Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Estrela Serrano

DIÁRIO DE NOTÍCIAS

"Sondagens e previsões", copyright Diário de Notícias, 18/2/02.

"As sondagens são um importante meio de auscultação da opinião pública. Os media usam-nas, cada vez com maior frequência, porque elas constituem uma importante fonte de notícias, a que não falta o caracter ?científico?, que os números sempre conferem. Mas as sondagens podem ser, também, instrumento de manipulação, se os dados obtidos não forem tratados com o necessário rigor. Nem todos os jornalistas ? nem, muito menos, todos os leitores ? dominam as técnicas de interpretação de sondagens ou estão preparados para analisar as fichas técnicas e avaliar, assim, a sua representatividade.

Por outro lado, as sondagens não são instrumentos infalíveis de medição da opinião pública, como ficou provado na última campanha eleitoral para as autárquicas. Daí que a sua publicação se deva fazer com acrescido cuidado. Porque, se é certo, que não são os media que fazem as sondagens, são, pelo menos, responsáveis pela sua divulgação.
Nos últimos meses, duas sondagens divulgadas pelo DN, provocaram reparos de leitores.
Numa delas, de carácter internacional, o DN não divulga a ficha técnica, deixando os leitores interessados sem possibilidade de a avaliar. A outra, por sua vez, assenta em metodologia discutível. Ambas foram objecto de títulos de capa do jornal. A maioria dos norte-americanos apoia ataque nuclear, era o título do dia 9 de Novembro p. p.. Olivier Bonamici, jornalista, manifestou-se ?surpreendido? com este título, que surgia como resultado de uma sondagem do Instituto Zogby Internacional. ?Intrigado?, o jornalista procurou a sondagem na Internet. Os dados que encontrou levaram-no a interrogar-se sobre ?como é que, a partir desta sondagem, o DN pode escrever tal título na capa?. Bonamici não tem dúvidas de ?que houve má leitura da sondagem, com consequências graves?, porque, desde esse dia, tem ouvido comentários negativos influenciados pela capa do DN. Em sua opinião, o título e a fotografia escolhida levam a pensar que ?o sensacionalismo venceu a verdade?.

Analisando os dados da sondagem, publicados na Internet, verifica-se que a pergunta procurava apurar, de entre seis soluções contra o terrorismo, quais eram, na opinião dos inquiridos, as soluções ?eficazes? e as ?não eficazes?. Os resultados obtidos não permitem a leitura que o DN faz. De facto, só a ?guerra biológica? recolhe uma maioria de opiniões como solução ?não eficaz?. Todas as outras são consideradas eficazes, sendo as mais eficazes (90% dos inquiridos) ?a acção das forças especiais? e os ?bombardeamentos da Força Aérea americana?. Como refere o leitor, a pergunta não era: ?Apoia ou não o ataque nuclear??, ao contrário do que sugere o título do DN. A não publicação da ficha técnica impediu os leitores de conhecer o objectivo da sondagem.

Outro leitor, Valter do Carmo Duarte, questiona a notícia de capa do DN, do passado dia 25, também baseada numa sondagem: PSD tem 8 pontos de avanço sobre o PS. Diz o leitor que, ao ler o artigo, verificou que se tratava de uma ?projecção de voto?, que dá 34% ao PS e 42% ao PSD. A ficha técnica da sondagem indica que ?os resultados brutos dão 28,1% dos votos tanto a PS como a PSD? e que ?a projecção de voto parte do pressuposto que os não respondentes terão um comportamento idêntico ao das últimas legislativas?. Segundo a citada ficha, ?a redistribuição baseia-se num modelo matemático que integra os resultados da sondagem nos últimos três meses?. Pergunta, então, o leitor: ?Como é que a partir de um empate de 28,1% entre PS e PSD se extrapolam estes resultados para uma projecção que dá 34 e 42%?? Carmo Duarte tem dúvidas sobre ?a fiabilidade da sondagem? e ?que o modelo matemático usado anteriormente se possa aplicar (…) à nova realidade que se vive hoje?.
O director do DN, Mário Resendes, considera que a Marktest, responsável pela sondagem, ?é uma empresa com créditos de rigor firmados no mercado e merece ao DN toda a confiança?.

