Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Eduardo Ribeiro

ALTA ROTATIVIDADE

"Redações carismáticas", copyright Comunique-se, 19/6/02

"O intenso e frenético vaivém na maioria esmagadora das redações brasileiras, particularmente nos grandes centros do País, tem lá o seu lado bom, pela possibilidade que oferece de multiplicar experiências e favorecer o ingresso das novas gerações que chegam ao mercado. Tem também o lado perverso, que é o de favorecer o chamado achatamento salarial, usando a rotatividade para contratações por menores remunerações.

No jornalismo não vale a máxima do futebol de que em time que se ganha não se mexe. Estamos cansados de ver redações vibrantes, entrosadas e competentes ser desfeitas de uma hora para outra por uma simples decisão de cúpula, seja lá qual for a razão.

Os mais antigos certamente hão de lembrar-se da Exame dos tempos de Rui Falcão, esse mesmo Rui que é hoje o Secretário de Governo da prefeita Marta Suplicy, em São Paulo. Rui tinha um timaço, dirigia um dos maiores sucessos editorials da Abril, garantia democraticamente pensamentos políticos divergentes na equipe, mas mesmo com tais qualificações não resistiu às pressões e acabou deixando a revista, a empresa e, logo depois, o jornalismo. Bom para o PT que ganhou um militante dos mais capazes, atuando em tempo integral pela legenda. Exame, é certo, continuou sua saga de sucesso, sob o comando de Antonio Machado, José Roberto Guzzo, Paulo Nogueira e, agora, Sidnei Basile, tendo como diretor de Redação o único remanescente daquele tempo, Clayton Netz.

Mas é apenas um exemplo e poderíamos sacar dezenas de outros da cartola ao puxar pela memória. Tenho certeza que cada leitor vai aqui se lembrar de uma equipe exemplar, que num belo dia foi desfeita. Eu mesmo tive a felicidade de ficar uma temporada numa equipe com esse perfil – isso foi lá no final dos anos 70, na revista Casa Cláudia, na mesma Editora Abril.

Há duas delas, no entanto, que parecem desafiar o tempo e as leis informais do jornalismo, resistindo bravamente às adversidades e aos humores de plantão. Certamente não são as únicas – e peço desculpas por omissões, que podem ser citadas nos comentários abaixo dos colegas -, mas são exemplares. Refiro-me à redação do Globo Rural, na tevê Globo, e a do Jornal da Record, do carismático Boris Casoy. As duas têm em comum o verdadeiro espírito de equipe e de união, respeito, companheirismo e, obviamente, muito talento e competência – caso contrário todas as outras qualidades de nada valeriam.

A equipe do Globo Rural é efetivamente um fenômeno (e vou aqui dar três batidas na madeira para que assim permaneça). São mais de 20 anos de estrada (25 quem sabe), com pouquíssimas mudanças (uma das que me lembro é Olga Vasone, colega com quem tive a oportunidade de trabalhar em 1976, na extinta revista TV Guia, e que saiu do Globo Rural em meados da década passada, depois de mais de década de convívio). O núcleo da equipe é praticamente o mesmo desde a estréia do programa, no final dos anos 70. Humberto Pereira é o grande comandante e tem ao seu lado o mestre Gabriel Romeiro, como chefe de Redação, Lucas Bataglin na Chefia de Reportagem, Nélson Araújo apresentando e editando, Ivaci Matias também editando etc. etc. etc. Não vou me lembrar de todos os nomes, mas vou citar apenas mais um e com ele faço uma justa homenagem a todos dessa maravilhosa equipe: José Hamilton Ribeiro, um dos maiores e mais talentosos repórteres brasileiros dos últimos 40 anos, e que com seu jeito caipira levou para o programa da roça algumas das mais belas reportagens já feitas pela tevê brasileira, enchendo de prêmios tanto sua galeria particular quanto à da Globo.

O outro exemplo a que me refiro é o Jornal do Boris, como todos chamam o Jornal da Record e como todos chamavam o Jornal do SBT. A marca é ele, Boris, e não a logomarca da emissora que o abriga. E tanto prestígio se deve muito à força da equipe que ele conseguiu montar e que o acompanha desde os tempos do SBT. Se Jornalistas&Cia dependesse das mudanças no Jornal da Record para sobreviver, certamente teria desaparecido já há bastante tempo. Às vezes passa mais de ano sem uma única mudança significativa. Curiosamente nesses últimos dias elas ocorreram e se devem fundamentalmente aos ajustes que estão sendo feitos em função da renovação do contrato de Boris com a Record, que o prenderá à emissora até novembro de 2006. Deixaram a equipe o Chefe de Produção e Pauta, Luís Guerrero, e o editor Ricardo Taíra. Mas permanecem ao lado de Boris – praticamente desde sua estréia na tevê (estamos falando de mais de uma década) – o editor executivo Dácio Nitrini, a chefe de Redação, Selma Severo Lins, e vários outros colegas (acho que também o Wagner Kotsura é do começo). É óbvio que num telejornal diário as pressões e o estresse são maiores do que num programa semanal, o que torna a experiência de Boris & Cia única.

Combinar fatores como motivação, criatividade, longevidade, remuneração, respeito, inquietação profissional num time de jornalismo é talvez um dos mais difíceis desafios de nossa atividade. Humberto Pereira e Boris Casoy conseguiram.

Parafraseando o poeta, que essas experiências sejam eternas enquanto durem."

