Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Estrela Serrano

DIÁRIO DE NOTÍCIAS

"Ambigüidades", copyright Diário de Notícias, 28/6/01

"O título de capa do DN do dia 2 de Maio era GNR caça multas a turistas no IP5. A frase recupera o conteúdo de um texto do correspondente em Madrid, Fernando Barciela, publicado, nesse dia, na rubrica DN Estrada Viva. Aí se refere, no essencial, que ?uma brigada da GNR deixou passar todos os carros com matrícula portuguesa e se dedicou a mandar parar os veículos de matrícula estrangeira? que entraram em Portugal por Vilar Formoso, através do IP5, durante os feriados da Páscoa. Segundo o correspondente do DN, ?o comandante da BT no local? reconheceu ?o anómalo da ?situação? e afirmou que a escolha dos carros estrangeiros se prende com ?razões financeiras?, dado que ?o comandante quer ver dinheiro em caixa?.

Dois leitores A. Vasconcelos (AV) e J. A. Rocha (JAR) – escreveram à provedora em tom indignado. ?O que ali se afirma, gratuitamente?, baseado na ?duvidosa palavra? do correspondente do DN e em ?depoimentos anónimos incredíveis – a que a primeira página dá espantoso e inaceitável relevo – é gravemente insultuoso para uma corporação que dá o melhor de si mesma na defesa da vida dos utentes das estradas nacionais?, diz AV.

?O aludido aos agentes da BT, com insinuações impensáveis é muito grave, pondo na boca dos mesmos palavras que não colhem e que são matéria da mais grave acusação e infâmia?, diz, por seu turno, JAR.

Ambos os leitores duvidam quer da veracidade das declarações que o jornalista atribui a várias fontes, quer da existência de discriminação, por parte da GNR, entre viaturas portuguesas e estrangeiras.

Solicitado a pronunciar-se, F. Barciela mantém tudo o que escreveu no DN, não se pronunciando sobre a não identificação das fontes que utiliza. ?Não está em causa a luta contra a sinistralidade rodoviária?, diz o jornalista. ?O que se denuncia é que a GNR utilize o pretexto da alta sinistralidade existente para levar a cabo uma caça à multa discriminatória e injusta.? F. Barciela afirma, ainda, que o leitor A. Vasconcelos ?não compreendeu o sentido da crónica e a sua publicação nas páginas de Estrada Viva?.

Não cabe nesta coluna uma discussão sobre o combate à sinistralidade rodoviária, mas, tão-só, a análise da peça jornalística publicada. E, desde logo, surge uma primeira ambiguidade. Na sua resposta à provedora, F. Barciela refere-se sempre ao seu texto como uma ?crónica?. Contudo, esse texto surge na paginação do jornal, como um texto noticioso, logo, do domínio informativo e factual. O jornalista procura, aliás, torná-lo ?objectivo?, introduzindo-lhe testemunhos nos quais baseia as asserções que faz. E aí surge uma segunda ambiguidade. O texto estrutura-se em torno de declarações do ?comandante da BT no local?, de ?um executivo do sector turístico português em Madrid? e de ?outra fonte do sector na capital espanhola? cujos nomes nunca são indicados, apesar de, relativamente ao ?comandante da BT no local?, ser referido que se tratou do ?dia 16 de Abril, entre as 16 e as 16 e 30?, período em que o jornalista ?esteve parado na zona de actuação da GNR?, o que permite (à BT) identificar o citado comandante. As afirmações que lhe são atribuídas são, contudo, contrariadas pelo ?porta-voz? da instituição, capitão Lourenço da Silva, cujas declarações o DN destaca do corpo da notícia.

