Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Entre Resnais e Watson Macedo

NOVELAS

Nelson Hoineff (*)

Não é muito previsível que novelas das 7 citem Ninon Sevilla ou Vittorio Storaro. Nem que um transexual esteja entre os principais protagonistas ou que um personagem feminino acabe com dois homens. Quando tudo isso acontece é bom. Eleva o nível da teledramaturgia brasileira, que tem em Silvio de Abreu um de seus melhores e mais refinados autores ? e teve em As Filhas da Mãe (pelo menos no que dela restou de sua forma original) uma novela especialmente inteligente, ágil e criativa. Mas uma novela que não emplacou e cuja morte precoce virou tema de debate na grande imprensa [clique aqui para ler as entrevistas de Silvio Abreu reproduzidas na rubrica Entre Aspas, nesta edição].

Silvio diz que escreveu Aviso aos Navegantes e o público viu O Ano Passado em Marienbad. Dentro da emissora, muita gente que não conhece Alain Resnais nem Watson Macedo acha que a trama era simplesmente intrincada demais. Não acharia o mesmo se o produto tivesse sido um sucesso. Em televisão, quando alguma coisa não vai bem, você descobre na portaria.

Pérolas aos porcos? No início dos anos 70, bem no ocaso do cinema novo, era comum se ouvir que o filme era genial, o público é que era burro. No debate agora instalado, não falta quem estabeleça a mesma ilação.

Isso vai acontecer durante um bom tempo na TV, sempre que um programa transgredir e não obtiver resposta positiva. Antes de mais nada porque, em televisão, o público não responde ao programa, mas à circunstância em que ele está inserido. Abreu lembra o seqüestro de Silvio Santos e tem razão. Bastava um contexto ligeiramente diferente para que o mesmo conteúdo fosse mais procurado. Um livro ou um filme, o público sai para buscar. Na televisão, o público (sempre o mesmo público) está lá. No Brasil, sua tendência é se concentrar na Globo. Mas se algo de estranho acontece, um seqüestro ao vivo ou um Casa dos Artistas, a migração é inevitável.

No cabresto

O que o novelista possivelmente pensa ? e prudentemente diz por meias palavras ? é também um sintoma do fazer ou não fazer. Na dúvida, a maioria opta por não transgredir. O perigo não pára de bater na porta.

A razão para isso é que os padrões de avaliação do público são determinados pela própria televisão. É ela mesma quem informa ao espectador o que é bom e o que é ruim. Durante anos a televisão tem limitado, digamos assim, o repertório cultural da maioria esmagadora da população brasileira que tem nela o único meio de entretenimento e informação. Não se pode querer que, da noite para o dia, o público decodifique rebuscamentos narrativos ou entenda o que a Edith Head do Projac absorveu do Storaro.

O público não é burro. Mas também não é informado. Se não o informa, a TV o mantém no cabresto. Se o faz, abre extraordinariamente o seu leque. Silvio de Abreu está entre os autores que tem preferido essa opção. Os resultados podem não ter o imediatismo de um reality show. Mas costumam ser bem menos efêmeros.

(*) Jornalista e diretor de TV