 

OMBUDSMAN NA TV

"Record e Band pensam em ter ombudsman", copyright Comunique-se, 20/6/02

"O ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior, conversou, nesta quinta-feira (20/06), com os diretores da Bandeirantes e Record, Johnny Saad e Bispo Rodrigues, sobre a criação da figura do ombudsman. Segundo informações da Agência Brasil, eles gostaram da sugestão e devem analisar a proposta. Mais tarde, em nova reunião, vão responder a Reale Júnior.

O ministério vem recebendo muitas reclamações de telespectadores sobre o conteúdo da programação das TVs brasileiras. Foi daí que surgiu a idéia de se criar uma ouvidoria em cada emissora do país.

A Radiobrás deu o passo inicial nesse ponto. No dia 05/06, Maria das Graças Cruvinel foi nomeada, por Reale Júnior, ouvidora das TVs da Radiobrás.

A função do ombudsman é inspecionar o nível de violência e sexo na programação das emissoras."

 

TV BANDIDA

"Na TV, a voz dos bandidos é mais do que um texto", copyright Jornal da Tarde, 22/6/02

"Em comparação com os jornais, a televisão tem uma qualidade extraordinária ao passar (no sentido de transmitir, de comunicar) a fala do mundo marginal para o mundo das pessoas comuns: passa a voz, a entonação, as inflexões, a respiração, as pausas, a ênfase, a camaradagem. Falo a propósito das gravações das conversas por telefone celular feitas no presídio de segurança máxima do Rio de Janeiro, chamado Bangu-1.

Os jornais dão o texto. A tevê dá a dimensão humana da fala. A voz que se ouve aproxima quem ouve de quem fala: é a mesma língua, o mesmo acento, a mesma pausa, a mesma camaradagem com que o ouvinte conversa. Somos nós, povo, falando e ouvindo. O monstro que manda comprar o míssil Springer, ou apressar o negócio do pó, ou adverte que a barra pesou depois da morte de Tim Lopes, ou diz que a granada mais gorda está disponível, é alguém ali do pedaço. A língua real que chega pela televisão é a mesma língua natural que chega aos telespectadores nos reality shows, a mesma língua coloquial do nosso dia-a-dia; não é uma língua teatral, ensaiada, não é uma língua de discursos. É o ?Big Brother? sem imagens.

Os promotores chamaram Bangu-1 de ?escritório central do crime organizado?. Apareceu na tevê. O incrível é que foi necessária uma autorização judicial para fazer as gravações e para abrir e revistar os armários dos presos, onde foram encontradas armas, drogas e celulares. Os criminosos têm mais direitos do que cidadãos pobres, em cujas casas a polícia entra no grito e na marra.

Tem gente de luto por ?O Clone??

A queda de audiência da novela das nove, na passagem do final de ?O Clone? para o início de ?Esperança?, foi explicada pela Rede Globo como ?luto? dos que ?perderam? a novela anterior e não querem ?traí-la? com a nova novela. Seria um sentimento natural de ?fidelidade?, que acontece sempre, em todas as passagens de uma novela de sucesso para outra.

Pode ser. Mas faço outra hipótese, ou mais uma. Acredito no movimento de libertação do telespectador, que estava preso nas armadilhas da trama. Ao terminar a novela, ele se liberta, deseja se ver livre para fazer coisas que foram adiadas, visitas, academia, arrumação, sair com amigos, ver filmes, passear. O telespectador goza a nova liberdade antes de se amarrar de novo. Num dia sem o que fazer, dá uma cheirada e cai na dependência.

A novela ?Esperança? é de uma beleza visual cuidada, procurada e alcançada. Os conflitos foram colocados nesta primeira semana numa cadência narrativa que não corresponde ao normal dos folhetins modernos, cadência que permite desenvolver com mais profundidade personagens que nem vão continuar na trama. São ricos o bastante para sustentar dois capítulos, como o Giuseppe de Walmor Chagas. No segundo capítulo, tivemos um Othon Bastos excessivo. Não se justificava ele ficar tão bravo por ter uma vizinha (Lúcia Veríssimo), até aquele momento cordial, oferecido pela fazenda dele o dobro do que ele havia pago. Exageros de ator que o diretor não soube ou não quis controlar. Nos capítulos seguintes, ele ficou mais contido. O trio formado por Lúcia Veríssimo e os filhos está com marcação teatral, destoa do resto. Mas são pequenos senões num todo harmônico. Por enquanto, os personagens parecem ter densidade e coerência social e histórica suficientes para sustentar a trama num bom nível.

Ciro sorri e bate duro

?Saia Justa?, no GNT, tem se revelado um saboroso programa político, na série com os candidatos a presidente. Quarta, foi a vez de Ciro Gomes. Ele teve a vantagem de ser o terceiro da série, já conhecia a pauta. Cantou (?Meu bem, você me dá água na boca?…), recitou Camões (trecho de Inês de Castro, ?a mísera, e mesquinha / Que depois de ser morta foi rainha?), falou mal dos tucanos, do cuidado que toma para não haver a menor suspeita de uso de imagem por sua relação com Patrícia Pillar. Sobre os anúncios que estão no ar, em que ela explica por que ele está proibido de falar: ?Ela resolveu me acudir.? Sobre drogas, vai mais fundo: tem tolerância com o usuário, ?coisa venial?, mas é preciso não esquecer que ?aquilo ali está financiando o narcotráfico, que tem uma rede que seqüestra, tem uma rede que assalta banco?. Quer dizer: o usuário não é inocente. Negou que FHC tenha tido grande importância no Plano Real, além de reunir a equipe que o formulou, pois quando o Real foi lançado, FHC estava fora do governo, cuidando da eleição para presidente. Sobre os outros candidatos, disse que Lula é inexperiente, Garotinho é ?apenas? ex-governador do Rio e ?o Serra é truculento, não tem escrúpulo?."