Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Estrela Serrano

DIÁRIO DE NOTÍCIAS

"O ?bom jornalismo?", copyright Diário de Notícias, 11/5/03

"Por boas razões, o cargo de provedor dos leitores foi criado para tratar de notícias e não de opinião. Trata-se de um princípio consensual entre todos os que o desempenham, ou desempenharam, em Portugal e noutros países. De facto, a opinião constitui a livre expressão de pontos de vista, distinguindo-se dos conteúdos estritamente noticiosos sobre os quais se exerce a função dos provedores.

A opinião tem vindo a ganhar importância nos jornais de referência, diferenciando-se estes, cada vez mais, pelas opiniões que publicam.

Por isso, os directores procuram ter um leque variado de colaboradores, quase sempre com a preocupação principal de abranger o espectro político-partidário, habituados que estão a esgotar o pluralismo nos membros dos partidos ou em personalidades que situam ?à esquerda? e ?à direita?. Esse fenómeno abrange quer os jornais quer a rádio e a televisão, embora nos jornais de referência, e em particular no DN, exista, também, um conjunto de colaboradores fora do espectro partidário.

Para além do ?equilíbrio? político-partidário, os jornais possuem outros critérios de selecção dos seus colaboradores.

A qualidade e o prestígio são, naturalmente fundamentais. Em muitos jornais, a capacidade de polemizar é, também, um critério de escolha, como é visível em alguns colunistas (e editorialistas) do DN, com uma escrita agressiva e radical que (apenas nisso) faz lembrar os polemistas dos jornais franceses do século XIX, em cujas peças as ideias e opiniões eram tão importantes como a retórica, o estilo e a linguagem usados para criticar os opositores. A polémica é a arte da controvérsia, um género que vem da antiga Grécia, mas nos jornais portugueses o que existe são quase sempre pseudo-polémicas.

Os leitores interpelam, frequentemente, a provedora sobre matérias abordadas em colunas de opinião. Por vezes, os reparos extravasam os temas concretos (sobre os quais não teria sentido a provedora pronunciar-se) para se situarem num plano doutrinário, susceptível de enriquecer a discussão de uma área de tão grande importância como é a da opinião publicada.

Vejamos alguns casos: Luís Vicente e J. Mário Lopes encontraram em textos de opinião publicados há algum tempo, no DN, razões que justificariam, a seu ver, a aplicação de ?um regime de incompatibilidades? aos colaboradores, que os impedisse, por exemplo, de escreverem ?sobre pessoas com quem se encontrem envolvidos por laços familiares? ou por negócios.

Por seu turno, António Cardoso reprova que um colaborador do jornal possa ?usar a sua coluna para promover o seu cargo? ou iniciativas nele desenvolvidas, parecendo-lhe que ?não se deviam confundir cargos com a condição de colunista de um jornal?.

Independentemente de estes reparos se aplicarem ou não ao DN, eles são pertinentes, por levantarem a questão, muitas vezes esquecida ou escamoteada, do ?conflito de interesses?. O Estatuto do Jornalista estipula que os ?colaboradores especializados e os colaboradores da área informativa? (formulação ambígua) estão vinculados aos ?deveres éticos dos jornalistas?. Uma interpretação restrita desse articulado levaria a excluir desse vínculo os colaboradores ?não especializados?, admitindo que fosse possível estabelecer essa divisão.

Contudo, no caso do DN, o Estatuto Editorial ajuda a clarificar a situação, ao afirmar que o jornal ?assegura, nas suas páginas, a possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião existentes no País, mas não esquece que o bom jornalismo se faz com o trabalho dos jornalistas e dos colaboradores do jornal?.

Acertadamente, o DN associa, pois, o trabalho dos jornalistas ao dos colaboradores (sem distinções entre eles) no cumprimento do ?bom jornalismo?, isto é, reconhece, implicitamente, que uns e outros possuem responsabilidades e obrigações perante os cidadãos, entre as quais, o respeito pelos princípios éticos em que assentam a legitimidade e a credibilidade do jornalismo.

