Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

E se o repórter tivesse dito não?

TIM LOPES

Gabriel Fialho (*)

Pelo que se sabe da têmpera, da coragem e da carreira de Tim Lopes, ele não era repórter de dizer não a uma pauta, por mais arriscada que fosse. E se o risco é inerente ao gênero de jornalismo que praticava, o que se sabe agora é que o destemido Tim levava sua missão até as últimas conseqüências. Entretanto, é preciso refletir sobre o direito que em alguns países, a exemplo da França, assiste ao repórter de avaliar as conseqüências, éticas e práticas, de suas atitudes e das atitudes dos pauteiros e editores. Estamos falando da cláusula de consciência, segundo a qual um jornalista pode recusar uma missão se nela identificar algo comprometedor, para sua dignidade, para seu decoro e para sua reputação.

Aparentemente, nada de errado em um repórter sair para investigar e se utilizar de métodos polêmicos, como a microcâmera, desde que não haja outra alternativa. É notório que em certas circunstâncias um repórter não será ingênuo de se apresentar como repórter, sob pena de abortar a reportagem à qual se propõe. Do caso Tim Lopes, entretanto, pode-se depreender que ele foi morto em função de dois fatores: o primeiro deles, um certo culto ao poder das imagens; o segundo, a negligência em relação à capacidade de contra-informação do crime organizado que, por indícios que circulam nos bastidores do meio jornalístico, sabia da presença e do propósito do jornalista.

Direito de julgamento

O mais comum é que repórteres se valham de fontes, de testemunhas, ainda que protegidas pelo sigilo que lhes é assegurado por lei. Em certos contextos, nem a polícia se arrisca a investigar diretamente, preferindo atuar com a colaboração de informantes e olheiros. O problema que se coloca no caso Tim Lopes, no entanto, é que a própria comunidade não confiava na polícia e acreditava que a imprensa, em particular a TV Globo, fosse capaz de ser mais eficiente do que as autoridades constituídas. Tem-se, então, estabelecida uma confusão de papéis, com a mídia por vezes subsumindo o papel do Estado e o Estado por vezes agindo de forma a produzir efeitos midiáticos.

Tarde demais, tanto o governo quanto a Globo tiveram de organizar seus discursos para mostrar serviço depois que o repórter foi assassinado com requintes de monstruosidade. É importante, no entanto, que as práticas sejam corrigidas, sob pena de o sacrifício do Tim ficar em vão. A história da imprensa mundial e brasileira registra numerosos momentos de atrocidades contra jornalistas, como o que vitimou Líbero Badaró e como os que vitimam diariamente profissionais em todo o mundo. Anualmente, relatórios de organizações como Sociedade Interamericana de Imprensa e Repórteres Sem Fronteiras informam sobre repórteres desaparecidos ou mortos, muitos deles trucidados, como aconteceu no Paquistão com o americano Daniel Pearl. Com muita freqüência, a Cruz Vermelha Internacional é mobilizada para ir em socorro de jornalistas em situações de risco ou aprisionados por ditaduras e guerrilhas.

Possivelmente, nem os governos e nem a TV Globo atentaram para o fato de que Tim Lopes foi vítima de uma guerra, e que numa guerra as estratégias devem ser repensadas. Minimamente, espera-se que quando alguém avance para além de uma trincheira haja retaguarda, cuidados e salvaguardas. Por mais grandiosa que seja, agora, a atitude da Globo em continuar pagando à viúva, pelo resto de seus dias, o salário de Tim Lopes, com certeza, ela e sua família prefeririam tê-lo de volta após cada missão do que qualquer valor em seguro ou recompensa.

Tim Lopes permanecerá para sempre na memória dos mártires da imprensa e nas palavras de sua mulher, quando encontrou firmeza para declarar a todo o país que se enganam aqueles que acreditam que matando um repórter estão silenciando a liberdade de imprensa. O que desejamos, no entanto, suscitar aqui é uma questão de direitos, entre eles, o de que um profissional de imprensa não seja submetido a riscos incalculáveis e que decisões em torno de pautas dessa natureza sejam, no mínimo, submetidas a um conselho de redação; que o repórter seja amparado por precauções; e, se for o caso, que ele possa, sem nenhum desdouro, dizer não. Repórter não é super-homem. E já que não se deve exigir dele proezas sobre-humanas, que prevaleça ainda o dito de Bertold Brecht: "Triste do país que precisa de heróis".

Mais do que direitos trabalhistas e salvaguardas, chegou o momento de reivindicar para a categoria dos jornalistas o direito de julgamento sobre a pertinência de certas pautas. O caso Tim mostra claramente que houve erro, do contrário, seu fim não teria sido trágico, humilhante e vergonhoso

(*) Estudante de Jornalismo da UnB, participante, como bolsista de extensão, do projeto SOS-Imprensa