Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Entre o debate e a entrevista

PRESIDENCIÁVEIS
NA TV

Luiz Weis (*)

O debate entre os presidenciáveis, na Rede Bandeirantes (domingo, 4/8), foi o primeiro de um ciclo de seis (quatro deles antes do primeiro turno), já programados pela TV. No dia seguinte, o Jornal da Globo deu início à sua segunda rodada de entrevistas dos candidatos. O Jornal Nacional fará o mesmo no fim de setembro. Na semana que vem a Bandeirantes volta à carga com a sua própria série.

Como o pescado na Semana Santa de que falavam os jornais dos velhos tempos, não faltará ocasião para o eleitor comparar o desempenho dos candidatos nos programas de propaganda ? ambiente em que os marqueteiros e pesquiseiros têm toda a liberdade de pôr a mesa no capricho, para melhor servir o freguês ? com a sua performance sob o fogo cerrado de jornalistas e competidores.

Se o público não morrer de overdose e suportar civicamente a participação inédita e maciça da TV numa campanha eleitoral brasileira, ninguém vai poder dizer depois que votou "errado" porque não sabia que o seu preferido era por fora bela viola, por dentro pão bolorento. E nenhum presidenciável que meça mais do que os nanicos do PCO e do PSTU poderá se queixar de que não teve tempo suficiente para dar o seu recado com todos os efes e erres.

Além de serem os grandes equalizadores das oportunidades eleitorais nesta sucessão ? o que pode fazer uma diferença e tanto para as chances dos candidatos menos favorecidos na distribuição do tempo no horário gratuito ?, os debates e entrevistas, se a repercussão corresponder ao seu grande número, podem acabar sendo o ingrediente de efeitos inesperados na alquimia para a sedução do eleitor.

Candidatos, coordenadores de campanhas, bruxos da propaganda e oráculos das pesquisas vão todos ter que lidar com esse dado novo ? e, tomara, bom para refinar o voto do povo. O debate da Band, por exemplo, mostrou pela primeira vez as grandezas e misérias dos aspirantes ao Planalto, cara a cara uns com os outros.

Como todo mundo é mais ou menos a favor das mesmas coisas ? crescimento, emprego, estabilidade, educação, saúde, segurança e cidadania ? , o que o candidato tem é que convencer o eleitor de que ele, e não algum concorrente, é o mais honesto, competente e patriótico disponível na praça para fazer o que todos querem. Esse processo de conquista da confiança tem duas dimensões. Numa, o candidato aparece dizendo: "Vejam como sou bom". Na outra, "vejam como não sou o que falam de mim".

Isso sempre exige alguns malabarismos. No caso de Serra, mostrar-se independente do governo, mas proclamar (já ao apagar das luzes, é bem verdade) que se orgulha do apoio de Fernando Henrique e acusar o seu grande adversário no primeiro turno, Ciro Gomes, de não ter "coerência, consistência e compromisso com a verdade".

No caso de Lula, mostrar-se oposicionista sem dar murro na mesa, reformador responsável, com um programa capaz de juntar "o capital e o trabalho", numa alusão ao seu vice, o empresário José de Alencar, e ainda otimista com o país e maneiro com a concorrência.

No caso de Ciro, exige mostrar que tem na ponta da língua todos os fatos e números que um candidato precisa conhecer do Brasil, mas não é "dono da verdade"; falar economês para demonstrar preparo e logo se desculpar pela distração, e invocar o interesse nacional para explicar a aliança com o mesmo ACM (cuja mão beijou dias atrás em Salvador) de quem dizia, há poucos anos, ser "mais sujo do que pau de galinheiro".

No caso de Garotinho, desancar o presidente, declarar-se um governador exemplar do Rio de Janeiro e dar uma de "pobre, mas honesto", que não recebe dinheiro da banca nem faz acordos oportunistas com inimigos tradicionais, como Lula e Ciro.

