Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Ethevaldo Siqueira

TV DIGITAL

"Revolução digital cria a mídia do futuro", copyright O Estado de S. Paulo, 22/09/02

"As imagens da nova televisão são incrivelmente perfeitas na cor, nitidez, brilho e contraste. O som revela pureza quase absoluta. A internet de banda larga desenvolve novos métodos para transportar o conteúdo do rádio e da televisão, com a mesma qualidade da TV a cabo. Como isso deve tornar-se realidade em menos de quatro anos, é bom que já nos acostumemos com os futuros nomes pelos quais serão chamados esses meios nossos conhecidos: rádio-IP e TV-IP (a sigla IP significa Internet Protocol). E tudo passa a ser digital nesse novo mundo das comunicações e da informação eletrônica.

Eis aí um retrato dos caminhos que se abrem para esta primeira década do século 21, segundo os especialistas reunidos no maior evento mundial da mídia eletrônica, a Conferência Internacional de Radiodifusão (International Broadcasting Conference), encerrada terça-feira na Holanda. Para esses especialistas, a revolução digital chegou de forma irreversível ao rádio, à televisão e ao cinema.

Há, no entanto, um claro descompasso entre os avanços tecnológicos e a crise econômica mundial, que posterga a implementação de quase todos os novos produtos e serviços. A própria exposição foi um exemplo disso, com a ausência de grandes corporações.

Benefícios – A era analógica está morta, afirmam os mais ousados, embora lhe creditem incontáveis benefícios trazidos à humanidade. E parecem ter razão, pois, pela primeira vez, um evento mundial comprova que a digitalização deixa de ser simples possibilidade, para se transformar em linguagem única para a tecnologia da informação e para as comunicações.

A tecnologia digital se revela insuperável, em especial por garantir muito maior qualidade, confiabilidade, redução de custos e versatilidade às comunicações. É essa tecnologia que nos conduz à convergência de mídias, integrando praticamente todas as formas eletrônicas de comunicação, de informação e de entretenimento.

A convergência é, aliás, um processo iniciado há pouco mais de 50 anos, com a invenção do transístor, que deu origem à microeletrônica e levou à produção de componentes cada dia menores, com maior poder de processamento, mais duradouros e, por mais paradoxal que possa parecer, mais baratos. Outra virtude da microeletrônica, na aceleração do processo de convergência, foi possibilitar a criação de uma linguagem binária única para todos os equipamentos e sistemas tais como o computador, o telefone, os satélites de telecomunicações, o CD, o DVD e a internet.

Cenários – A feira mundial de radiodifusão que se realiza anualmente em Amsterdã, junto com o IBC 2002, mais parece uma cidade cinematográfica. Neste ano, de 12 a 17 de setembro, numa área de mais de 50 mil metros quadrados, havia cenários ultracoloridos montados para os testes e demonstrações de gravações em câmeras de alta definição, malabaristas-modelos que faziam ginástica para que sua imagem fosse gravada por sistemas robotizados, e visitantes de todos os continentes, inclusive russos, chineses e indianos – em cujos países se localizam os maiores mercados internos do planeta, com quase 3 bilhões de habitantes, ou seja, metade da população mundial."

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"Evolução da TV ainda enfrenta obstáculos", copyright O Estado de S. Paulo, 22/09/02

"Num evento como o International Broadcasting Conference (IBC), é possível comprovar-se que a evolução da televisão parece não ter fim, especialmente com desenvolvimentos de recursos tais como interatividade, novas formas de transmissão terrestre ou via satélite e a longa busca da tridimensionalidade.

Mas, mesmo com toda a evolução tecnológica, a televisão digital ainda engatinha no mundo, depois de quatro anos da introdução na Europa e nos Estados Unidos. Para Stephen Lowe, diretor da Broadband Wireless Association e um dos especialistas da IBC, os problemas que impedem a expansão e o sucesso comercial da TV digital não decorrem da tecnologia, mas, sim, do modelo de negócios. Como conseqüência, todos perdem dinheiro, sejam emissoras ou fabricantes de equipamentos. Pior ainda: os usuários não se convencem das vantagens da nova televisão nem se animam a pagar os preços exorbitantes dos serviços nem dos equipamentos. A conclusão básica do debate entre especialistas é que a TV digital exige muito mais tempo para sua maturação e aceitação pelo usuário, mesmo diante de aplicações futuristas, tais como comércio eletrônico em banda larga, interatividade e mobilidade via telefone celular.

