amigos usam: 24%; porque drogas acalmam: 49%.

Jovens de 17 anos que usam drogas porque alivia o estresse e o estado depressivo: 22%; porque se sentem bem: 23%; porque seus amigos usam: 26%; porque as drogas acalmam: 10%.

Visto isso, o que vem a ser afinal o problema da droga psicoativa?

a) Existe a idéia que o problema é mais lenda do que os achados psicofarmacológicos

de princípios psicoativos são nocivos à mente e ao corpo;

b) Socialmente, usar drogas consiste em transgredir a lei. Portanto, os problemas sociais decorrentes do uso de drogas não vêm da droga em si, mas do fato de que seu uso contraria a lei.

Tanto é que delinqüência, marginalidade e comportamentos de risco de contaminação pela Aids diminuem com a terapêutica da metadona, um opiáceo de substituição à heroína. Isso significa que efeitos morfínicos não são diretamente nocivos ao comportamento social. Uma vez estigmatizado o consumidor, a comercialização ilegal induz à criminalidade.

Vou partir do seguinte pressuposto básico: 1% da população brasileira (1.600.000 pessoas) consomem diariamente um papelote de qualquer droga a R$ 5 o papelote. Isso significa um mercado anual de R$ 2 bilhões e 880 milhões. Ainda dentro do pressuposto básico, direi que 80% dos 1,6 milhão de usuários (1,280 mil) financiam seu uso através de roubo, cujo produto vendem pela quarta parte do valor real.

O fracasso da guerra contra as drogas de uso ilícito é uma realidade gritante. Encarando o problema das drogas como caso de Saúde Pública, todas as drogas (álcool, tabaco, cocaína, heroína, maconha. LSD, Ecstasy, psicotrópicos e outras tantas) passam a ser consideradas em pé de igualdade. Quando as drogas passam a ser fator de risco para outros agravos à saúde (Aids, DTS e outras) governos passam a encarar o problema sob o ponto de vista epidemiológico.

A repressão do consumo recreacional não é a melhor abordagem do problema. No caso do álcool, autores demonstraram que 10% dos consumidores bebem 50% do álcool. O número de mortes por doenças causadas pelo tabaco e o álcool nos Estados Unidos é 40 vezes maior do que as causadas por drogas de uso ilícito.

Quem de vocês já viu o efeito de uma cápsula de um benzodiazepínico (Librium, por exemplo) acrescida de um martelinho de cachaça? Que bomba! Porém o uso dessas bombas mortíferas é livre. É só entrar em qualquer farmácia. Não carece sequer de receita.

Pão é pão, queijo é queijo. Uma política contra a dependência de drogas não pode ser ambivalente: repressiva e preventiva. Deve ser uma só: prevenção primária, secundária e terciária.

A ilegalidade do uso tem efeito dissuasor do consumo? A eficácia da polícia pode ser

aumentada? Podemos elaborar e pôr em ação campanhas de prevenção que sejam eficientes? O custo da guerra é suportável? O custo da prevenção é suportável?

O que se vê é que o consumo aumenta e aumenta cada vez mais apesar da propaganda dos governos contra o uso. A guerra entre os traficantes e os agentes da lei cada vez fica mais e mais sofisticada e mais cara. A atual forma de atuar da medicina funciona? Parece que não. É importante fazer uma avaliação dos custos sociais. O que se tem visto é um aumento da ruptura dos tecidos sociais. E o que dizer do mercado negro das drogas? Podem crer, a nível sócio-sanitário, a proibição é de alta periculosidade. Uma vez instalada a dependência, ela ocasiona uma perturbação motivacional maligna, fazendo com que a maioria dos dependentes construam quadros de ilicitude: arranjar dinheiro por transgressão das normas; comportamentos de risco para a saúde (morbidade/mortalidade, uso comum de seringas etc.); improdutividade. Nos jovens, violenta perturbação dos processos de socialização da personalidade, que geralmente terminam por redundar em delinqüência.