Arquitetura democrática

A estratégia dos candidatos para os debates é uma e para as entrevistas, outra. Na primeira situação, esquematicamente, cada qual precisa provar que é melhor do que os demais. Na segunda, que é melhor do que o entrevistador, com as suas cobranças, pode estar sugerindo que ele seja. Na primeira, trata-se de ganhar uma queda de braço atrás da outra, deixando o adversário sem resposta ou, pelo menos, contra a parede. Na segunda, o objetivo é agir como se o jornalista que dispara perguntas incômodas em sua direção (e o interrompe quando ele menos deseja) é a encarnação de todos os 115,2 milhões de eleitores que precisa persuadir até 6 de outubro.

Nas duas situações, essas coisas não se excluem, mas têm peso muito diferente.

A menos que o político seja absolutamente incapaz de transmitir convicção e sinceridade, e de encher de cascas de banana o chão onde pisam os inimigos e ainda por cima não ter uma gota de telegenia no rosto ? hipótese absurda porque, se assim fosse, não teria chegado onde chegou ?, o debate é uma situação em princípio mais favorável do que a entrevista. Se leva, também pode bater ? e tirar proveito do tiroteio entre os outros, com um dos quais, aliás, provavelmente terá um pacto implícito de não-agressão.

Já a entrevista, se o entrevistador estiver à altura de seu papel, pode ser um pau-de-arara puro, no bom sentido, naturalmente. Aí, não basta que o político seja um debatedor impiedoso e cortante como um Carlos Lacerda dos tempos idos. Ele não tem com quem brigar (e se brigar com o entrevistador, tanto pior), mas tem que dar explicações que sobrevivam ao escrutínio de jornalistas severos, com a lição de casa feita. Em conseqüência, o eleitor tem mais a ganhar do que o entrevistado.

É apenas a opinião deste jornalista, mas três dos quatros presidenciáveis se saíram melhor, a seu juízo, no debate da Band do que nas entrevistas a William Bonner e Fátima Bernardes, no Jornal Nacional. Não há de ter sido por acaso.

Para os jornalistas que promovem debates com todos os candidatos viáveis juntos e os entrevistam separadamente, a primeira situação requer, de um lado, uma complexa arquitetura democrática (chances iguais para todos de perguntar, responder, atacar, defender, replicar, treplicar ? e receber tratamento igual das câmaras: ninguém será jamais mostrado de surpresa fazendo algo pouco "presidenciável") e, de outro, um design de espetáculo de auditório ("aquecimento", dramatização, estrutura de ritmo, divisão dos blocos, controle dos andamentos).

Sem público, sem jornalistas

As regras dos debates da Band são um rendilhado de detalhes, para excluir de antemão qualquer imprevisto ? e longos minutos do programa são gastos com o seu enunciado e reiteração. Nesse formato, o apresentador (desta vez, apresentadora) não apita quase nada. A decisão mais importante ? conceder ou não o direito de resposta solicitado ? é tomada pelo produtor e passada via ponto eletrônico. Os jornalistas convidados têm uma fugaz e modesta aparição: fazem uma pergunta a um candidato sorteado na hora e pedem a outro que comente a resposta.

Por serem mais de dois os participantes, talvez seja mesmo impossível evitar o espartilho, sem espaço para lances espontâneos. E, apesar do seu formato um tanto barroco, o programa funciona e o espectador sai no lucro, quando o número de candidatos é manejável.

Mas, quando são 10 ? dez! ? as figuras em volta do mesão, como deverá ocorrer no debate da Band com os aspirantes ao governo de São Paulo, não há remédio concebível para o desastre imposto pelo democratismo da legislação eleitoral. (Candidatos de partidos com representação na Câmara dos Deputados não podem ser excluídos.) É melhor tirar um filme na locadora mais próxima.

O debate na Rede Record, marcado para 2 de setembro, oferecerá um interessante contraponto a esse padrão. Não haverá público ? o que, para o telespectador fará pouca diferença, porque, na Band, o público é apenas parte do cenário, sendo admoestado quando se manifesta ? nem jornalistas convidados. Boris Casoy dará a saída com uma pergunta e tudo o mais serão perguntas entre os candidatos. Mas é claro que o princípio da igualdade de oportunidades não será menos respeitado do que na Band. A ver ? literalmente.

(*) Jornalista