Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Em defesa de Brasília

RORIZ vs. CORREIO BRAZILIENSE

Luiz Gonzaga Motta, de Barcelona

Há coisas que a gente guarda em nossas gavetas mais protegidas, porque são nossas coisas do coração, pequenas lembranças imensas de significado. Pode ser alguma pedrinha, um relógio velho, retratos, enfim, ícones do mundo de cada um. Há coisas que não cabem nas gavetas dos nossos armários porque são grandes demais, ou não podemos reduzi-las a um objeto. Por exemplo, não podemos guardar senão no coração a tristeza do dia da chegada do corpo de Juscelino ao Plano Piloto. E assim por diante.

Da mesma forma, temos muitos ícones que representam para nós o lugar onde vivemos, e guardamos com carinho em algum canto de nossa melhor memória. Um desses ícones é o Correio Braziliense, jornal que tantas vezes aplaudimos, algumas vezes criticamos, como toda relação apaixonada. Não ha um só entre nós brasilienses que não tenha um dia sentido raiva do jornal porque ele publicou alguma coisa que nós preferíamos não ver publicada. Ou porque não publicou algo que gostaríamos de ver publicado. É assim a relação de cada leitor com o seu jornal, um dia aplaude, no outro condena. Mas vai sempre à banca comprá-lo, não pode passar sem ele. Se o jornal faltar, fica um buraco vazio. Quando isto acontece, é porque o jornal não se pertence, é da cidade.

Quando fui secretário de Comunicação de um governo petista me irritei e briguei inúmeras vezes com o Correio Braziliense, reclamei das manchetes e notícias sobre o nosso governo. Era meu dever. Enquanto secretário, a minha relação com o jornal foi difícil. Lembro-me do dia em que o Correio publicou, na primeira página, as fotos de Cristovam Buarque e Marta Suplicy atravessando fora da faixa enquanto foto dos Beatles mostrava os músicos atravessando corretamente a rua. Aquilo tocou fundo o nosso trabalho de executivos da campanha. No entanto, a capa era original, mostrava aos brasilienses como utilizar a faixa de forma criativa e pedagógica. A capa não era do governo nem do jornal, era da cidade, reafirmava a importância do jornal na campanha Paz no Trânsito, se identificava com o leitor.

Defensor da cidade

Não há um só de nós brasilienses que não tenha por este jornal um carinho especial. Porque o Correio nos representa, ele é o nosso espelho, a nossa cara, a nossa vida contada cada dia. Ele viveu conosco nossos sofrimentos, nossas angustias, nossas alegrias, nossas paixões. O Correio chorou conosco no dia da chegada do corpo de JK, nos consolou na morte de Ana Lídia, saiu conosco para as ruas na campanha das diretas, ficou em pânico no dia do Badernaço, vibrou conosco na festa da chegada dos campeões mundiais. O jornal viveu conosco todos os dias, cada dia, solidário e leal com a cidade e os cidadãos que nela residem.

Poucos jornais na história da imprensa brasileira terão tido tanta identidade com a cidade quanto o Correio Braziliense. Os dois nasceram juntos, o nome do jornal o identifica com a cidade. Não é global, não é paulista, não é brasileiro como os outros grandes jornais do país: é braziliense, é da cidade. Por isso, quando Brasília é agredida por aqueles que só olham para ela com olhos gananciosos e sofre as agressões de quem só quer explorá-la, o Correio tem de se transformar no defensor da cidade, como sempre foi. Como cidadão, me orgulho de ter um jornal que age tão aguerridamente em defesa da nossa cidade. Seja contra quem for: primeiro, Brasília.

(*) Jornalista e professor da Faculdade de Comunicação da UnB