Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Emoções à vista

VOLTA À "NORMALIDADE"

O público americano está descobrindo que jornalista é humano. Depois de assistirem, incrédulos, a uma repórter da CNN chorando num link ao vivo das ruas de Nova York, onde entrevistava parentes de desaparecidos, foi a vez do popular Dan Rather.

Rather, âncora da CBS News, foi o convidado do programa de David Letterman no dia 17 de setembro. O talk-show de Letterman foi o primeiro a ir ao ar pela CBS após os ataques terroristas ao World Trade Center e ao Pentágono, em 11 de setembro. O apresentador patinou sobre o fino gelo que separa suas emoções pessoais de sua obrigação de voltar ao que melhor faz: comédia.

O episódio reflete a difícil tarefa de humoristas e roteiristas ao se esforçarem para decidir não apenas que piadas poderão contar, mas se qualquer piada é apropriada para o momento. De acordo com Eric Lenkowitz e David K. Li [The New York Post, 18/9/01], Letterman proferiu um monólogo de 10 minutos, no qual se questionava se deveria estar expondo seus sentimentos sobre a catástrofe da semana anterior. "Como humorista, é quase impossível pensar em algo engraçado no momento", disse Letterman, que deve, nas próximas noites, apresentar apenas algumas tiradas cômicas de programas anteriores.

A participação especial de Dan Rather tornou o programa de Letterman ainda menos engraçado. O âncora rompeu em lágrimas por três vezes, provavelmente sob estímulo do discurso emocionado de Letterman na abertura do show. Num momento da entrevista, Letterman chamou os comerciais para que seu colega se recompusesse. O jornalista, segundo reportagem de Bill Carter [The New York Times, 19/9/01], pediu desculpas pela reação e disse que é um profissional pago para não mostrar emoções.

No entanto, Rather chorou mais duas vezes. Uma delas, após lembrar versos de "América, the beautiful" e dizer que ninguém poderá cantar a música da mesma maneira daqui para frente. O entrevistado, então, pediu para Letterman ocupar a câmera por alguns instantes, enquanto se recuperava.

Enquanto isso, nos estúdios da ABC, os produtores decidiram levar ao ar o programa noturno Politically Incorrect com uma cadeira vazia, em memória à comentarista conservadora Barbara Olson. Barbara estava no avião seqüestrado que caiu no Pentágono. Ela viajava para Los Angeles para participar do Politically Incorrect. Bill Maher, apresentador do programa, seguiu Letterman, abandonando qualquer tom cômico de seu show e se concentrando numa discussão séria sobre os ataques terroristas e seus desdobramentos, após um monólogo no qual também expunha seus sentimentos ao público.

Jay Leno, apresentador do Tonight, da NBC, voltou ao ar após uma semana de produção paralisada. Ele disse que planejava fazer um show com muitos de seus elementos cômicos, acrescentando um monólogo repleto de piadas e eliminando grandes emoções em cada linha do discurso. "Temos que ser cuidadosos e sensíveis", disse Leno, "mas chega um ponto em que queremos voltar a fazer o que era usual."

Mais afetado que os outros, The Daily Show, da Comedy Central, permanece fora do ar pela segunda semana. O apresentador e humorista Jon Stewart não via condições de reiniciar a produção de seu show apenas uma semana após os ataques. Segundo Letterman, o discurso do prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani, convenceu-o a voltar. Giuliani pediu para que os nova-iorquinos começassem a nova semana com determinação para trazer a cidade de volta à ativa.

No entanto, afirmam Josef Adalian e Michael Schneider [Variety, 17/9/01], se as edições extras continuarem interrompendo programas e distraindo os telespectadores, estréias de novos shows podem ter dificuldade em manter audiências. E o pior: a catástrofe de 11 de setembro pode fazer com que muitos programas pareçam mais idiotas que o usual. Ficar alucinado com novelas, por exemplo, pode parecer sem sentido para telespectadores preocupados com a mobilização mundial para uma guerra.

"O que poderia ser um sucesso há algumas semanas pode não ser mais agora", disse Mitch Metcalft, chefe de programação da NBC. "A psicologia da nação mudou."

De acordo com Sallie Hofmeister [Los Angeles Times, 18/9/01], as redes já perderam faturamento com a decisão de suspender intervalos comerciais durante a cobertura dos ataques e de adiar o lançamento de novas séries. Para o professor de mídia da Universidade de Syracuse, Robert Thompson, "a temporada foi comprometida de muitas formas. [As redes] não só perderam quatro dias de anúncios, mas sofreram uma perda incontável com a interrupção do impulso promocional dos novos shows que começam em agosto. Quem ainda se lembra de que show queria assistir?"

MÍDIA ÁRABE

Durante a semana marcada pelos ataques terroristas, a mídia árabe de todo o mundo ofereceu uma visão realista da imensidade da tragédia ocorrida nos EUA, demonstrando equilibradamente compaixão pelas vítimas e preocupação com represálias contra árabes-americanos ou muçulmanos. Os principais veículos também alertavam para a mobilização de Washington em direção da guerra.

Conta Nora Boustany [The Washington Post, 17/9/01] que jornais e emissoras de TV de países como Emirados Árabes, Qatar, Arábia Saudita, Jordânia e Líbano deram cobertura completa dos trabalhos de resgate no WTC e no Pentágono. Al Hayat, jornal árabe sediado em Londres, dedicou a primeira página da edição de sábado, 15, a mapas e gráficos de bases e depósitos de armas da Otan no Golfo Pérsico, no Oriente Médio e na Europa, sob manchete "América vai à guerra".

Muitos comentaristas se perguntaram se uma ação militar por si só eliminará o terrorismo. Ghassan Tueni, um colunista libanês, disse que a ameaça aos EUA não vem de armas nucleares, mas da fome e do povo oprimido. Abdel Wahab Badrakhan, do Al Hayat, afirmou que mesmo se o Afeganistão for reduzido a pó, os EUA poderiam continuar sendo alvo de ataques futuros.

Os árabes consideram a política americana na região indiferente ao sofrimento dos palestinos e protetora incondicional de Israel. A mensagem dúbia de condenação ao terrorismo e crítica à função dos EUA no conflito Israel-Palestina se fez evidente nos mosteiros do mundo árabe. Clérigos muçulmanos, cujos sermões são amplamente reportados pela mídia, repudiaram o ataque a civis inocentes.

Reportagens de capa sobre os ataques contra americanos descendentes de árabes competiram lado a lado com artigos sobre a investigação da FBI quanto aos aviões seqüestrados. Libaneses e iemenitas mortos no WTC e nos aviões também receberam atenção da mídia árabe.

Uma série de editoriais questionou a capacidade dos EUA de apontar e eliminar o terrorismo global. Hazem Saghiyeh, colunista do Al Hayat, escreveu que "a responsabilidade americana pelo que ocorreu é óbvia, assim como a nossa". Ele criticou os que "louvaram operações suicidas", afirmando que a política do Oriente Médio banalizou a vida humana e freou a liberdade de expressão.

    
    
                     

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