Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Estrela Serrano

DIÁRIO DE NOTÍCIAS

"No rasto da notícia", copyright Diário de Notícias, 20/1/02

"Seguir o percurso de uma notícia desde a sua publicação constitui um exercício a que os leitores, naturalmente, não se dedicam, a não ser nos casos em que os assuntos noticiados os afectam directamente, ou quando se trata de temas de grande alcance e projecção, tais como conflitos internacionais ou acontecimentos nacionais de relevo, como a queda do Governo, o desfecho de eleições, a investigação de crimes graves de natureza policial ou económica, entre outros.

Na maioria dos casos, porém, as notícias morrem no momento em que nascem.

Muitos assuntos ? por vezes, constituindo matéria de capa dos jornais ? não possuem aprofundamento em edições seguintes, ficando o leitor sem saber como evoluíram. É um fenómeno que se verifica não apenas nos jornais de cariz popular, mas, também, em alguma imprensa ?de referência?.

Submersos pela avalanche informativa, os jornalistas não possuem, geralmente, tempo para seguir o desenrolar de grande parte dos assuntos que noticiam. Esta situação é consequência do próprio processo de produção das notícias. Os media orientam-se mais para os acontecimentos do que para os movimentos lentos e profundos que fazem evoluir as sociedades. Por isso, os problemas críticos e crónicos não são, geralmente, notícia. Pelo contrário, os acontecimentos abruptos têm cobertura garantida, embora, na maioria dos casos, os desenvolvimentos subsequentes sejam esquecidos. Ocasionalmente, os media revisitam os assuntos a que deram destaque, mas raramente os acompanham sistematicamente. E, no entanto, muitas das ?pequenas? notícias espalhadas pelo jornal revestem-se de inegável interesse para os cidadãos.

O DN não é, no que toca a esta realidade, excepção. Um breve relance pelas últimas semanas levará o leitor a interrogar-se, por exemplo, sobre se o Regresso do perigo da BSE, noticiado na 1.? página da edição do passado dia 10 é, ou não, uma ameaça. É certo que na página 15 da mesma edição se refere que se trata de uma ?hipótese meramente teórica?. Mas a dúvida ficou instalada, tanto mais que, segundo o estudo que serve de base à notícia, a ameaça ?não é uma hipótese remota?. Trata-se de um assunto de inegável interesse público que importaria acompanhar.

Seria também de utilidade e interesse para os leitores conhecer o desfecho da polémica que tem oposto o DN ao Ministério da Administração Interna (MAI) a propósito do pedido, feito pelo jornal, dos ?registos diários e por quilómetro dos acidentes de viação ocorridos nos últimos três anos em 26 estradas portuguesas?. No dia 9 do corrente, o DN anunciou, nas páginas dedicadas ao DN Estrada Viva ? rubrica de grande interesse e utilidade ? que o ?Governo esconde pontos negros? e que o MAI recusa divulgar esses dados, assunto que mereceu, nesse dia, chamada de 1.? página. Segundo a jornalista Paula Sanchez, o máximo que o DN conseguiu obter do MAI foi a ?relação provisória dos acidentes graves e do número de vítimas, ocorridos entre 1 de Janeiro e 15 de Novembro de 2001 nas estradas solicitadas, sem (…) referência aos locais, à quilometragem e às datas em que os mesmos aconteceram?. O secretário de Estado da Administração Interna respondeu que ?a Brigada de Trânsito da GNR (BT/GNR) não dispõe dos dados pretendidos?, mas a jornalista considera que esse facto ?não deixa de ser estranho, uma vez que, mensalmente, a BT faculta ao DN a relação dos locais onde sucedem os acidentes de que resultam mortos?.
A notícia da recusa do MAI em facultar os dados continuou nos dias seguintes, com títulos como BT tem registos de acidentes (10/1) e Governo esconde pontos negros (12/1), tendo, no dia 12, o DN publicado uma carta do secretário de Estado, onde o governante, apesar de afirmar não ?pretender fazer qualquer processo de intenção?, se confessa ?forçado a concluir que as notícias publicadas (…) são, no mínimo surpreendentes?. Na sua carta, aquele membro do Governo afirma ter sido informado pelo comandante da BT/GNR que os dados pedidos pela jornalista não existem, acrescentando que os mesmos serão facultados ?logo que estejam disponíveis?. Apesar desta explicação, o DN continuou a noticiar que o MAI recusou fornecer os dados.

