Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Empresas em crise, ensino em baixa

DIPLOMA EM XEQUE

Alberto Dines

Para encaminhar uma discussão séria, responsável e profícua a respeito da obrigatoriedade do diploma para o exercício de jornalismo, a questão precisa escapar das malhas do duplo corporativismo ? sindical e patronal.

O impasse estendeu-se por tanto tempo justamente porque foi reduzido a um confronto entre interesses gremiais e imediatistas, sem nenhuma preocupação em buscar soluções conciliatórias e/ou alternativas capazes de alterar o quadro.

Dois fatos precisam ser levados em consideração antes de entrar nos méritos da questão:

** A decisão da juíza partiu de uma ação iniciada pelo procurador André de Carvalho Ramos, do Ministério Público Federal de São Paulo. Considerando que o MP é o legítimo defensor da cidadania, a iniciativa ganha uma dimensão que não pode ser descartada ou minimizada.

** O segundo fato relaciona-se com este Observatório: os resultados da urn@ eletrônic@, embora desprovidos de validade estatística, indicam claramente uma tendência da sociedade brasileira para rejeitar a obrigatoriedade seguindo, portanto, a iniciativa do MP e da primeira instância do Judiciário [ para votar e conferir os resultados]. Significa que os segmentos ou as corporações mais interessadas na manutenção da obrigatoriedade do diploma não conseguiram mobilizar-se para reverter uma tendência no único fórum público sobre o assunto.

Aparentemente, tanto alunos como professores e empresários do ensino superior privado (sempre engajados intransigentemente a favor da reserva de mercado para os diplomados em jornalismo) desta vez revelaram-se desmotivados. Ou resignados.

Também o patronato mostra-se desfibrado, abstendo-se de comemorar o triunfo neste primeiro round judicial simplesmente porque havia muito contornava a lei através de diversos expedientes. Mais uma vez a lei fica sem efeito porque é burlada.

A grande verdade é que a questão da obrigatoriedade transcendeu o círculo restrito dos imediatamente interessados e reforçou a percepção generalizada sobre a baixa qualidade do jornalismo praticado no Brasil.

A sociedade ? ou o que ela tem de mais sensível ? percebeu o problema de forma mais abrangente do que os militantes dos dois lados ao constatar que a academia e as escolas de jornalismo hoje fazem parte do mesmo sistema mediático; funcionam como um reforço do "jornalismo de mercado" e, não, como a sua contestação.

Em outras palavras: professores e alunos aceitam os mesmos manuais, paradigmas e praxes utilizados nas redações quando, ao menos, deveriam argüir suas validades.

Nas duas mais importantes escolas de jornalismo dos EUA (Columbia e NYU, ambas de Nova York) o dado novo em matéria de currículo é a cadeira de media criticism. Os responsáveis pela alteração chegaram à conclusão de que pouco adianta ensinar como se pesquisa e narra uma história se o narrador não tem uma visão crítica do processo em que está enfiado. O jornalismo contemporâneo ou se fará com esta visão crítica ou NÃO será um jornalismo contemporâneo.

Os cursinhos internos de estagiários que neste final de ano estão sendo anunciados pelas principais empresas jornalísticas comprovam a ambigüidade da posição patronal: querem desenvolver os talentos jovens mas:

** à SUA maneira;

** com os SEUS instrutores;

** e a serviço da SUA visão de mundo.

Não esqueçamos que no curso interno da Folha de S.Paulo no início deste ano de 2001, um dos palestrantes foi o senador ACM ? então figura querida nos altos escalões do jornal ? que acabou renunciando para não ser cassado.

Em sua edição da última segunda-feira, 12/11, o Estado de S.Paulo publicou na nobilíssima página 2 um texto assinado por seu guru em matéria de crítica da mídia e também guru em matéria de formação jornalística, um primor ? na década passada já seria obsoleto.

Antes dos desdobramentos da decisão judicial da primeira instância é preciso que os interessados compreendam que a simples polarização entre obrigatoriedade e desregulação é insatisfatória, simplista e deletéria.

Por quê?

Porque a descomunal crise que se abateu sobre a mídia brasileira (e que os veículos não têm a coragem de noticiar) exigirá um encadeamento de soluções no qual o diploma (ou o canudo) será irrelevante, mas a qualidade final dos veículos jornalísticos será vital.

As empresas que, geralmente, dispõem de mais recursos e inclinação estratégica precisam perceber que, ao invés de apostar nos tais cursinhos internos convertidos em armas de marketing, precisarão investir no ensino superior convertendo as universidades em centros efetivos de produção de conhecimento.

Em 1986, no início da celeuma sobre o diploma, quando se pretendia inclui-la na Constituição (um grupo defendendo a obrigatoriedade e outro, contra), a questão exigia uma pronta definição. O patronato queria empalmar o poder político para fazer o que lhe dava na veneta. Precisava ser barrado. Razão por que este Observador pronunciou-se a favor da regulação do exercício profissional.

O texto constitucional felizmente escapou da dupla tentação casuísta e prevaleceu o decreto lei da Junta Militar. Aos que agora tentam desqualificar a legislação a partir da origem autoritária deveriam lembrar-se que a lei do divórcio, embora aprovada no Parlamento, foi também fruto de uma pérfida manobra do mesmo regime ditatorial (1977) para encurralar a Igreja Católica.

Agora não há pressa, há tempo para examinar alternativas: a fórmula dos cursos profissionalizantes de pós-graduação sugerida na ocasião (O Papel do Jornal, a partir da 5? edição, p. 157) é hoje perfeitamente factível:

** não prejudica os que estão se graduando em jornalismo;

** não acaba com as escolas de graduação privadas;

** não põe no olho da rua os professores de jornalismo expelidos do mercado de trabalho jornalístico;

** e, principalmente, pode dar às universidades públicas, uma função diferenciadora: ser a formadora dos pós-graduados oriundos de qualquer curso de graduação. [continua]

 

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