Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Eles, os sem-dramaturgos

CADERNOS CULTURAIS

José Carlos Aragão (*)

Aqui, de Minas Gerais, surpreendo-me (mas nem tanto) ao ouvir referências a uma certa Nova Dramaturgia Carioca, que leva o músico e pesquisador Antônio José do Espírito Santo a uma breve análise do tema em seu artigo "Nós, os sem-dramaturgia", no último Observatório da Imprensa [veja remissão abaixo].

É que, do lado de cá das montanhas, também vivemos a tal "crise da dramaturgia", de que tanto se fala nas coxias, nos meios acadêmicos e nos botequins. Todos especulam sobre que crise é essa, onde ela está, de onde provém e sobre qual seria o remédio.

Falta texto ? alegam os diretores. Com eles, costumam concordar produtores e atores. E, então, vão buscar no exterior textos ditos "universais", que fizeram temporadas de sucesso em Londres ou Nova York, para montar aqui. "Universais", os textos não são ambientados no Brasil, não falam a nossa língua, não entendem nossas especificidades culturais, geográficas, arquitetônicas, econômicas, políticas e, por isso, precisam ser traduzidos e adaptados.

Acreditam produtores, diretores e atores ? acreditam tanto, esses últimos, que muitas vezes tornam-se produtores dos seus próprios espetáculos ? que o que é bom para a Broadway é bom para o Brasil, e que vão ter crítica no Jornal do Brasil, dar entrevista no Jô e encher as burras.

Alguns adotam outra tática, bastante similar ? um aperfeiçoamento, digamos. Eles compram os direitos de peças de autores estrangeiros que já foram adaptadas para o cinema e, assim, podem saber como a história foi recebida pelo público brasileiro que já as viu na telona. O risco de errar é bem menor ? confiam.

E o teatro infantil?

Aí, o que vemos é um festival de adaptações de clássicos da literatura ? geralmente de Perault, Andersen, os Grimm. Clássicos são imortais e seus autores já morreram há muito tempo. Nada mais conveniente para o produtor, que não terá que pagar direitos autorais; ou para o diretor, que poderá adaptar livremente a obra e até descaracterizá-la completamente, certo de que o autor não poderá vir contestá-lo.

E os dramaturgos, onde estão?

Como eu disse num artigo recentemente publicado na Revista de Teatro, da Sbat, os dramaturgos estão mortos. Pelo menos aqueles que ainda têm a capacidade de se sentarem à frente de um computador (ou de uma velha Remington, se ainda o preferem), e escrever uma história que possa vir a ser contada por atores em um palco, através de diálogos e ações por eles concebidos.

Resultado natural

Considero, no fundo, uma ofensa ? a uma classe de profissionais que, a despeito das restrições que lhes são impostas dia a dia, dedicam-se a escrever histórias para o teatro, ou mesmo para cinema e TV ? essa balela de que não há textos brasileiros dignos de serem encenados. A razão de fundo, me parece, é muito mais econômica (e olhe que Jorge Andrade, Nélson Rodrigues, Paulo Pontes, Vianninha, Maria Clara Machado ou Plínio Marcos nunca ficaram milionários escrevendo para teatro!). E, se alguma razão cultural há em tudo isso, só pode ser a nossa histórica vocação (minha, não!) terceiro-mundista de subserviência ao que o Hemisfério Norte nos empurra. Nada estritamente contra Sófocles, Tenessee Willians, Pinter ou qualquer outro mas, se eles têm seus heróis, nós temos João Grilo, Tonho, Zé do Burro, Engraçadinha.

A questão nos remete novamente à tal dramaturgia brasileira. A mim me parece que, só de ser escrito por um brasileiro, faz do texto um produto nacional. Não entendo, pois, a imposição de que a realidade nacional deva estar explícita no texto ou na temática, como alegam alguns ? geralmente, os mesmos que vão lá fora garimpar autores e textos "universais". O "nacional brasileiro" está no conjunto: concepção estética do espetáculo, interpretação dos atores, carpintaria cênica, música e tudo mais.

O dramaturgo, enfim, ainda não é um profissional do qual se possa prescindir no fazer teatral, como o telegrafista nas comunicações ou o motorneiro de bonde nos transportes. Dramaturgias coletivas ? ou colaborativas, como, eufemisticamente andam chamando por aí ? podem apresentar resultados eventualmente interessantes, mas o conhecimento e o domínio do texto ainda são essenciais, mesmo em propostas que não se utilizem da palavra.

O teatro, como arte coletiva em essência, requer especialidades múltiplas, mas agindo em função de um resultado comum. Desse modo, nada mais natural que o dramaturgo escreva, o ator atue, o diretor dirija e o produtor, no exercício de suas atribuições específicas, ofereça as condições necessárias para que toda a engrenagem funcione.

(*) Jornalista, dramaturgo, escritor

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