A contradição entre as informações que a jornalista refere ter obtido da BT/GNR e a informação dada ao secretário de Estado pelo comandante da mesma BT, de que esses dados não existem, surge como algo incompreensível. De facto, independentemente do interesse de que se reveste o conhecimento dos citados dados, os leitores têm o direito de saber o que se encontra, afinal, por detrás desta aparente dualidade: a BT/GNR fornece informações ao DN, mas o seu comandante diz ao Secretário de Estado ? que tutela aquela corporação ? que esses elementos não existem.

Interessaria, pois, que o DN esclarecesse o enigma que parece pairar sobre os dados pretendidos pelo jornal, em primeiro lugar, porque eles são úteis para o público, em segundo lugar, para que não fiquem dúvidas sobre a transparência do Estado no que se refere à divulgação de informação de interesse público e, em terceiro lugar, para que a insistência do DN, em dizer que o MAI recusa fornecer os dados, não surja, aos olhos dos leitores, como uma afirmação sem consistência, como se depreende da resposta do MAI ao considerar ?surpreendentes? as notícias publicadas sobre o assunto.

Bloco-notas

Perguntas Filipe Alexandre Madaleno: ?Na edição do DN, de 23 de Novembro, titula-se: Álcool matou 40% em 2000. Citam-se, depois, conclusões de análises (…) que confirmam que cerca de 40% dos sinistrados das estradas portuguesas apresentavam níveis de alcoolemia. De entre eles, um terço registava um índice inferior a 0,5 gramas. Mesmo tendo em conta que um condutor alcoolizado é sempre culpado (mas sabendo que, com um nível até 0,5 não o era, em 2000…) as minhas perguntas são as seguintes: Pode o DN dizer, com base nestes estudos, que todos os condutores que morreram foram culpados ou causadores dos acidentes que os vitimaram? Pode o DN confirmar (…) que nenhum deles foi vítima da negligência, manobra perigosa ou imperícia (…) de condutores sem qualquer nível de alcoolemia? Pode o DN afirmar que, caso estes condutores não registassem qualquer nível de alcoolemia, os acidentes teriam sido evitados? Ou, pelo contrário, muitos deles aconteceriam de qualquer forma? Em caso afirmativo a todas estas perguntas, este título-conclusão (?álcool matou?…) estaria certo. Mas isso não está na notícia (…). A ideia que transparece, é que o DN faz campanha pelo abolicionismo. Sem dados que sustentem a respectiva opção.?

O director do DN, Mário Resendes reconhece ?alguma razão nas observações do leitor?, acrescentando ?que também está certo quando diz que o DN pugna por uma legislação severa contra os condutores alcoolizados?.

Outra pergunta Vítor Manuel Serra: ?Não vi nenhum artigo de realce sobre a nova Lei de Bases da Segurança Social (…) e estou muito interessado. Não consigo encontrar respostas às minhas perguntas: (…) bastam 40 anos de descontos para se poder reformar, independentemente da idade? E como ficam os funcionários da Função Pública? Não poderão ser feitas simulações para comparar a antiga fórmula com a nova lei? Como se encontra o salário de referência??

?… De etnia cigana? Dois leitores reagiram à coluna da provedora do passado dia 7. Diz João B. Teixeira: ?Porque se diz de etnia cigana? Sabia que muitos dos ciganos não têm nacionalidade portuguesa, nem sequer papéis de identidade? São nómadas com um tipo e higiene de vida muito especiais e por vezes perigosos. São de etnia cigana. É a verdade (…). V. Ex.? deve também saber que a maioria desses indivíduos não gosta de trabalhar (nem pagam impostos) e, apesar disso, muitos são ricos. Donde vem então o dinheiro (…)? Não compreendo que se aceite, e mesmo se defendam, as pessoas que vivem à margem da nossa sociedade e que, ainda por cima, são bem acolhidas num país que não é o deles.?

Óscar Martins: ?Não seria muito mais correcto fornecer todos os factos acerca de uma determinada notícia, sem fazer qualquer tipo de encobrimento ou censura e deixar a cada cidadão o direito de fazer o juízo que bem entender desses mesmos factos? O ?direito à informação? não significa o direito a toda a informação??"