É importante que as autoridades brasileiras, ao abordar o problema das drogas, formulem uma política consistente: excluir o consumo de todas as substâncias utilizadas pelos seus efeitos hedônicos; excluir apenas o consumo das substancias ilícitas; reduzir os riscos associados ao consumo de substâncias hedônicas e regulamentar o acesso à droga ilícita. A opção definida irá redundar em resultados positivos ou adversos. Proibir não é moralmente mais correto do que liberar. Acontece que a cultura moderna favorece o uso da pílula.

Façam um teste: numa reunião de amigos, façam as mulheres abrirem as bolsas. O que vai aparecer de pílula é de assombrar. É bem aí que deve começar a prevenção primária. Sei que vou ser criticado, mas não posso me furtar de enfatizar que os argumentos em favor da proibição são emocionais. Até hoje, desde que o mundo é mundo, a guerra contra as drogas falhou.

Discutir o tema drogas é tabu, mas sob o ponto de vista de Saúde Pública o problema pode ser debatido abertamente. Outra questão consiste no fato de as drogas de uso lícito, passando a competir abertamente com as drogas ilegais tornadas de uso legal, necessariamente muita gente vai perder muito dinheiro.

De qualquer forma, o debate sobre o uso abusivo e a dependência de drogas precisa começar a acontecer no Brasil. Tenho como certeza que uma política para a abordagem do problema do vício das drogas tanto sob o ponto de vista de proibir ou legalizar só será eficaz quando ela estiver em sintonia com a cidadania. Cidadania é democracia e democracia é tolerância à diferença.

A proposição 215 da Califórnia e a Proposição 200 do Arizona, nos Estados Unidos, liberando a maconha para uso medicinal exacerbaram o debate país sobre a liberalização das drogas. Entre 1992 e 1995, pesquisas demonstraram que o consumo de drogas de uso ilícito cresceu mais de 200% nos Estados Unidos. Kurt Schmoke, prefeito de Baltimore, disse: “A guerra contra as drogas não é a solução de um problema, mas sim um problema que precisa de uma solução”. O professor de Yale Stephen Duke, expert em drogas, disse: “A guerra contra as drogas é responsável por mais da metade dos crimes cometidos no país”. Ethan Nadelman, diretor do Lindresmith Center, pró-legalização das drogas, disse: “A maioria das pessoas que usam drogas pode causar prejuízo a si mesma, porém jamais o simples uso causará prejuízo de terceiros”.

É sabido que o custo farmacêutico de uma droga pesada é de 2% do preço vigente nas ruas. Para o adicto sem posses, a liberação é uma forma de não depender do roubo para adquiri-la. A liberação pouparia US$ 20 bilhões anuais, que poderiam ser usados em educação, prevenção e tratamento. Enquanto isso, acontecem 750.000 prisões por ano devido à criminação da droga. As escolas tidas como santuários são verdadeiros clubes de consumo de drogas nos Estados Unidos. O povo americano está frente a um grande dilema: optar entre educação pública ou uma guerra de atritos.

Todavia, existem muitos americanos que são contra a legalização, mas a maioria dos argumentos é emocional, e no sentido de incrementar a guerra contra as drogas. Não deixam de ser interessantes os seguintes dados: em 1995, a venda de cigarros nos Estados Unidos rendeu em impostos ao governo US$ 33 bilhões, que pagaram somente 28% das despesas com o tratamento das doenças causadas pelo fumo, que foram de US$ 119,6 bilhões. No mesmo ano, doenças em decorrência do uso de drogas ilícitas consumiram US$ 30bilhões em tratamento médico-hospitalar. Os que são contra se preocupam com o impacto que a liberação ira causar no ambiente de trabalho e de como essa liberação atuara nas crianças.

Uma sugestão para meditar: no dia 12 de maio de 1998, a União Americana para as Liberdade Civis pôs o seguinte anuncio no New York Times: “Se você tivesse o direito de escolher, qual seria a opção, maconha ou um martini?” Existe muita coisa a ser dita sobre a liberação ou a continuidade da guerra contra as drogas. Vale a pena saber o que anda acontecendo na Holanda e na Espanha.

(*) Médico psiquiatra e jornalista