Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Ethevaldo Siqueira

TECNOLOGIA

"Vivemos tempos fascinantes. Ou não?", copyright O Estado de S. Paulo, 9/09/01

"Um pouco de otimismo é sempre bom para contrabalançar a avalanche de problemas reais e imaginários do mundo atual. Este enfoque é oportuno, a meu ver, porque tenho notado ser quase impossível para a maioria das pessoas aceitar a conclusão de que, apesar de tudo, vivemos um período áureo, único, da história da humanidade. Une nouvelle Belle Epoque.

Noto, contudo, que é muito difícil à maioria de meus contemporâneos avaliar o significado e o impacto potencial dos maiores avanços científico-tecnológicos, no momento em que eles ocorrem. E assim, aliás, tem sido ao longo da história.

Na segunda metade do século 18, a quase totalidade dos governantes e líderes contemporâneos de James Watt, inventor da máquina a vapor, subestima ou praticamente ignora o provável impacto social e econômico desse invento a partir de 1760. Até mesmo a expressão Revolução Industrial só se torna de uso corrente a partir de 1890, mais de um século depois de iniciado o processo de profundas transformações econômicas e sociais da Europa, tão bem descritas pelos jovens Karl Marx e Friederich Engels, no Manifesto Comunista, de 1848.

O impacto da invenção do telefone, por Graham Bell, não é sequer suspeitado, em 1876. Mais do que isso: muitos jornalistas (ah, sempre eles) duvidam não apenas da possibilidade de se transmitir a voz humana através de fios metálicos, mas até da utilidade prática do telefone. Tanto assim que, ao comentar o invento, em 1877, o Times de Londres diz que o telefone é algo totalmente inútil para os ingleses, pois ?o Reino Unido conta com elevado número de office boys ou meninos de recado?.

A invenção do transístor por Shockley, Brattain e Bardeen, em dezembro de 1947, desperta reações absurdas entre os concorrentes da AT&T e dos Laboratórios Bell. Provocado por repórteres, o velho David Sarnoff, presidente da RCA, empresa líder mundial na produção de componentes eletrônicos desde os anos 20, dispara sua arrogância diante do transístor:

?Shit! Temer a concorrência dessa merdinha? Claro que não?. Vinte anos depois, a RCA já não integra a lista dos 10 maiores fabricantes de componentes eletrônicos no mundo, da qual fazem parte cinco empresas japonesas. Nos anos 70, a RCA desaparece até da lista de grandes corporações. Quanto às previsões sobre o impacto futuro do transístor, nem o comunicado à imprensa divulgado pelos Laboratórios Bell, a 1.? de julho de 1948, vai além de uma possível utilização do invento em centrais telefônicas e, ?talvez, em outras aplicações de rádio, substituindo válvulas eletrônicas a vácuo?.

Nesses três exemplos históricos, como em muitos outros, a miopia dos contemporâneos minimiza o papel e o impacto das tecnologias emergentes, em grande parte por falta de visão dos novos paradigmas e de suas conseqüências sociais e econômicas.

A revolução, hoje – Depois dessas pequenas lições da história, leitor, como avaliar o impacto dos avanços mais relevantes da tecnologia digital, nesta primeira década do século 21? Como, por exemplo, estimar o impacto das tecnologias de comando verbal e reconhecimento da voz, que nos permitirão dialogar com as máquinas em linguagem natural?

Será que nossos governantes realmente avaliam o impacto da Internet de banda larga sobre a vida humana, daqui a cinco anos, ao tornar a comunicação interativa com imagens de alta qualidade tão baratas e tão corriqueiras quanto a comunicação telefônica hoje?

Que pensam os economistas sobre o potencial incrível das fibras ópticas, cuja capacidade de transmissão cresceu um milhão de vezes nos últimos 10 anos? Ou da Terceira Geração Wireless, a 3G, que conectará o mundo via telefone celular de banda larga?

Como será a vida com os sistemas de localização via satélite (GPS) e via celular combinados, que nos permitirão encontrar em segundos qualquer pessoa em qualquer lugar do planeta, desde que ela porte um chip microscópico em seu relógio de pulso?

