Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Elvira Lobato


QUALIDADE NA TV

TV BRASILEIRA, 50 ANOS

"Concessões crescem em família", copyright Folha de S.Paulo, 16/09/00

"Levantamento exclusivo da Folha, feito com base no cadastro oficial das emissoras de rádio e televisão de todo o país, revela que a Rede Globo praticamente dobrou o número de suas concessões de TV nos últimos anos, comprando parte do capital de grupos independentes em São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraná. A família Marinho tem participação societária em 32 emissoras de televisão, sendo dez exclusivas e o restante em sociedade com empresários locais.

São 11 emissoras no Estado de São Paulo, oito no Paraná, sete em Minas Gerais, quatro no Rio de Janeiro, uma em Brasília e outra em Recife.

É uma proporção alta, considerando o total de TVs em cada Estado. Em São Paulo, onde há 40 emissoras, a família Marinho tem 28% das concessões. No Paraná, a proporção é de 33%; em Minas, de 35%; e no Rio, de 29%. Como a participação é concentrada nesses Estados, o número diminui para 12% em âmbito nacional.

Em 94, quando a Folha fez levantamento semelhante, os Marinho tinham participação em 17 emissoras de TV em todo o país.

Os dados de 94 e os deste ano foram tirados do cadastro do Ministério das Comunicações, cujo acesso não é liberado ao público.

A Rede Bandeirantes e o SBT também cresceram, mas em menor escala. A família Saad, da Rede Bandeirantes, aparece no cadastro como acionista de 12 emissoras de TV, três a mais do que possuía em 94.

A família Abravanel (sobrenome do empresário Silvio Santos, do SBT) aparece ligada a dez emissoras de televisão: uma a mais do que há seis anos.

Esse período também coincide com a expansão do império televisivo da Igreja Universal do Reino de Deus, que já possui pelo menos 21 emissoras de TV, distribuídas em três redes: Record, Rede Mulher e Rede Família.

A identificação das emissoras sob o comando da Universal é difícil porque as concessões estão registradas em nome de pastores, bispos, executivos e parlamentares da igreja.

No nome do bispo Edir Macedo, fundador da Universal, existem apenas duas emissoras de TV (a Record de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, e a Record de São Paulo) e cinco de rádio.

Lei inócua

Das 40 emissoras do Estado de São Paulo, apenas 14 não estão ligadas societariamente às famílias Marinho, Saad ou Abravanel ou à Universal. Em âmbito nacional, esses grupos têm 29% do total de concessões de TV (262, incluindo as educativas).

O decreto-lei 236, editado há 37 anos para impedir a concentração dos meios de comunicação nas mãos de poucos grupos, estabelece que nenhuma entidade ou pessoa física pode possuir mais do que dez emissoras de televisão no país, sendo, no máximo, cinco em VHF e cinco em UHF.

Os canais VHF são identificados pelos números de 1 a 13 e os UHF, pelos números a partir de 14. A punição para quem infringe o artigo é a perda da concessão.

A legislação se mostrou inócua porque as emissoras e o próprio governo interpretam que o limite é por pessoa física – considerando cada acionista individualmente – e por empresa, sem levar em conta o parentesco entre os titulares das companhias.

Os oligopólios da radiodifusão se formaram a partir dessa brecha na lei. As concessões são registradas em nome de pessoas diferentes de uma mesma família. Avós, pais, filhos, irmãos e cônjuges se tornam sócios de empresas distintas e cada um pode controlar até dez emissoras de TV.

Três gerações da família Marinho aparecem como acionistas de TVs no cadastro do governo: o patriarca Roberto Marinho, os filhos José Roberto, João Roberto e Roberto Irineu e cinco netos.

Paula Marinho Azevedo e Rodrigo Mesquita Marinho (filhos de João Roberto), Paulo e Flávia Daudt Marinho (filhos de José Roberto) e Maria Antônia (filha de Roberto Irineu Marinho) são acionistas de mais de 20 emissoras afiliadas da Rede Globo em Minas, Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro.

A última aquisição da família, registrada há cerca de três meses e identificada no levantamento da Folha, foi a compra de metade da TV Mogi, da cidade paulista de Mogi das Cruzes.

O mesmo sistema é adotado pelas demais famílias que controlam os grandes grupos nacionais de radiodifusão e se repete nos grupos regionais, como a RBS, afiliada da Rede Globo no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, e a Organização Câmara, afiliada da Globo em Goiás e Tocantins.