Dada a especificidade das questões colocadas pelo leitor, a provedora recorreu ao parecer de um especialista em estudos de opinião. Vidal de Oliveira, professor na Escola Superior de Comunicação Social, considera que ?a sondagem será, com certeza, credível, dada a empresa que a realiza?. Contudo, em sua opinião, ?poderá haver dúvidas sobre a validade do modelo de previsão?, devendo estabelecer-se uma distinção ?entre sondagem e previsão?. Vidal de Oliveira refere que ?o DN dá ênfase ao modelo de previsão e não à sondagem?, acrescentando que a sondagem permite, apenas, dizer que, entre os dias 15 e 18 de Janeiro, a intenção de voto era de 28,1% para ambos os partidos. Sobre o pressuposto de que ?os não respondentes terão um comportamento idêntico ao das últimas legislativas?, Vidal de Oliveira concorda que ?a realidade poderá ter mudado com as autárquicas?, pelo que ?considerar os resultados dos três últimos meses poderá introduzir algum ?ruído? nas previsões efectuadas?.

Em suma, segundo Vidal de Oliveira, na notícia em questão, ?o DN dá o resultado de uma previsão com base na sondagem e não o resultado, propriamente dito, da referida sondagem?.

O título teria sido, pois, mais rigoroso se, em vez de anunciar PSD tem 8 pontos de avanço sobre o PS, o DN tivesse optado por dizer que, segundo os resultados desta sondagem, PS e PSD estão tecnicamente empatados, e que o desempate será feito pelos 25,1 % de inquiridos que não indicaram opção política."

Bloco-notas

?Lobbying? ? No passado dia 11 o correspondente do DN, em Nova Iorque, Manuel Ricardo Ferreira, assinava uma peça com o título Enron aperfeiçoa tráfico de influências. O texto debruça-se sobre as actividades de lobbying, efectuadas pela Enron, ?junto dos políticos para fazer valer os seus interesses?. Diz o correspondente do DN que, ?além dos políticos, havia um grupo selecto nas folhas de pagamento da Enron: os opinion makers, contratados como ?conselheiros?. Duas visitas por ano à sede da Enron ?garantiam-lhes uma avença anual de 50 mil dólares?.

Segundo M. R. Ferreira, ?faziam parte deste conselho personalidades do jornalismo americano, como W. Kristol, editor da Weekly Standard; P. Krugman que hoje integra o New York Times, e L. Kudlow, da CNBC?, entre outros. ?A estratégia da Enron funcionou: durante anos, foi aprovada legislação que lhe convinha no campo da desregulamentação da energia?, escreve M. R. Ferreira.

Sobressalto ético ? O lobbying é uma prática legal nos EUA, usada por pessoas ou grupos que actuam em nome de interesses específicos, tentando influenciar governos e instituições com poder.

A contratação de jornalistas como lobbyists da Enron causou um sobressalto ético ? tímido e cauteloso, embora ? nos meios jornalísticos norte-americanos. Um dos implicados, P. Krugman, actualmente editorialista no NYT, veio explicar-se num editorial publicado no passado dia 25, onde se considera vítima de perseguição por parte de colunistas e jornais conservadores. Krugman explica que se demitiu do ?conselho? da Enron quando começou a escrever para o NYT, ao contrário do que fez outro jornalista, W. Kristol, que era, ao mesmo tempo, membro desse ?conselho? e editor da Weekly Standard. Krugman pede aos leitores que comparem o distanciamento crítico dos seus textos, no NYT, sobre assuntos que interessavam a Enron, com as posições de outro lobbyist, L. Kudlow, comentador da CNBC e da National Review.

Perguntas ? Na sua coluna de crítica dos media no Washington Post (30/1), o jornalista Howard Kurtz pergunta: ?O que é que as corporações compram, quando dão milhares de dólares aos políticos?? Estendendo a questão aos jornalistas, Kurtz pergunta: ?O que é que as corporações compram quando ?untam? as mãos de membros importantes do jornalismo??. ?Devem colunistas e comentadores aceitar ser pagos por empresas, como a Enron, acerca das quais vão, depois, tecer convictas considerações (…)? Se não fosse o espectacular colapso da Enron, alguma vez se conheceriam essas ligações financeiras? E que outras situações existirão sem vir à luz do dia??, pergunta Kurtz.

A ?factura? ? Diz Kurtz que ?muitos destes comentadores fazem indignados comentários quando os políticos aparecem a ?pagar as facturas? de quem deu dinheiro para as suas campanhas?, acrescentando que é difícil, a um jornalista, evitar conflitos de interesses quando trabalha para uma grande empresa e, ao mesmo tempo, escreve artigos e fala na televisão."