Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Eduardo Ribeiro

MÍDIA EM CRISE

"Corte e frilas no Valor", copyright Comunique-se (www.comunique-se.com.br), 18/7/02

"Não poderia vir em pior hora o anúncio a demissão de 50 funcionários do jornal Valor Econômico, número praticamente idêntico ao do Diário de S. Paulo, comunicado dias antes (a diferença é que o Diário de S. Paulo tinha 626 funcionários e ficou com 575, e o Valor apenas 300, passando a ficar com uma folha de 250 pessoas). As demissões aumentam ainda mais o infortúnio da categoria, que vive, de longe, a pior e mais grave crise de sua história, no que diz respeito ao mercado de trabalho.

O Valor ao menos seguiu um receituário menos ortodoxo e procurou várias alternativas para minorar a perda do emprego de seus colaboradores, 29 deles trabalhando na área editorial (uma lista detalhada foi divulgada e pode ser vista na edição impressa do informativo Jornalistas&Cia, produzido pela M&A Editora (11-5573-3627; eduribeiro@megabrasil.com.br). Uma delas foi manter inalterado o borderô para a contratação de free-lancers, aproveitando os recursos desse centro de custo para contratar como frilas os colegas demitidos.

Embora paliativa, a medida não deixa de ser diferenciada e foi talvez a única com a preocupação de garantir de imediato a sobrevivência dos colegas demitidos. A reclamar, na opinião de um dos editores, o fato de que um borderô que antes era utilizado para complementar e enriquecer o trabalho das várias editorias agora terá de ser utilizado emergencialmente no pagamento de demitidos que estão virando frilas fixos. Menos mal para quem perdeu o emprego (mas garante frilas na mesma empresa) e péssimo para os demais colaboradores que vão disputar em condições desiguais as pautas definidas.

Numa das editorias, a perda com a operação, em termos concretos, será de 35%. Diz o editor: ?Como vou adotar as pessoas cortadas como frilas fixos, na prática meu borderô para chamar outras pessoas, apesar de mantido pela direção, vai ser drasticamente reduzido. Ou seja, eu vou gastar grande parte do dinheiro para manter uma estrutura que eu já tinha.?

Um outro editor disse que as perdas foram significativas mas a equipe que permanece é boa e os que saem na verdade ficam. Ele complementa lembrando que o Valor foi um dos únicos jornais que não havia demitido no passado e que mesmo o fazendo, agora, estará dando a chance de todos atuarem como colaboradores e ainda a perspectiva, se as coisas melhorarem, de recontratar os colegas dispensados. ?A informalidade é ruim – diz – mas foi o mal menor.?

Os rumores de demissões no jornal corriam o mercado havia pelo menos três semanas, mas a redação foi uma das que menos sentiu o clima pré-corte que geralmente se instala nas equipes, quando a boataria desanda a circular por todos os poros do mercado. Ninguém duvidava de que pudesse vir, mas parece que, em contrapartida, se sabia que o jornal não teria coragem de fazer como os demais, jogando seus colaboradores ao vento, como diriam Tio Ali, Jade e cia.

Este clima tem, de certo modo, a ver com o ambiente quase familiar criado no Valor, desde o seu surgimento. Não se sabe se isso será mantido, pois, por maiores que tenham sido os cuidados tomados, a cirurgia foi radical e machucou muita gente. Não estando lá, com a batata quente nas mãos, tendo de escolher este ou aquele para demitir, é difícil avaliar quais seriam, enfim, critérios mais ou menos justos, mais ou menos eficazes, mais ou menos comprometedores para o jornal etc. Mas são inevitáveis os questionamentos, caso, por exemplo, da decisão de demitir casais, provocando a perda de 100% da renda familiar (e ali foram dois os casos). Ou a de transferir um determinado colega de uma editoria para outra, onde ele não é especializado, sacrificando alguém que era da área.

São poucos os casos, mas eles vêm à mente da equipe num momento de fragilidade e desgaste, como esse.

Para sermos justos, no entanto, é preciso salientar que as demissões também atingiram pessoas do relacionamento íntimo de alguns diretores. Caso, por exemplo, do diretor Leonardo Teshima, braço direito há muitos anos do presidente da empresa, Flávio Pestana, que viu não só sua demissão ser confirmada, mas sua área (de planejamento e novos negócios) extinta. Houve também caso de parente de diretor demitido, embora também tenhamos no jornal caso de parentes mantidos. Se este ou aquele caso foi ou não justo, os próprios colegas do jornal podem dizer com muito melhor propriedade. De fora, seria até leviano partir para uma crítica dessa natureza, que seria leviana e insensata, até porque o jornal efetivamente tem uma das melhores equipes de jornalistas do país, e com as demissões alguns dos bons saíram, boa parte dos bons ficaram.