O regime de incompatibilidades dos jornalistas encontra-se definido no respectivo estatuto, o mesmo acontecendo com outros grupos profissionais. Contudo, não existe, entre nós, um código de ética (como nos EUA) ou uma ?directiva? (como na Alemanha) sobre conflitos de interesse, aplicável aos colaboradores dos media, qualquer que seja a qualidade em que se apresentam.

O New York Times publicou, recentemente, um Código de Conduta aplicável aos seus jornalistas e a todos os que, escrevendo no jornal, afectam directamente o seu conteúdo. A transparência e o respeito pelos leitores são os princípios que inspiram esse Código.

A regra é que os membros e colaboradores do jornal não devem escrever sobre pessoas ou instituições com as quais possuam algum envolvimento, seja de natureza financeira, seja ligações a fontes, anunciantes ou familiares, abrangendo todos os que se debruçam ou opinam sobre figuras e instituições públicas.

Trata-se de um modelo de ?bom jornalismo?, que valeria a pena seguir.

Bloco-notas

Coro de protestos

As crónicas do director adjunto do DN, publicadas em 29 e 30 de Abril, enviadas de Bagdad, provocaram protestos de leitores que não apreciaram o respectivo tom e conteúdo. Como tem afirmado, a provedora não se pronuncia sobre o conteúdo de textos de opinião, limitando-se a dar voz aos leitores. Alguns dos protestos surgem marcados por um repentismo ? que o correio electrónico potencia e favorece ? que torna difícil a sua reprodução. Outros, usam uma ironia cáustica que pretende responder ?à letra? a essas crónicas. Independentemente de se tratar de opiniões pessoais de leitores, tão respeitáveis, aliás, como as de quem escreve no DN, elas mostram uma reflexão sobre o jornal que só pode ser útil aos seus responsáveis. Pior do que críticas duras, como as que hoje são referidas, seria a indiferença dos leitores. Deve, aliás, reconhecer-se que o director do DN tem mostrado uma notável abertura às críticas feitas à direcção por si presidida.

Pasmado de espanto

Foi, contudo, a crónica do dia 30, intitulada E Saddam está vivo, que indignou particularmente dois leitores: Manuel Sousa Pereira confessa-se ?pasmado de espanto (…) com a qualidade jornalística do (…) director adjunto do DN?, enquanto Rita Moreira considera de ?mau gosto? e ?impróprio de um membro da direcção de um jornal como o DN? as insinuações sobre as ?fontes femininas com quem o director adjunto diz que almoça? e as referências aos ?vinhos que saboreia?. Pergunta a leitora se ?é para isso que o jornalista está em Bagdad?. Por seu turno, Sousa Pereira propõe que, face às ?merecidas férias do director adjunto (…) o mesmo seja dispensado de enviar crónicas?.

Cobertura equilibrada

A leitora Carla Pina não concordou com a afirmação da provedora (coluna de 21/4) de que o DN no seu conjunto fez uma cobertura equilibrada da guerra no Iraque. Diz a leitora que, ?por mais que se goste do DN, tal afirmação é uma negação dos factos?, e pergunta: ?Como se pode classificar de ‘cobertura equilibrada’ um comportamento obsessivo, roçando mesmo o autismo jornalístico?!? Em sua opinião, ?não se notou um esforço (?) para equilibrar o sentido do DN, divulgando opiniões de figuras de primeiro plano, que permitissem expor pontos de vista diferentes dos de Luís Delgado, Vasco Graça Moura e António Ribeiro Ferreira?. Segundo a leitora, ?a direcção (…) do DN lá saberá a estratégia delineada para o futuro do decepcionante jornal dos últimos meses?, acrescentando que ?não era este o nosso DN?.

As ofertas do DN

Muito crítica relativamente à estratégia comercial do DN, Carla Pina afirma, também, que ?as ofertas de DVD, colecções 365 dias, Grande Guerra, Enciclopédia Universal e DN especiais (…) são manobras de um desvario alarmante, que não encaixa nas características do melhor DN dos últimos anos, com a excepção dos últimos meses?."