Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Em defesa de um desconhecido

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COBERTURA

Luiz Egypto

Márcio Rodrigues é o nome dele. Não sei se é gordo ou magro, boa ou má pessoa. Sabe-se que é funcionário do Ministério da Saúde. Recentemente foi personagem involuntário de uma dessas tantas estocadas que a mídia sente-se no direito de distribuir a torto e a direito; ferindo, ou, às vezes, em casos extremos, assassinando reputações. Aos fatos:

Na sexta-feira, 23 de março, a Folha de S.Paulo abriu meio página para reportagem, assinada a quatro mãos ("Em público, Serra e Tasso trocam elogios", Brasil, pág. A 8), sobre o lançamento do Projeto Alvorada no Ceará, que prevê a aplicação de 136 milhões de reais em obras de saneamento no estado. Protagonistas da solenidade: Tasso Jereissati, governador cearense e José Serra, ministro da Saúde ? ambos candidatos a candidato do PSDB às eleições presidenciais de 2002.

No box da matéria, sob o título "Assessor chama Serra duas vezes de ?presidente?", está escrito, no lide: "O chefe do cerimonial do Ministério da Saúde, Márcio Rodrigues, cometeu duas vezes a mesma gafe ao arrumar os prefeitos beneficiados pelo Projeto Alvorada para a foto oficial ao lado de Tasso e Serra: chamou o chefe Serra de ?presidente?". E no parágrafo seguinte: "À vontade no palácio de Tasso, Rodrigues disse a dois prefeitos, em momentos diferentes: ?Por favor, ponha-se aqui para a foto com o governador e o presidente… quer dizer, o ministro?".

Na edição seguinte da Folha (sábado, 24/3), a primeira carta do Painel do Leitor (pág. A 3) é assinada por um Márcio Rodrigues indignado: "(…) Jamais disse isso. Como podem essas jornalistas escrever uma mentira desse tamanho? Estou assustado. É assim, criando notícia do nada, que se faz jornalismo? (…) Elas não apenas desinformaram os leitores como me prejudicaram profissionalmente. (…)".

De fato, à página A 8 do mesmo sábado, a Folha publica texto intitulado "Ministro quer afastar assessor pela gafe", no qual informa a intenção de Serra de punir o funcionário. "O motivo é a gafe cometida pelo diplomata na última quinta-feira, em Fortaleza. Rodrigues, segundo diversas testemunhas, chamou Serra duas vezes de ?presidente?". E continua a matéria: "O ministro não estava na sala quando o caso ocorreu, ficou irritado com o funcionário e com a repercussão da reportagem publicada ontem pela Folha".

Na resposta à carta de Rodrigues no Painel do Leitor, disseram as duas jornalistas responsáveis pela cobertura: "Há várias testemunhas da gafe do funcionário Márcio Rodrigues, e três delas relataram-na para a Folha". Donde se conclui que as repórteres não assistiram à gafe ? esta foi-lhes apenas "relatada".

Reitere-se o que está escrito na nota inicial: "À vontade no palácio [do Cambeba] de Tasso, [Márcio] Rodrigues disse a dois prefeitos, em momentos diferentes: ?Por favor, ponha-se aqui para a foto com o governador e o presidente… quer dizer, o ministro?".

Então a Folha ouviu duas testemunhas, como está na matéria? Ou três, como consta da resposta à carta de Rodrigues? Ou "várias", como se pode alegar ad infinitum? As repórteres assistiram ou não ao episódio?

Na verdade, paciente leitor, em casos assim tanto faz se foram duas, três ou "diversas" as testemunhas ouvidas. O número de fontes e os argumentos dependerão das conveniências do dia-a-dia da produção e do vale-tudo para garantir um bom título. No domingo, o assunto morreu na Folha. Também não era tão importante assim. Ou era?

Ministro, não demita o rapaz. O problema não é com ele. É com a mídia.

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