O corte na empresa foi de 20% das despesas, o que não incluiu somente a folha de pagamento. Muitas outras coisas foram cortadas, como 100% da verba de marketing, vários contratos com agências internacionais (Business Week, Der Spiegel, The Economist), viagens etc. Dentro da redação, os cortes foram desiguais e seguiram uma lógica definida pela direção de privilegiar as editorias econômicas e políticas, em detrimento do Caderno Eu (Arte, Cultura, Comportamento e Consumo). Quem conhece um pouco os bastidores da história diz que isso foi até uma vitória, pois o caderno corria o risco de desaparecer, decisão que teria sido revertida quase aos 45 do segundo tempo.

Se é ou não verdade, só Celso Pinto, Carlos Eduardo Lins da Silva, Vera Brandimarte, Pedro Cafardo, José Roberto Campos, ou o presidente Flávio Pestana poderão dizer. Sabe-se que as negociações nessas últimas três semanas foram intensas, no sentido de preservação dos empregos, mas esbarraram na decisão definitiva dos acionistas (leia-se O Globo e Folha de S. Paulo) de não realizar novo aporte de capital, obrigando o jornal a se manter, daqui para a frente, com sua própria receita.

Na explicação que os editores deram aos demais colegas de redação, ficava claro que se os cortes não fossem feitos a empresa em muito pouco tempo começaria a enfrentar problemas até para bancar a folha de pagamento.

Aliás, esse foi outro diferencial do Valor, no episódio das demissões: os dois diretores adjuntos, Carlos Eduardo e Vera Brandimarte (que interrompeu suas férias para acompanhar todo o processo), conversaram individualmente com todos os demitidos, explicando as razões da empresa para a atitude tomada e os esforços que estavam sendo feitos, tanto pela empresa quanto pessoalmente por cada um dos editores e diretores, para tentar revertar a situação de cada colega no menor prazo possível – dentro ou fora da empresa.

Que os céus estejam ao lado dos profissionais, para jogar um pouco de luz nas trevas em que o mercado se transformou."

 

"Valor mostra que regras mudaram na Globo", copyright Comunique-se (www.comunique-se.com.br), 21/7/02

"A carnificina perpetrada no Valor é, ao meu ver, mais do um passaralho-em-uma-empresa-das-Organizações-Globo como os que, infelizmente, se tornaram habituais desde os fins dos anos 80. A razão para a minha desconfiança é o motivo apresentado para os cortes. A nefanda ?contenção de despesas? não foi causada por um problema conjuntural (caiu a demanda por publicidade, ou o dólar aumentou e o papel encareceu, coisa assim), mas estrutural: os acionistas se recusaram a botar mais dinheiro na empresa, que, para sobreviver, simplesmente diminuiu mesmo (não apenas enxugou, o que sempre dá a idéia de que pode molhar de novo…).

A decisão de não dar uma mãozinha ao Valor foi tomada por Henri Philippe Reichtul, presidente da Globopar, rigorosamente dentro dos parâmetros empresariais, o que é uma mudança e tanto na maneira de gerir o Império (A Folha não ajudou também, mas por que iria fazê-lo se quem tem mais grana rebarbou?). Antes, o que acontecia? Se uma a rádio Y, a operadora de TV a cabo X ou o jornal Z ia mal das pernas, havia o esporro regulamentar no executivo responsável (que perdia ponto no pega-pra-capar corporativo) e este era encarregado de apresentar uma lista de cortes para o próximo período. Mas quanto ao período anterior, tudo bem: as outras empresas que porventura tivessem dado lucro no período – a ?mamãe grande? Rede Globo à frente – rachunchavam o prejuízo da outra. No ano seguinte, o ciclo se repetia em outra empresa (uma das que tinha dado lucro) e assim sucessivamente.

Agora a ciranda mudou. Botando o Valor no ?microondas?, Reichtul avisou claramente aos navegantes que agora é realmente cada um por si e o mercado publicitário contra todos. As unidades de negócio vão ser realmente independentes e não poderão contar com os ?manos? para chegar junto em caso de prejuízo. Todos vão ter que subir puxando seus próprios cabelos, nem que um monte de cabeças role no processo.

