Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Estrela Serrano

DIÁRIO DE NOTÍCIAS

"As palavras e as imagens" copyright Diário de Notícias, 15/4/02

"A cobertura jornalística do conflito israelo-palestino desencadeia, nos leitores, reacções apaixonadas. Essas reacções incidem, na maioria dos casos, sobre títulos e fotografias da primeira página e em alguns editoriais dedicados ao assunto. A provedora não recebeu queixas contra o conteúdo das notícias sobre o tema, publicadas noutras páginas do DN, nem, tão pouco, existem reparos quanto à pluralidade das vozes que, em espaços de opinião, se exprimem no jornal. Não é, pois, justo, nem rigoroso, afirmar que a cobertura do conflito israelo-árabe efectuada pelo DN é parcial, como fazem alguns leitores. Mas pode afirmar-se que, em alguns dias, o jornal tomou partido por uma das partes, quer em editoriais, quer em títulos de primeira página.

Importa referir que cerca de dois terços das queixas dos leitores incidem sobre títulos ou fotografias da primeira página. É certo que um jornal não pode agradar a todos e que apenas uma minoria de leitores se manifesta sobre o seu conteúdo. Também é verdade que o DN reconhece, aos leitores, o direito de protestarem, publicando as suas cartas e mantendo, para eles, uma instância de recurso, como o provedor, independentemente do facto de acolher, ou não, os seus reparos. Mas, talvez valesse a pena reflectir sobre as razões da persistência das críticas a alguns títulos e fotografias da primeira página, controversos do ponto de vista do rigor e da ética.

O título de capa do DN do dia 1 de Abril ? ?Arafat é terrorista? ? e a fotografia do atentado suicida, publicada na primeira página da edição do dia 11 de Março, motivaram palavras duras e sentidas de leitores.

O DN foi acusado de parcialidade pró-Israel, de elaborar títulos ?gratuitos? e de escolher ?a via da desinformação para ?levar a água ao seu moinho?. Nem o uso de aspas ? a pretender assinalar a desresponsabilização do jornal, relativamente à autoria da frase da capa ? serviu de atenuante. ?O DN aproxima-se do abismo. A extensa história do jornal merecia outro final?, diz Vítor Antunes. ?Sinto vergonha por exercer a mesma profissão que os responsáveis por esta forma menor de fazer jornalismo?, afirma José Pedro Borges.
O director do DN, Mário Resendes, afirma que ?o título em questão, é, como é óbvio, a transcrição de uma afirmação de terceiros. Por isso estava entre aspas?.
Acontece, contudo, que, nem no subtítulo onde se cita uma das frases ditas por Ariel Sharon sobre Arafat ? ?inimigo de Israel e do mundo livre? ? nem em nenhuma linha dos textos publicados nesse dia ? se encontra a expressão tal como é citada na capa.

A frase em que, presumivelmente, o título se inspirou, atribuída a Sharon no texto do enviado do DN a Israel, é ?este terrorismo é orquestrado e dirigido por um só homem, Yasser Arafat?. A palavra ?terrorista? é, aliás, utilizada com precaução pelos jornalistas que cobrem o conflito, que preferem usar o termo ?suicidas? para se referirem aos autores dos atentados. Mas, ainda que a expressão ?Arafat é terrorista? tivesse sido dita, por ?terceiros?, perante uma situação tão complexa como a que se vive no Médio Oriente, a prudência aconselharia o abandono de um título tão drasticamente acusador. Uma simples amostra do sentir dos leitores, relativamente a essa frase acusatória, foi dada pelos entrevistados na rubrica Inquérito, publicada na edição do dia seguinte, a quem o DN– usando as exactas palavras do primeiro-ministro israelita ? perguntou se ?Arafat é inimigo do mundo livre?.

Todos responderam negativamente, mostrando, assim, implicitamente, que não se identificaram com o título do dia anterior. Dir-se-á que a expressão dessas opiniões recentrou a posição do DN. Mas o efeito bombástico daquela primeira página estava consumado. De facto, a frase escolhida para a capa ? ?Arafat é terrorista? ?, reduzindo uma questão complexa a um flash de sintaxe elementar com sujeito, predicado e nome predicativo, constitui um exemplo dos excessos a que pode conduzir a procura de efeitos espectaculares.