Que dizer das conseqüências sócio-culturais das redes inteligentes de nova geração (NGNs) que conectarão residências, escolas, indústrias, bancos e repartições públicas, tornando realidade todos os serviços que caracterizam o governo eletrônico?

Como entender o poder de transformação da microeletrônica, que nos promete chips com mais de um bilhão de transistores dentro de cinco anos? Ou da inconcebível redução dos custos de armazenamento, com a explosão das formas mais avançadas de memórias de massa e a perspectiva de, em menos de dez anos, armazenarmos todo o conteúdo da Biblioteca do Congresso dos EUA num único chip ou num livro eletrônico (e-book)?

Amigos pessimistas, me perdoem, mas vivemos tempos realmente emocionantes.

Exciting times, my friends!"

 

CONTEÚDO ELETRÔNICO

"Controle do conteúdo é a fronteira da nova economia", copyright Folha de S. Paulo, 9/09/01

"O universo do conteúdo eletrônico (e das transações a ele associadas) é a fronteira da nova economia. Quem dominar os ciclos de produção e distribuição de ?e-conteúdo? terá lugar ao sol, quem ficar apenas no consumo de conteúdo alheio vai amargar níveis ainda mais agudos de dependência e desigualdade que os atuais.

Esse é o resumo da videoconferência e mesa-redonda de duas horas com o professor Eli Noam, da área de finanças e economia e diretor do Columbia Institute for Tele-Information, da Columbia University (NY).

O evento, na USP, marcou na última quinta-feira o encerramento do ciclo São Paulo Digital, de fundação da Cidade do Conhecimento (todas as conferências terão seus conteúdos publicados nos próximos dias no website da Cidade, em www.cidade.usp.br).

O grupo reunido para debater com Eli Noam tinha especialistas brasileiros em nova economia e temas correlatos: Marcio Wohlers (Unicamp e Centro Latino-Americano de Estudos sobre Economia das Telecomunicações), José Roberto Martins (consultor em avaliações de ativos intangíveis), Evandro Guimarães (Organizações Globo), Thais Waisman (Escola do Futuro, USP), Martin Hilbert (Comissão Econômica para América Latina e Caribe, Nações Unidas) e Imre Simon (Instituto de Matemática e Estatística, USP).

Para Noam, há duas outras instâncias em que há riscos significativos de aumento da desigualdade entre países ricos e países em desenvolvimento: a infra-estrutura de tecnologia de informação e comunicação (cabeamento, satélites etc.) e a universalização do acesso a essa infra-estrutura (políticas de conexão para populações de baixa renda, regulação das tarifas).

Para o especialista, no entanto, nessas duas instâncias o diagnóstico e as políticas (públicas e empresariais) são relativamente claras e até fáceis de executar.

Mas o grande desafio é a área em que se encontram as maiores perspectivas de rentabilidade: conteúdo. É nesse campo que os países em desenvolvimento deveriam, na visão de Noam, demonstrar mais agilidade para colocar o Estado a seu favor.

As advertências de Noam são oportuníssimas. Nas últimas três semanas, ficou evidente o despreparo do governo brasileiro para o desafio do conteúdo.

Não é por mera coincidência que, agora, está sendo travada uma pesada guerra de bastidores em torno das regras do jogo nas comunicações. E não só no governo. Alguns dos principais atores nos mercados brasileiros de telecomunicações e de conteúdo na internet atravessam um período de grande agitação.

Sem lei, sem regulação, sem Estado e sem projeto nacional, essa agitação parece mais um tiroteio no escuro. E os brasileiros estão cegos para o que se passa. Não todos, pois consta que o tema já preocupa inclusive setores das Forças Armadas.

Há uma sinergia entre o Vale do Silício e Hollywood. Eli Noam insiste neste ponto: é na produção e distribuição de conteúdo que está a fronteira da acumulação de capital entre as grandes corporações globais.

O especialista dá um exemplo. A Finlândia tornou-se um caso de sucesso em termos de penetração doméstica da telefonia celular e da internet (os indicadores do país mostram densidade maior que a dos EUA). Mas quem, no resto do mundo, entra nos sites finlandeses de notícias, música ou educação?

O controle do conteúdo é a fronteira da nova economia. Resta saber quem terá fôlego para atravessar a recessão e surgir, depois, como força dominante em escala global."

    
    
                     

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