Mas quem está achando hilário que coleguinhas que são ?troopers? do Império tenham seus empregos ameaçados desta forma (tem muita gente invejosa neste mundo, especialmente entre os jornalistas, você sabe…), pode apagar o sorriso do rosto. É que este tipo de pressão tende a se tornar padrão em todas as empresas de mídia e isso por dois motivos que se completam: 1. A aprovação da lei que permite a entrada de empresas brasileiras e estrangeiras como sócios em empresas de comunicação; 2. A liderança empresarial do Império.

Tive oportunidade de escrever, desde outras eras da Coleguinhas anteriores à do Comunique-se, que eram ingênuos aqueles que acreditavam que a possibilidade de grupos brasileiros e estrangeiros investirem em empresas de mídia era uma oportunidade de aumentar o nível de empregos. Administradores de bancos e dos diversos tipos de fundos que existem costumam operar de uma mesma forma seja qual for o setor: cortes de custos de qualquer maneira, principalmente no emprego. Essas passadas de facão são o grande chamariz para os investidores que já estão no barco botarem mais de seu rico dinheirinho na empresa, e também atrair mais parceiros para a empreitada, pois garantem a manutenção da margem de lucro.

No caso do Império, a idéia é conseguir investidores ou parceiros estratégicos para cada grupo de empresas ou, se não der, pelo menos para elas individualmente. Assim, é importante que cada uma possa exibir lucro por si só e daí é que os passaralhos tendem a se estender e multiplicar na armada imperial, caso as coisas não melhorem rapidamente. O caso do Diário de São Paulo, que aconteceu até antes do massacre do Valor, pode ser inserido neste processo, embora deva ser observado que como o jornal veio se agregar à armada do Império há pouco tempo, muito do morticínio ocorrido no ex-Dipo foi ainda um ajuste de contas com o passado.

Mas o lugar de onde estão saindo estes sinais de mudança é também importante. As Organizações Globo, goste-se ou não, são as líderes no segmento de mídia no Brasil, e empresas líderes tendem a mostrar os caminhos que as demais seguirão. Ou seja, há a tendência de outras empresas, em seu aquecimento para entrar na corrida atrás de grana, rodarem a cimitarra país afora nos próximo ano ou dois. Na melhor das hipóteses, aquelas empresas que já estejam no osso podem não demitir, mas certamente não criarão postos de trabalho.

Futuro negro? Infelizmente, creio que tende a ser assim. No entanto, há esperança e ela reside na recuperação do mercado publicitário. Segundo estimativa do Ibope Inteligência e da consultoria Booz-Allen-Hamilton, publicada no Valor (ah! A ironia dos fatos…), a publicidade deverá crescer 4,7% este ano, percentual que não deve ser desprezado num momento como esse. Se este crescimento virá, e se será sustentado no próximo ano, só o tempo dirá, mas pelo menos mantém a esperança viva. Vamos torcer.

Falta de sorte – No caso do Valor houve ainda falta de sorte. O grupo inglês Pearson, dono do Financial Times, ignorou a ?joint venture? das OG com a Folha e decidiu negociar com a Gazeta, mas isso ainda dava pra levar. Afinal, o negócio como um todo ia ganhar. O problema é que as ações da Pearson estão quase virando pó, tendo caído de um valor de US$ 6,8 bilhões em 2001 para pouco mais de US$ 1 bilhão agora. Com isso, obviamente, eles meteram o pé no freio e as negociações com a Gazeta devem entrar em animação suspensa. E ainda pior para o Valor: as companhias de mídia americanas – a Dow Jones, dona do Wall Street Journal incluída – anunciaram também que se comportarão cautelosamente no próximo ano, devido à chamada volatilidade dos mercados, a qual, aliás, fará com que poucos gringos se aventurem a comprar participações em grupos de mídia do Bananão.

Fórum ?Tim Lopes, Nunca Mais!? – A ABI começa a aceitar inscrições para o Fórum ?Tim Lopes, Nunca Mais!?, que entidade promove entre 5 e 9 de agosto, a partir desta segunda, dia 22 de julho. Os interessados podem procurar a secretaria (Rua Araújo Porto Alegre, 71/7? andar). Mais informações podem ser obtidas pelo telefone 2282-1292 (ramais 244 ou 240), das 12h às 18h."