Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Educação e "questão de mercado"

INSTITUIÇÕES
PRIVADAS

Ricardo Antônio Lucas Camargo
(*)

A propósito do artigo "Briga esconde assalto ao erário",
do professor Marcos Marques de Oliveira, é estratagema dissecado
num livro precioso de Arthur Schopenhauer, intitulado "A arte
de ter razão", o demolir a seriedade do argumento do
adversário inserindo-o numa categoria odiada, ainda que a
ligação seja remota ou mesmo inexistente. A Constituição
castilhista do Rio Grande do Sul ? isto é, a Constituição
que o estado do Rio Grande do Sul adotou na 1? República,
quando era governada por Júlio de Castilhos, homem positivista,
do mesmo credo filosófico que os militares que davam sustentação
à recém-criada República dos Estados Unidos
do Brasil ? tinha entre seus postulados a instrução
pública e gratuita. E os positivistas não eram adversários
do capitalismo, como bem se sabe. Um dos principais ? e piores ?
argumentos contra a universidade pública e gratuita é
o fato de que nelas estudam aqueles que tiveram acesso a bons colégios
pagos e, assim, conseguiram passar no vestibular.

Não se está, aqui, a negar o fato de que um grande
número dos que têm acesso à universidade pública
? um grande número, mas não a totalidade, notar bem,
porquanto posso mencionar casos que conheço de pessoas de
origem humílima que, não existissem as universidades
públicas, não poderiam obter os respectivos diplomas
? ser proveniente justamente das escolas privadas, bem pagas etc.
etc. etc. Não sou contra o mercado proporcionar uma boa educação,
mas sou manifestamente contra reduzir a educação a
uma questão de mercado.

Explicando melhor: o escopo da atividade econômica privada
é o lucro. Aqui, não estou a defender nenhuma tese
"esquerdizante", pelo contrário: estou a sustentar
precisamente a tese central da economia clássica, segundo
a qual o objetivo de todo agente econômico privado é
obter a recompensa pelo risco que corre no mercado. Pois muito bem:
o argumento central de que os mais humildes ficam excluídos
do ensino privado porque não podem pagar as escolas privadas
e são remetidos à rede pública toca, necessariamente,
no ponto de que, estando o ensino entregue ao mercado, necessariamente,
nem todos a ele terão acesso.

Agora, se o ensino ante-universitário é de má
qualidade, hoje, na rede pública, não foi decorrência
de ser administrado pelo Poder Público, mas sim em função
de se entender o modo como o ensino deveria ser ofertado a quem
não pudesse pagar as escolas privadas. Quanto a isto, seria
interessante perguntar a pessoas que viveram no Brasil antes de
1964 o que significava ser professor de escola estadual. Hoje, à
evidência que eu não matricularia meus filhos numa
escola estadual ou municipal. Entretanto, meu curso de 2? grau foi
numa escola de formação de oficiais da Marinha de
Guerra, a saber, o Colégio Naval (ensino público,
porque mantido pela União Federal, e de muito boa qualidade).

Conveniência do agente

Volto a dizer: não estou trazendo nenhuma tese "esquerdizante",
"arcaizante", mas sim fatos de que tenho conhecimento
e que devem ser sopesados, quando nada, porque não existe
nenhum fato isolado, que não tenha uma causa anterior, nem
que não seja causa de outros. Basta que se saiba identificar
a relação de causalidade, onde se localizaria. O objetivo
foi apenas recordar que existem assertivas que são muito
repetidas e que acabam se tornando verdadeiros axiomas e, quando
o silogismo parte de um pressuposto equivocado, não há
como se chegar a uma conclusão correta.

Por outro lado, o caráter excludente do escopo de lucro
na oferta do serviço educacional não faz com que a
sua busca seja um equívoco, um erro, ou algo pernicioso:
ele apenas tem caráter excludente, só isto. Agora,
se certo ou errado, isto é um outro debate, de acordo com
tais ou quais tábuas de valores que não estão
em jogo neste momento. O que é inadmissível é,
conforme dito, considerar que a educação se reduza
a uma simples questão de mercado e não que ela seja,
também, uma questão de mercado. A lógica da
educação pública diz com a oferta de um serviço
público, que não pode ser sonegado a quem quer que
seja que preencha requisitos objetivos para a sua fruição.

A lógica da educação privada é totalmente
diversa, no sentido de que ela assenta em bases contratuais: será
ela prestada somente aos alunos cujos pais contratarem com a instituição
de ensino, no pleno exercício da autonomia da vontade. Por
outro lado, é preocupante a conversão das escolas
num verdadeiro "cursinho pré-vestibular" superdesenvolvido,
sem qualquer compromisso com a oferta do serviço educacional.

Há instituições de ensino privadas mantidas
por entidades sem fins lucrativos? Há, não resta dúvida.
Mas isto é uma questão da conveniência pessoal
do agente econômico, e não regra geral: esta é
que ninguém tenha de desempenhar qualquer atividade em caráter
gratuito ou operando pelo custo. E, efetivamente, ambos os professores,
tanto o da instituição pública quanto o da
instituição particular, ganham seus estipêndios
e é de presumir que darão o melhor de si. Entretanto,
pode-se assinalar a diferença de que os professores da rede
pública, obrigatoriamente, têm de se submeter a concurso
para ingresso nos quadros da instituição, o que não
acontece, necessariamente, com os da instituição particular.
Se, porém, o concurso for conduzido sem lisura ? o que não
se presume ?, é evidente que o modo de admissão acaba
se igualando, na prática.

(*) Advogado em Porto Alegre

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