Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Espectadores, observadores ou coadjuvantes?


Kerly Kazumi Tanaka

 

D

ifícil é sair do filme sem pensar na vida que levamos. Onde a verdade vira um conceito pra lá de explorado não só pela mídia, formadora de opinião, mas também pelo universo científico, que é em teoria formador de senso crítico.

No mundo de Truman todos são prisioneiros: o diretor Christof, a mulher de Truman, seu amigo. Todos vivem em função do personagem principal. Todos vivem em função de uma mentira que ajudam a alimentar.

O personagem vivido por Jim Carrey pode ser apenas uma marionete nesse contexto, mas é a única figura verdadeira.

O Show de Truman é uma paródia da realidade onde em tese o imaginário é inventado e o real construído.

Nesse sentido, concordo com Mauro Malin (ver Entre aspas) sobre o filme ser pré-internet. Na minha ótica porém, o filme não é anterior à internet, mas coexiste paralelamente, como o espelho do banheiro de Truman, que nos oferece três imagens: a do ator – refletida e invertida -, a que vemos pelo espelho – a imagem real – e a que vemos além do espelho, do outro lado, onde mora a “verdade”.

Mas o que é real dentro desse mundo caótico em que vivemos? Não seria talvez uma grande mentira que temos de engolir em nome da sobrevivência? E a mentira, o imaginário? São realmente apenas elementos catárticos?

Às vezes tendo mais a concordar com o sinistro Christof: na Trumania as mentiras não são diferentes daquelas que existem do outro lado da bolha. Indo um pouco mais além, a bolha em que vivemos não difere muito de Seaheaven: a baía paradisíaca cercada pelo mar limítrofe da realidade.

Não só a mídia, mas também nós ajudamos a construir o simulacro que vivemos. Afinal, quem aceita passivamente a manipulação dos achocolatados que invadem nossos monitores de televisão? E a mídia, o terrível vilão, quem ajuda a produzir? Não seriam as mesmas pessoas presas na grande bolha do cotidiano?

Aliás, o que é a mídia? Da forma que a tratamos, parece um ser independente, dotada de vontade, mas ela nada mais é do que a expressão da verdade própria de cada pessoa que ajuda a construí-la: dos atores e apresentadores aos donos de empresas, passando pelos jornalistas, professores e estudantes universitários e por aqueles que observam e criticam todo esse mecanismo.

Pode parecer insano, mas somos todos coadjuvantes. Incluindo nós, atentos observadores, como são atentos os espectadores d’O Show de Truman, sentados na lanchonete, ou fazendo a vigilância noturna. Resta saber se cerradas as cortinas pediremos mais um pedaço de pizza ou ajudaremos no processo de construção de uma mídia um pouco mais honesta. Coadjuvantes com ou sem condescendência?