Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Escândalos políticos: parte do jogo?

Vera Chaia (*)

 

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o cenário político contemporâneo, onde predomina uma sociedade midiática que faz do espetáculo sua maneira de ser, a política adquire um outro sentido, devendo se adaptar a esta nova forma social. A mídia, neste contexto, deve ser compreendida enquanto fonte geradora de sistemas de representação da realidade, utilizados seja para compreender a sociedade ou para acionar diferentes formas de ações.

Na nossa sociedade, onde a centralidade dos meios de comunicação é um fato, ocorre a adequação da política a estes meios. As lideranças políticas necessitam da mídia e conseguem se firmar nesta situação à medida que sua imagem é veiculada pela mídia. A publicização torna-se fundamental para deflagrar ou firmar qualquer carreira política. No entanto, este processo de publicização pode acarretar problemas para estas lideranças, pois a arena da política está mais exposta a riscos e os políticos não conseguem controlar a visibilidade e o poder da mídia.

Os caminhos políticos se abrem sob estas novas condições midiáticas, mas a vulnerabilidade das lideranças políticas também aumenta à medida que fatos políticos favoráveis ou não são publicizados. Várias colunas em jornais, programas de rádio e televisão são produzidos para divulgar não só as realizações destes políticos, mas suas gafes. Um exemplo deste tipo de programa foi a Crônica Indiscreta de Alexandre Garcia, veiculada pelo Fantástico da TV Globo, onde eram registrados todos os deslizes dos políticos, com acentuadas doses de ironia e de crítica.

A diferença entre personagem de vida pública e “ordinary people” é que no segundo caso os deslizes são perfeitamente perdoáveis e assimilados, mas para uma liderança política cometer uma gafe pode ser um erro político, às vezes irrecuperável na sua carreira política. Quem não se lembra da frase de Paulo Maluf: “estupra mas não mata”; idéia esta constantemente relembrada por seus inimigos políticos?

Atualmente estamos acompanhando a divulgação de uma série de escândalos políticos. Na sociedade contemporânea, com o poder da mídia, a vida privada destas lideranças ficou escancarada. Isto significa afirmar que não existem mais segredos particulares e nem “segredos de estado”. Veja-se o caso dos “grampos” telefônicos feitos contra o próprio presidente da República e membros de seu governo (Caso BNDES).

Por que aparecem os escândalos políticos e quais as conseqüências para a vida política e social? O sociólogo John B. Thompson, professor da Universidade de Cambrigde, Inglaterra, construiu uma Teoria Social do Escândalo para apreender este fenômeno sóciopolítico. No caso específico desse país, esta problemática sempre esteve presente: lembremos do famoso Caso Profumo, um grande escândalo que agitou a vida política inglesa, e que envolveu um ministro que, indiscretamente, passou alguns segredos de Estado para uma prostituta. Atualmente outros escândalos estão aparecendo com a divulgação por um jornal sensacionalista inglês (The Sun) de nomes de ministros supostamente homossexuais.

O escândalo é aquele fenômeno que se traduz em ações que podem afetar a reputação de pessoas, ações ou eventos, supondo a existência de transgressões a valores, códigos morais que são levadas ao domínio público e que provocam reações. Os escândalos devem ser qualificados dependendo da sociedade em questão, pois valores e normas variam dependendo do contexto sóciopolítico. Neste sentido podemos classificar escândalos que envolvem: sexo/comportamento, financeiro/corrupção, e exercício do poder político/falta de decoro parlamentar.

Claro que ocorrem transgressões sem que estas se transformem em escândalos políticos. A simples suspeita de um escândalo pode desencadear um escândalo. E é neste sentido que a mídia exerce um papel importante, o de tornar público o escândalo, onde se expressa a desaprovação por aquela transgressão, oferecendo um campo profícuo para a articulação de um discurso moralizador e reprovador. O caso do escândalo sexual que envolveu o presidente Bill Clinton e a estagiária Monica Lewisnki se enquadra neste discurso moralizador e se transformou num grande escândalo político pela ação de um promotor republicano.

O que está em jogo não é somente a verdade, mas a reputação de indivíduos, que pode ser afetada irremediavelmente. Citemos a ação de forças opositoras (suspeitos o ex-governador Paulo Maluf e o ex-presidente Fernando Collor de Mello) ao atual governo que tentaram divulgar, nas últimas eleições, uma série de documentos que pressumivelmente comprovava a existência de uma conta bancária nas Ilhas Cayman (Dossiê Caribe) e que denunciava Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Mário Covas e Sérgio Mota, como possuidores desta conta em nome de uma empresa CH&J-T. Na divulgação destes documentos, a mídia foi muito cautelosa, pois envolvia altas lideranças políticas.

As reações ao escândalo são várias, desde a simples negação, até a alegação de calúnia, difamação. Raros são os casos de escândalos onde o acusado, não tendo outra saída, adota a confissão pública com o objetivo de contar com a compreensão das pessoas. Também aqui podemos citar o presidente Clinton, que teve sua vida sexual devassada e transmitida pelos canais de televisão através da divulgação de seu depoimento prestado nos tribunais americanos.

Porém nem todos os escândalos são assuntos midiáticos, explorados pela mídia. A quem interessam certos escândalos? A visibilidade midiática é utilizada para que certos grupos/pessoas alcancem certos objetivos: desmoralizar uma liderança, condenar um político, ‘matar’ um adversário, e por vingança. Na realidade estas lideranças ficam ‘presas’ nas descobertas da mídia, o que pode provocar um desfecho não premeditado pelos agentes desencadeadores e deflagradores do escândalo. Podemos citar dois exemplos desta situação, o caso do escândalo político do Watergate, que provocou a queda do presidente Nixon, e o nosso Collorgate, que também provocou o impeachment do presidente Fernando Collor de Mello.

O papel desempenhado pela mídia na publicização do escândalo político também é reforçado pelos ‘espectadores’ que acompanham freneticamente e ansiosamente os passos e as descobertas da mídia ou das autoridades competentes sobre determinados acontecimentos/pessoas.

Quais são as conseqüências dos escândalos políticos? Claro que pessoas são envolvidas, reputações são questionadas, carreiras políticas podem ser destruídas. Porém o que mais nos chama a atenção é que, em determinadas situações, ocorre a quebra da confiança no papel de certas instituições. A mídia em alguns escândalos exagera em suas observações e avaliações, chegando a generalizar certas atitudes, como se toda a categoria dos políticos agisse de uma maneira comum. O político, em alguns momentos, é avaliado negativamente, e torna-se sinônimo de corrupção.

Neste sentido é que devem ser compreendidas as comissões de investigação, mas principalmente as Comissões Parlamentares de Inquérito, formadas para acompanhar os escândalos e, restaurar, à medida do desgaste político, a confiança nas instituições.

A democracia só se aprimora quando a liberdade de expressão é preservada e quando tais transgressões ou são punidas judicialmente ou são compreendidas pelos cidadãos.

Infelizmente, o escândalo político é um tema que nunca sai de pauta!

(*) Professora de Política da PUC/SP e pesquisadora do Neamp (Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política)