Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Em forma de tijolos

EDITORIAIS

Marcelo Ricardo Fiori (*)

Editoriais parecem tijolos: têm o mesmo formato e gosto. Primeiro porque compridos; segundo porque salgados. Nunca levei à boca um pedaço de bloco de barro assado, mas ao vê-lo, não me sinto excitado gastronomicamente. Ou seja, não dá vontade de comer. Também não sinto vontade de devorar editoriais, mas vivo provando deles. Para conseguir digeri-los, entretanto, tive de preparar a mente. É a mesma técnica que emprego para suportar medicamentos: são ruins, porém necessários.

Quando meus olhos velejam pelos blocos de palavras, sinto que os editorialistas têm a faculdade de equacionar problemas. Surgem grandes temas polêmicos ? sobretudo nos campos político e econômico ? e já no dia seguinte os jornais estampam suas opiniões que levam ao caminho da salvação.

Evidente que a opinião de experientes jornalistas é de expressiva valia. Em geral, trazem à baila assuntos que afligem o viver em sociedade. Buscam saídas, apontam soluções. São bem intencionados, querem contribuir para a elevação do padrão moral dos grupos sociais. Não me parece verdadeiro, contudo, que conheçam os meandros todos do labirinto existencial. Produzem análises interessantes, baseadas em experiência de vida e estudo, o que não os habilita a serem içados à condição de semideuses, como se julgam. Por vezes, sinto falta de humildade. É a arrogância mostrando presença ostensiva.

O jornalismo opinativo tem viés autoritário nos editoriais. Argumentações são verticais e não parecem reputar tudo o que gravita em torno da conjuntura que se está a analisar. O próprio olhar do autor dá margem para pôr em xeque sua opinião. Sua observação é sincera, mas há momentos em que soa muito distante. Nesse contexto, vejo brilhar em tipos dourados a máxima de que “falar é fácil”. Por mais bagagem e vivência que tenham os jornalistas de opinião, não me convenço de que detêm autoridade e moral para discorrer acerca de todo e qualquer problema.

Coragem é o que falta aos veículos, no sentido de admitirem o baixo índice de leitura dos editoriais. Precisam ser mais sinceros, mais reais. Assim se tornariam mais inteligíveis. É tempo de repensar e modificar o modelo, que se mostra enfadonho e definha. A linguagem contribui para que os leitores se mantenham afastados. Onde está a ousadia, a coragem, a criatividade? Talvez brincar de Deus tome muito tempo dos editorialistas. Temo até pela integridade física deles: parecem acometidos pela LER (Lesão por Esforços Repetitivos). Se descessem alguns degraus da escada divina, veriam que até as olarias mudaram o jeito de fabricar tijolos. Sugiro até umas pitadas de açúcar na receita.

(*) Estudante de Jornalismo da Unisinos. E-mail <difiori@terra.com.br>