Sobre a fotografia do atentado publicada na capa do dia 11 de Março, diz Teresa Morais: ?O DN chocou milhares de pessoas, apanhando-as desprevenidas e não lhes dando oportunidade de se defenderem da brutalidade que é a visualização de um massacre. Esperava de um jornal com a tradição e reputação do DN (…) uma maior consciência do impacte e projecção do jornal (…) Descobri um jornal igual aos outros, interessado apenas em vender exemplares, nem que para isso tenha de recorrer à violência e exibição da morte.?

A este lamento da leitora, respondeu o director do DN, Mário Resendes: ?Reconheço que é brutal, mas é importante que ? tal como o fazem tantos outros jornais de referência em todo o mundo ? essa violência chegue à primeira página dos jornais, para ficar clara a enormidade dos autores desses atentados.?

A fotografia dos corpos ensangüentados expostos na primeira página, apesar do ?realismo? que lhe pode ser reconhecido e do sentimento de revolta contra os seus autores que, naturalmente, desperta, representa, contudo, apenas, uma parte da violência vivida no local. Trata-se, como em muitos outros casos, de imagens onde os acontecimentos não se dão apenas a ver, mas também a não ver.

Seria, no entanto, preocupante que a violência verbal e física que caracteriza este, ou outro, conflito fosse acompanhada da violência (simbólica) dos títulos e fotografias das primeiras páginas.

Bloco-notas

Legenda ? O leitor Pedro Peres chama a atenção para a legenda da fotografia publicada na capa do passado dia 8, onde se afirma que ?(…) Israel terá o tempo necessário para levar a cabo a operação planeada para pôr fim à escalada dos atentados suicidas?, frase que é remetida para o texto do enviado do DN a Israel, António Rodrigues. Contudo, lendo o texto deste jornalista, verifica-se que, afinal, a legenda reproduz a visão de Collin Powell referida, noutro texto, pelo correspondente do DN em Nova Iorque, M. Ricardo Ferreira. O leitor ?gostaria de ver este tipo de casos tratados com mais cuidado.

Lá fora ? Não é só em Portugal que a cobertura jornalística do conflito israelo-palestiniano provoca reacções dos leitores. Uma consulta às páginas de outros jornais mostra-nos alguns exemplos. Don Wicliff, do Chicago Tribune, dá nota de uma reunião havida entre representantes do jornal e membros da comunidade judaica de Chicago, na sequência de manifestações que esta comunidade realizou em frente do edifício do jornal e de campanhas organizadas para cancelamento de assinaturas, devido ao que consideram ser cobertura anti-israelita. Segundo o jornalista, nessa reunião foram discutidas questões como o uso da palavra ?terrorismo?, o tratamento dado, em algumas colunas, ao primeiro-ministro Ariel Sharon, a selecção, dimensão e colocação de fotografias, entre muitas outras. Wicliff confessa-se perplexo, não só com as diferentes percepções sobre as personalidades e situações do Médio Oriente existentes entre o jornal e a comunidade judaica de Chicago mas, sobretudo, com a interpretação que cada uma das partes faz do papel da imprensa. Na opinião do jornalista, o objectivo do Tribune é relatar as notícias de maneira a poderem ser reconhecidas, por um observador imparcial, como credíveis e honestas.

Fogo cruzado ? Lillian Swanson, do Philadelphia Inquirer, afirma que as mensagens dos leitores que acompanham de perto o conflito no Médio Oriente cresceram em número e em fúria, à medida que o conflito se tornou mais violento. Um autêntico fogo cruzado percorre o jornal, escreve Swanson, cada lado acusando o jornal de favorecer o outro. Mas o Inquirer analisou a cobertura e tem a consciência tranquila: as notícias citam fontes de ambos os lados e são contextualizadas na sua complexidade; os títulos de capa evitam tomar partido; as imagens publicadas mostram o sofrimento de ambos os lados.

Na rádio ? Entretanto, Jeffrey Dvorkin, provedor da National Public Radio (NPR), do Canadá, refere, numa das suas últimas colunas, que as notícias sobre o Médio Oriente, transmitidas pela NPR, provocam sempre a ira de um lado ou de outro.
Segundo Dvorkin, todas as organizações jornalísticas sofrem pressões de grupos, mas é raro que as pressões se façam sentir de uma maneira tão sistemática e contínua.
Essas pressões são de natureza financeira, mas o mais preocupante é o facto de elas se reflectirem no debate interno, empobrecendo-o e inquinando-o."