Em sua grande maioria, como em quase todas os serviços de banda larga, os clientes não estão interessados em siglas high tech, em gigabits por segundo ou outros jargões. Eles precisam, antes de mais nada, de aplicações atraentes, de soluções para seus problemas concretos, de conteúdo valioso e desejado.

Que dizer das experiências norte-americana e européia quando, depois de quase quatro anos, o índice de penetração da TV digital não chega a míseros 5% dos domicílios nessas duas regiões do mundo? No mercado norte-americano, a venda de receptores de TV de alta definição e de caixas-pretas (adaptadores do tipo set up boxes) se destina majoritariamente a assinantes da TV a cabo ou por assinatura, interessados no salto qualitativo da alta definição.

Estágio – É bom diferenciarmos claramente TV digital de TV de alta definição. Ambas as formas são, logicamente, digitais.

Mas a alta definição é um estágio superior da TV digital e se caracteriza pelo número muito superior de elementos de imagens (picture elements ou pixels) em sua tela. É o número total desses elementos de imagem que garante a qualidade final da imagem. Multiplicando-se o número de linhas pelo número de elementos por linha, temos a definição total. Por exemplo: 1.200 linhas vezes 2.400 elementos de imagem por linha dão o total de 2,88 milhões de pixels ou 2,88 Megapixels. Assim, só se considera alta definição quando o número de linhas supera os 2 Megapixels.

Os países da União Européia, onde prevalece o padrão Digital Video Broadcasting-Terrestrial (DVB-T), têm visado muito mais algumas aplicações específicas de TV digital, tais como interatividade e comércio eletrônico, e muito menos a qualidade superior das imagens de alta definição.

Numa filosofia oposta, os Estados Unidos incentivam muito mais o uso da TV de alta definição de seu padrão Advanced Television System Commitee (ATSC) antes de pensar em múltiplas aplicações da TV digital. No Japão, o sistema Integrated Services Digital Broadcasting (ISDB) ainda se encontra em fase experimental, transmitido via satélite a pouco mais de 100 mil domicílios.

Por mais sofisticado que seja do ponto de vista tecnológico, o padrão japonês encontra os mesmos obstáculos de ordem comercial que seus concorrentes. Tanto assim que sua entrada em fase comercial definitiva, prevista inicialmente para 2003, foi postergada para 2006.

Depois de ouvir representantes dos três padrões mais importantes do mundo, a conclusão que, pessoalmente, tiramos é a de que a TV digital deverá levar mais de 10 anos para decolar nos países industrializados. A maior barreira, sempre falando em transmissão aberta e terrestre, está no modelo de negócios e não na tecnologia.

Enquanto não descobre seus próprios caminhos, a televisão digital e mesmo a de alta definição buscam descobrir nichos e alternativas com a criação de subprodutos e aplicações, muitas vezes cosméticos, capazes de atrair a clientela. Um desses exemplos é o casamento entre internet e TV digital, com a possibilidade de integrar e gerenciar no televisor doméstico todos os serviços de e-mail e de acesso à Web.

Desafio – O rádio digital enfrenta problemas semelhantes ao da TV digital. Na Europa, sua introdução vem sendo feita lentamente com a padronização técnica adotada há mais de 10 anos, por iniciativa da União Européia. O padrão escolhido chama-se DAB Eureka 147.

DAB é a sigla de Digital Audio Broadcasting, ou seja, Radiodifusão Digital de Áudio, e pretende ser um padrão mundial. Como em quase todos os casos de padronização tecnológica, os Estados Unidos e a Europa divergem no rádio digital. Essa discordância vem de longe, a começar da freqüência da corrente elétrica alternada da rede pública (60 Hertz versus 50 Hertz), do padrão de TV em cores (NTSC, PAL e Secam), do padrão digital de telefone celular de segunda geração (CDMA, TDMA e GSM) e agora da TV digital.

O padrão DAB de rádio digital, entretanto, está muito mais disseminado no mundo do que qualquer outro. A rigor, os Estados Unidos estão utilizando uma das formas de rádio digital por assinatura, via satélite, que é chamada de AM digital ou XM. O sistema encontra dificuldades muito semelhantes às da TV digital, com excelente performance de qualidade técnica, mas pouco sucesso comercial.

No mundo inteiro, um obstáculo ao desenvolvimento do rádio digital tem sido o preço dos receptores. Como a indústria exige maior escala para baixar seus preços, perdura o círculo vicioso: o cliente não compra porque é caro, enquanto os fabricantes não baixam o preço porque não têm escala. Aí também a falta de conteúdos especiais, mais atraentes, atua como barreira ao crescimento da base instalada."

