Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Estrela Serrano

DIÁRIO DE NOTÍCIAS

"O papel do provedor", copyright Diário de Notícias, 24/2/03

"A leitora Maria Adelina Pinto pergunta à provedora qual é ?papel do provedor dos leitores num jornal?. Afirmando-se ?leiga nas questões do jornalismo?, interroga-se sobre ?os critérios que levam o provedor a eleger um tema e não outro?. Antes de tentar responder, é útil trazer a público alguns pontos do estatuto do provedor dos leitores do DN, os quais ajudarão a compreender melhor o seu papel.

A principal missão do provedor consiste em ?atender as reclamações, dúvidas e sugestões dos leitores e proceder à análise regular do jornal, formulando críticas e recomendações?. O provedor exerce, ainda, ?uma crítica do funcionamento e do discurso dos media?. A sua intervenção processa-se ?sempre a posteriori? e antes de se pronunciar sobre textos assinados por jornalistas, deve solicitar ?o esclarecimento do respectivo autor ou, na ausência deste, do editor da secção?. O provedor do DN tem um contrato de três anos, não prorrogável.

Enquadradas as funções do provedor, vejamos as questões colocadas pela leitora. Subjacente a todas está a questão da ?verdade?. Pretende saber ?qual é a posição de um provedor? quando um leitor alerta o jornal para uma ?notícia não verdadeira? e o jornal não repõe ?a verdade?, oferecendo ?resistência? à confirmação das afirmações junto de quem as proferiu. Pergunta se não é ?a veracidade das notícias que distingue um jornal de referência? e, também, qual é o papel dos leitores, nomeadamente, se ?poderão constituir ?uma entidade reguladora? e qual a sua margem de intervenção?.

As perguntas são pertinentes, embora o seu carácter abstracto obrigue a situar as respostas num plano teórico. Sobre a questão da ?verdade?, é evidente que uma informação deve ser exacta e verdadeira, mesmo sabendo-se que uma notícia nunca será mais que uma parcela da verdade. Por outro lado, o dever de rectificar é o corolário do respeito pela verdade. Não há jornais e jornalistas que não cometam erros, mas os jornais sérios distinguem-se dos outros precisamente pela capacidade de assumirem e corrigirem os seus erros. Por vezes, no litígio entre um jornalista e uma fonte a quem é atribuída uma afirmação, ou intenção, em que não se revê, cada parte fica com a sua ?verdade?. O impasse é, quase sempre, resolvido a favor do jornalista, que detém o poder de publicação. Contudo, se a fonte considerar que foi posta em causa a sua reputação, pode invocar o direito de resposta e de rectificação, apesar de essa prerrogativa quase nunca compensar o queixoso dos danos causados, uma vez que os jornais raramente cumprem o disposto na lei sobre a publicação da resposta.

A relação com as fontes é um dos aspectos mais sensíveis e problemáticos do jornalismo. De facto, intervêm nessa relação factores que escapam à generalidade do público. A questão da ?verdade? torna-se, aí, por vezes, muito relativa. Como diz um estudioso do tema, ?o que é verdade hoje pode não ser verdade amanhã?. Apesar de pouco abonatória para ambas as partes, esta afirmação parece apropriada quando se analisa a cobertura de actividades como as relações internacionais, a política e a justiça, (como se viu recentemente, entre nós). A provedora desconhece qual o tipo de ?verdade? a que a leitora se refere, mas concorda no facto de a procura da ?verdade? ser a pedra–de-toque que distingue um jornal ?de referência?.

Relativamente ao papel dos leitores como ?entidade reguladora? de um jornal, há muito que se reconhece que o público não é parte estranha no processo informativo. Entre o público e o jornal (rádio ou televisão) existe uma relação dinâmica de mútua apropriação.

E há modelos em que o público se assume como instância de regulação, por exemplo, no caso da televisão, através de associações de telespectadores que se pronunciam periodicamente sobre programas e informação, como não é impossível que grupos de leitores se associem para analisar e criticar o seu jornal. Aliás, os jornalistas necessitam cada vez mais do apoio dos leitores, sendo essa a sua melhor ?arma? na luta pela qualidade e pelo rigor da informação, mesmo que não apreciem as suas críticas e lhes recusem a publicação.

