Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Entre o público e o estatal

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FORÚM

Recentes manifestações do novo presidente da TV Educativa do Rio de Janeiro, dando como inevitável a montagem de uma nova grade de programação da emissora que dirige, podem colocar em risco a consolidação de uma Rede Pública de TV no país?

Laurindo Lalo Leal Filho (*)

"Uma boa idéia está no ar" é o título de um artigo que escrevi em janeiro de 2000 para a revista Educação saudando o surgimento da Rede Pública de TV. Eu havia assistido a reunião da Associação Brasileira de Emissoras Públicas Educativas e Culturais (Abepec), realizada em Belém, entusiasmei-me com a possibilidade do surgimento de uma alternativa pública às redes comerciais de televisão existentes no país e torcia pelo seu sucesso. Afinal, era a primeira vez que surgia a possibilidade real de termos uma rede de emissoras que caminhasse em busca de padrões semelhantes aos da PBS norte-americana ou da BBC, britânica.

A consolidação de uma rede desse tipo introduziria um diferencial de qualidade no conjunto da televisão brasileira, enfrentando o seu mal maior: a mesmice das programações. Seria a alternativa que o telespectador precisa para exercer o seu efetivo direito de escolha ? deixando de mudar de canal para ver programas iguais, como ocorre hoje. A decorrência ainda mais saudável para todo o conjunto da televisão no Brasil seria a necessidade que as emissoras comerciais passariam a ter de se adaptarem à nova situação, elevando a qualidade de seus programas.

Mas meu otimismo, naquele artigo, guardava alguns cuidados. Falava da precaução que deveria existir em relação à busca desenfreada de publicidade e destacava a delicada relação da maioria das emissoras integrantes da rede com os governos aos quais estavam vinculadas. Com exceção da TV Cultura de São Paulo, constituída sob a forma de uma fundação de direito privado e, por isso, menos vulnerável às investidas do Estado, as demais padecem desse mal. São, antes de tudo, emissoras estatais, dependentes política e economicamente do poder Executivo.

Alguns meses depois, em setembro de 2000, fui obrigado a voltar ao tema na mesma revista para contar que, infelizmente, o conceito de Rede Pública de TV começava a balançar. O abalo fora provocado pelo veto do secretário da Comunicação do governo federal, Andrea Matarazzo, à uma entrevista do líder do MST, João Pedro Stedile, nas TVs Educativas do Rio e de Brasília. A matéria foi ao ar pela TV Cultura dando, na prática, um bom exemplo da diferença existente entre uma emissora pública e uma estatal. O temor da ingerência do Estado sobre a rede pública, apontado no artigo otimista e esperançoso do início de 2000, infelizmente se justificava.

Indicator de qualidade

Agora, com a fragilização da rede, convém lembrar que o sonho do broadcasting público no Brasil começou com o rádio de Roquette Pinto, no anos 20. Ele funcionaria financiado pelos ouvintes, nos moldes da BBC. Uma idéia que naufragou no comercialismo radifônico consolidado a partir da década de 1930 e que só ressurgiu na proposta da Fundação Padre Anchieta, ao final dos 60. Em 1988, a Constituição recupera essa história e estabelece que a televisão no Brasil deve funcionar num sistema que leve em conta a complementariedade entre os modelos estatal, público e privado.

Até o momento, trata-se de letra morta. A hegemonia absoluta é da televisão comercial, ao lado de um conjunto pouco significativo de emissoras estatais e da TV Cultura de São Paulo, o único exemplo de TV pública do país.

Em um mundo cada vez mais unificado pelos mercados, a defesa da televisão pública vem se constituindo numa prática política de expressivo alcance social. Na contramão da tendência hegemônica que vê no mercado da audiência o único indicador de qualidade para a televisão, grupos e entidades têm mostrado na Europa e Estados Unidos que cabe à TV pública mostrar caminhos alternativos e, por isso, precisa ser defendida pela sociedade. No Brasil, a Frente Parlamentar em Defesa da Televisão Pública ? proposta por 239 deputados e 11 senadores ao Congresso Nacional ? é um exemplo dessa preocupação e necessita ser rapidamente ativada. Ao seu lado estão alinhadas entidades da sociedade civil que começam a se preocupar com a televisão, vista como um bem político e cultural e não apenas como um negócio.

Foi esse sentimento que provocou um certo recuo na posição inicial da extinção da rede. Embora reduzida em suas horas de programação comum, a transmissão nacional sobrevive, mostrando que a idéia de uma rede pública de televisão já está consolidada no imaginário cultural brasileiro. Não deixa de ser um alento.

(*) Jornalista, sociólogo, presidente da ONG TVer e professor da ECA-USP

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