?O jornalista deve usar como critério fundamental a identificação das fontes?, diz o Código Deontológico. Trata-se, aliás, de uma regra básica da informação. A confidencialidade da fonte, não obstante se inscrever também entre os deveres deontológicos, levanta questões delicadas, na medida em que proporciona ao ?informador? a possibilidade de utilizar, em seu proveito, o ?segredo profissional? do jornalista. O uso de citações sem atribuição devidamente identificada pode ser interpretado como uma forma de o jornalista veicular os seus próprios pontos de vista. O direito de protecção da fonte deve ser confrontado com o direito do público de conhecer em que fontes o jornalista se baseia, para apreciar a sua credibilidade. Antes de aceitar uma informação de uma fonte que pede para não ser identificada, o jornalista deve fazer todos os esforços para que ela possa ser mencionada e, se isso não for possível, deve procurar a informação noutras fontes. Se tudo isso se revelar ainda impossível, o jornalista deve solicitar uma razão para a recusa da identificação e incluir essa explicação na sua peça. É esta a filosofia inspiradora da deontologia jornalística, relativamente à identificação das fontes.

A notícia possui ainda uma terceira ambiguidade, cuja responsabilidade não pertence, contudo, ao correspondente do DN em Madrid. Trata-se do título da primeira página. Nele se assume a posição da fonte da BT não identificada, apesar da declaração, em sentido contrário, da fonte institucional identificada. É certo que o jornalista deve questionar informações fornecidas por fontes oficiais que são sempre parte interessada, como, aliás, todas as fontes. Contudo, declarações oriundas de fontes não identificadas são sempre, aos olhos dos leitores, menos credíveis que as provenientes daquelas cuja identidade é dada a conhecer. Uma afirmação tão categórica como a contida no título da notícia em causa, que envolve a reputação de uma instituição, não pode suscitar dúvidas quanto à sua origem. Para o leitor fica sempre a dúvida sobre as intenções de quem se esconde sob o anonimato.

25 de Abril – Os leitores José Duarte, Manuela Nunes e Artur Queiroz manifestaram desacordo com a apreciação da provedora (coluna do passado dia 21) sobre a cobertura feita pelo DN do aniversário do 25 de Abril. ?É no mínimo estranho que um jornal com as responsabilidades e os pergaminhos do DN se abstenha de referir as comemorações de uma data tão importante para todos os portugueses, quer na primeira página quer em reportagens de mais conteúdo do que aquelas que foram publicadas?, escreve Manuela Nunes. ?A primeira página é, num diário ou em outro qualquer, para assuntos principais, importantes, inadiáveis – todos o sabem -, para o DN não (…)?, escreve José Duarte. ?É grave tratar o 25 de Abril, no próprio dia, com tanta pobreza informativa, (…) essa pobreza está atestada devidamente na primeira página. (…) É da praxe que só vai à primeira página o que é importante!?, são palavras de Artur Queiroz.

A ?última palavra? ?Os jornais têm sempre a última palavra??, pergunta Manuela Nunes. ?Já estou habituada à forma arrogante como actualmente os responsáveis pelos jornais respondem aos leitores que criticam os seus critérios editoriais. Penso que não faria mal nenhum ao DN um mínimo de reflexão crítica (…) sobre critérios editoriais menos ponderados.? É da leitora a ?última palavra?.

Papel da provedora Manuela Nunes pergunta, também, qual é o papel da provedora. Aqui fica a resposta: o estatuto do provedor do DN define-lhe funções a três níveis: analisar as reclamações, dúvidas e sugestões formuladas por escrito pelos leitores. Proceder à crítica regular do jornal, com base nas regras éticas e deontológicas do jornalismo. Analisar e criticar aspectos do funcionamento e do discurso dos media que se possam repercutir nas relações com os respectivos destinatários.

Dez mandamentos Apesar de existirem algumas diferenças, de país para país, sobre o papel do provedor dos leitores, os Dez Mandamentos do Ombudsman, elaborados em 99 pela Sociedade Americana de Editores de Jornais, poderão contribuir para uma melhor compreensão do papel do provedor. Eis a versão reduzida: 1) Saber ouvir; 2) Encarar as irritações dos leitores com serenidade; 3) Responder a todas as mensagens; 4) Assegurar-se de que todas as críticas serão dadas a conhecer ao responsável do jornal; 5) Fazer chegar a queixa à pessoa certa, na redacção; 6) Não dar ao leitor a impressão de que pode mudar o jornal; 7) Não fazer promessas sobre correcções ou pedidos de desculpa que não dependem de si; 8) Não desprezar nenhum leitor; 9) Não se deixar influenciar por estereótipos sobre os jornalistas; 10) Ser cortês."

    
    
                     

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