A família Sirotsky (do grupo RBS) tem dez emissoras no Rio Grande do Sul, todas em VHF. O decreto-lei diz que nenhuma entidade ou pessoa física pode ter mais do que duas concessões de VHF por Estado, mas elas estão registradas em nome de diferentes membros da família.

O mesmo se passa com a família Câmara (da Organização Câmara), com seis emissoras de VHF em Goiás e duas em Tocantins.

A lei também não permite que uma empresa ou pessoa tenha duas concessões na mesma cidade, mas, usando a brecha de registrar emissoras em nomes de parentes, a família Saad conseguiu ter duas concessões de TV em São Paulo (TV Bandeirantes e o Canal 21).

Governo

A consultoria jurídica do Ministério das Comunicações tem interpretação igual à das empresas privadas em relação aos limites fixados pelo decreto-lei 236.

Segundo a consultoria, a lei estabelece limites sem levar em conta a existência de parentesco.

O vice-presidente de Rede da Bandeirantes, Antônio Teles de Carvalho, diz que, se o legislador quisesse limitar a posse de emissoras por famílias, a redação deveria ter sido explícita. ‘Pode ter havido um descuido do legislador. Mas como saber se foi proposital ou não?’, indaga Teles, para quem a limitação por parentesco poderia ser discriminação.

Limite por audiência

O projeto da Lei de Comunicação Eletrônica de Massa, preparado há dois anos pelo Ministério das Comunicações, propôs limitar o número de concessões próprias de cada grupo a 30% da audiência potencial do mercado, medida pelo número de residências com aparelhos de TV.

A proposta é inspirada no modelo norte-americano. Nos Estados Unidos, cada grupo pode cobrir no máximo 35% do total de domicílios do país.

Se o limite de 30% fosse aplicado no Brasil, a Rede Globo teria de reduzir drasticamente sua participação em empresas. Sua rede própria atual cobre 54,09% dos domicílios com TV. Só as cinco emissoras principais, conhecidas como cabeças-de-rede – TVs Globo de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Recife e Belo Horizonte –, cobrem 27,7%.

Não há estudo disponível sobre as outras redes nacionais, mas todas teriam de diminuir de tamanho caso fosse aprovado o limite de 30% da audiência potencial.

O Ministério das Comunicações não reconhece como sua a proposta do projeto da Lei de Comunicação Eletrônica de Massa, embora o texto tenha sido preparado por funcionários do ministério.

‘É um projeto fantasma, um filho sem pai. O Ministério das Comunicações não reconhece a autoria da proposta. Eu tenho uma cópia que tirei da Internet’, afirma Antônio Teles, da Rede Bandeirantes. Para ele, o assunto merece um debate amplo e aberto.

O Ministério das Comunicações informou, por intermédio de sua assessoria de imprensa, que vai aguardar a definição da TV digital para apresentar o anteprojeto oficial da nova lei."

"Globo diz que cumpre a lei", copyright Folha de S.Paulo, 16/09/00

"A Rede Globo confirma a existência de 32 emissoras de televisão com participação societária de pessoas da família Marinho, mas diz que cumpre ‘rigorosamente’’ o decreto-lei 236, o qual fixa os limites de radiodifusão por empresas e acionistas, e não por famílias.

‘Se ela (a lei) é adequada ou não, cabe ao Executivo e ao Legislativo avaliar’’, afirma o vice-presidente de Relações Institucionais das Organizações Globo, Evandro Guimarães.

Para ele, a compre de emissoras é secundária. O principal é a produção de conteúdo. Leia os principais trechos de entrevistas. (EL)

Folha – A família Marinho é acionista de 32 concessões de TV. Isso não fere o limite legal de dez?

Evandro Guimarães – Não. A Folha obteve a informação do Ministério das Comunicações, que autoriza as concessões e fiscaliza as transferências de quotas. Logo, foram aquisições legais, transparentes. Não é a família Marinho que tem a participação nas emissoras, mas pessoas físicas, independentemente de parentesco, que fizeram o negócio como investidores.

Folha – Mas são membros da família Marinho, dona das Organizações Globo. Isso não prova que o limite legal é inócuo?

Evandro Guimarães – A legislação é de 1962, e a cumprimos rigorosamente. Se ela é adequada ou não, compete ao Executivo e ao Legislativo avaliar. A Globo cumpre a lei com transparência e rigor. Eventualmente, existem participações de pessoas que, mesmo tendo sobrenome Marinho, estão no negócio como investidores, que acreditam e apostam no sucesso dos mercados locais.

Folha – Essa relação de emissoras está correta?