No que respeita aos critérios da provedora sobre os casos a tratar nesta coluna, eles decorrem de factores como a conformidade desses casos com as suas competências, a fluidez da resposta do jornal, relativamente às queixas apresentadas, e o interesse que os temas possam ter para a generalidade dos leitores.

Importa, contudo, reconhecer, no que respeita ao DN, que ele é, neste momento, juntamente com o JN, o único jornal generalista, de expansão nacional, a dispor de um(a) provedor(a) dos leitores, sujeitando-se à crítica sistemática do seu conteúdo.

Aparentemente, esta situação coloca-o numa posição desfavorável face a outros que, cometam ou não atropelos à ética e à deontologia profissional, passam sem reprovação pública. Trata-se, contudo, de uma leitura aparente. Porque, com ou sem provedor, os leitores têm hoje um olhar atento e crítico sobre os media, como se prova pela pertinência das questões que colocam.

Bloco-notas

Estilos e métodos

O papel do provedor não é igual em todos os países e meios de comunicação onde existe. Por exemplo, nem todos os provedores publicam uma coluna semanal. A maioria analisa o conteúdo noticioso do jornal, chama a atenção dos responsáveis para aspectos menos conformes com padrões éticos e profissionais, obtém explicações dos responsáveis e de outros membros da redacção e prepara respostas e comentários às queixas que lhe são apresentadas. Alguns supervisionam as correcções feitas pelo jornal, outros elaboram relatórios para os jornalistas sobre as opiniões e críticas dos leitores, outros fazem análises diárias do jornal e outros ainda reúnem- -se regularmente com grupos de leitores, em reuniões privadas, onde expõem o funcionamento e as práticas do jornal.

Quem é o provedor?

Nem todos os provedores possuem a mesma origem e formação. A grande maioria possui experiência de jornalismo e está, ou esteve, ligada aos media. Nem todos possuem o mesmo tipo de relação com o jornal. Há os que pertencem, ou pertenceram, aos quadros ? geralmente jornalistas que ocuparam posições de relevo ? e que regressam após desempenharem a função de provedor. Há também os que não regressam. E há os que nunca tiveram qualquer ligação ao jornal. Há, por outro lado, diferenças na logística. Há os que trabalham nas instalações do jornal, em contacto, mais ou menos próximo com os jornalistas, e há os que trabalham fora das instalações do jornal, por exemplo, em sua casa.

Para que serve um provedor?

A organização que agrupa os provedores de todo o mundo ? Organization of News Ombudsman (ONO) ? defende que o provedor contribui para melhorar a qualidade do jornalismo; torna o jornal mais credível perante os leitores; sensibiliza os jornalistas quanto às preocupações do público; poupa o director e os editores, ao canalizar individualmente as queixas, e resolve algumas questões, evitando o recurso aos tribunais. Constitui um sinal de abertura e de transparência e, nessa medida, funciona como instrumento de promoção do jornal.

O público beneficia?

A ONO afirma que o provedor é útil aos leitores, porque lhes dá a conhecer o processo de produção da informação que, muitas vezes, surge algo misterioso aos olhos da generalidade do público. Ao atender as queixas dos leitores, contribui para equilibrar a imagem de inacessibilidade, arrogância e indiferença que é, geralmente, atribuída aos jornalistas.

Quando surgiram os provedores?

O primeiro provedor data de 1809, na Suécia, e foi nomeado para atender as queixas dos cidadãos contra o Governo. Nos EUA, o primeiro provedor surgiu em 1967 para o Courier-Journal (Louisville) e o Lousville Times. No Canadá, surgiu em 1972 para o Toronto Star. No Japão, em 1922, surgiu um comité com o objectivo de receber e investigar as queixas dos leitores. Em Portugal, o Diário de Notícias foi o primeiro diário de referência a nomear um provedor dos leitores, em 1997."