Evandro Guimarães – A relação (…) parece estar correta no conjunto e deveria estar disponível para consulta pública no Ministério das Comunicações. A Globo não tem inibições em apresentar sua composição societária. Na maior parte das empresas em que a família tem sócios locais, são empreendedores sérios que administram as empresas como se fossem nossos franqueados, co-responsáveis pela qualidade de distribuição do que produzimos. Na maioria das operações fora de São Paulo, Brasília, Belo Horizonte e Recife, temos o papel de fomentar com recursos financeiros um padrão Globo de distribuição de sinal e de produção local de jornalismo e entretenimento.

Folha – Fizemos um levantamento similar em 94 e, naquela ocasião, apareciam 17 emissoras em nome de pessoas da família Marinho. Foi nesse período que a família investiu nas empresas?

Evandro Guimarães – Em algumas sim. Não há dúvida de que nos últimos anos houve um desenvolvimento do mercado publicitário. Por outro lado, há uma certa estagnação, desde o início dos anos 90, nas concessões de novos canais regionais de televisão. Não há uma multiplicação saudável de alternativas empresariais nos mercados locais e regionais. Isso reduziu o leque de escolha para distribuirmos nossa programação com a qualidade que desejamos.

Folha – Quando Sérgio Motta assumiu o cargo de ministro das Comunicações, em janeiro de 95, prometeu a democratização dos meios de comunicação, licitações públicas para venda de TVs e o fim de distribuições políticas. Mas se vê que o quadro quase não mudou. Qual a sua avaliação?

Evandro Guimarães – Tenho uma posição pessoal sobre isso. Acho que o ministro Motta se esforçou bastante para aperfeiçoar as telecomunicações, mas a abertura em rádio e televisão local e regional caminhou de forma muito mais vagarosa. Seria importante que tivéssemos pelo menos duas TVs por região com programações diversas, porque a concorrência é saudável. Diminui os custos de formação de pessoal, melhora as condições de apuração jornalística e a democratização das comunicações. Muitas cidades continuam com apenas uma geradora.

Folha – O decreto-lei 236 proíbe associações de qualquer espécie entre emissoras de televisão que tenham por propósito a formação de cadeias. A existência das redes Globo, Bandeirantes, Record e SBT não estaria contra a lei?

Evandro Guimarães – No meu entendimento, não. O conceito de rede de TV é muito mais um esforço mercadológico para distribuição de programação. O nome de fantasia Rede Globo é um artifício mercadológico, e o fato de vários membros de uma mesma família investirem em empresas que distribuem determinada programação revela apenas a convicção e a aposta empresarial.

Folha – Existe um projeto de lei que limita o número total de concessões por grupo a 30% da audiência potencial do mercado, medida pelo número de residências com aparelho de televisão.

Evandro Guimarães – Não existe uma versão oficial do projeto da Lei de Comunicação de Massa. Existe apenas uma versão oficiosa, e limitar a concentração de cobertura potencial de domicílios com aparelhos não afetará substancialmente o perfil da TV brasileira. Mas, como o Ministério das Comunicações não reconheceu a autoria do projeto, discutir o percentual seria trabalhar sobre hipóteses.

Folha – Há três meses foram transferidas 50% das quotas da TV Mogi, que pertenciam a um grupo empresarial local, para uma neta de Roberto Marinho. A Globo pretende continuar adquirindo participação em emissoras?

Evandro Guimarães – Mogi é uma cidade da Grande São Paulo que recebe mal os sinais da Globo. Um empresário local comprou a concessão em licitação feita pelo governo, e um investidor (da família Marinho) interessou-se em somar esforços ao projeto, dentro dos limites legais. Se me perguntar se esse é nosso objetivo estratégico, digo que não. Nosso foco é a produção de conteúdo. Os investimentos na distribuição de sinais são secundários.

Folha – Quais são os percentuais de audiência e de participação no bolo publicitário da Rede Globo?

Evandro Guimarães – Temos cerca de 50% da audiência e 70% do mercado publicitário de televisão. A razão para tal disparidade está no fato de que a Rede Globo tem 93 geradoras e 1.276 retransmissoras que transmitem sua programação para todo o país. O segundo colocado tem 48 geradoras e 542 retransmissoras. É uma grande diferença de qualidade e extensão.

Folha – A Globo teme que o Congresso aprove uma lei que reduza sua participação no mercado?

Evandro Guimarães – Falando em nome da TV Globo Ltda., é impossível temer qualquer eventual alteração das regras quando se aposta em qualidade de conteúdo, com sucesso reconhecido internacionalmente. Se as mudanças representarem melhoria de concorrência, vamos encará-las como um desafio a ser superado."

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