"TV Digital terá que ser 80% nacional", copyright Jornal do Brasil, 24/09/02"Os fabricantes de televisão digital terão de produzir ao menos 80% dos equipamentos em território nacional. É o objetivo do governo ao anunciar o esboço das regras para a produção do produto no país. Os termos estão no projeto preliminar do Processo Produtivo Básico para fabricação de TV digital na Zona Franca de Manaus, publicado na sexta-feira no Diário Oficial da União. A proposta está em consulta pública. Sugestões serão acolhidas nos próximos 15 dias.

Qualquer que seja o padrão tecnológico – japonês, americano ou europeu – escolhido pelo próximo governo, as empresas terão de obedecer às regras definidas no Processo Produtivo Básico. Segundo o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Benjamin Sicsú, a intenção é buscar o máximo de nacionalização da produção.

– Uma televisão atual de transmissão analógica, de 21 polegadas, tem 70% dos componentes fabricados no Brasil. As de tamanho superior, 40%. Em relação à TV digital, independente do tamanho da tela, queremos um índice de nacionalização de 80% – diz Sicsú.

O governo quer obrigar o desenvolvimento de softwares que permitirão a interatividade entre espectador e emissoras. Serão definidas regras para a produção de televisores digitais de alta geração e dos decodificadores de transmissão digital para televisores analógicos."

 

TECNOLOGIA

"Duas histórias da revolução digital", copyright O Estado de S. Paulo, 22/09/02

"Ao cobrir um setor por mais de 30 anos, todo jornalista acaba tendo boas histórias para contar. Às vezes, com alguma pretensão, queremos até fazer história. Não é o meu caso. Um pouco mais irônico e bem-humorado, José de Alencastro e Silva, ex-presidente da Telebrás, costuma dizer que, ?a grande vantagem, se não for a única, de se envelhecer é saber muitas histórias?.

Era 1978, e eu visitava o antigo British Post Office para conhecer os planos ingleses nas telecomunicações, quando um dos assessores da diretoria, Derek Willson, me convidou para alterar a agenda e viajar de carro até Ipswich, onde a gigante estatal dos correios e das telecomunicações britânicas tinha seu principal laboratório de pesquisas. Lá, encontramos um homem de nome engraçado, Sam Fedida, cheio de sonhos e entusiasmado com o invento que anunciava ao mundo: ?Para ocupar a maior parte do tempo ocioso das redes telefônicas, nós, do British Post Office, criamos um sistema de comunicação capaz de levar a informação abundante a cada lar. Seu nome é videotexto (em inglês, videotext), mas vamos chamá-lo comercialmente de Prestel.?

Que é videotexto? – Para os mais jovens é bom lembrar que o videotexto era um terminal ligado à linha telefônica que nos permitia a comunicação interativa com bancos de dados, para acesso a informações de interesse público e cotidiano, como notícias, restaurantes, horários de aviões e de trens, programação de TV, cinema, teatro, concertos etc. Sua velocidade máxima era de 1,2 quilobit por segundo (kbps) de download e apenas 75 bits por segundo (ou bauds) de upload. Hoje poderíamos chamar o videotexto de internet da Idade da Pedra. Ou do Parque Jurássico.

O inventor do videotexto, no entanto, sonhava com um sucesso quase sem limites para o Prestel, prevendo que o British Post Office poderia ter um milhão de assinantes ao final do primeiro ano de funcionamento do novo serviço. Quatro anos depois, o videotexto não tinha mais que 50 mil assinantes. Ao mesmo tempo, haviam surgido concorrentes do Prestel no mundo, oferecendo a transferência de tecnologia por preços bem menores. Tanto assim, que a Telesp, sob a presidência de Carlos de Paiva Lopes, decidiu em 1982 instalar o sistema de videotexto francês, chamado Minitel, em São Paulo, com a mesma esperança de que o sistema se transformasse num meio de comunicação revolucionário e ajudasse a criar as bases do processo de informatização da sociedade brasileira.

Eu acreditei! – O consultor que convenceu a Telesp a introduzir o videotexto no Brasil é o ilustre professor Luiz Carlos Morais Rego, da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas. Tanto ou mais do que eu, Morais Rego acreditava piamente no êxito do nosso Minitel. Mas, ai de nós, a vida foi cruel nesse episódio. A experiência da Telesp custou US$ 1 milhão ao longo de mais de 10 anos, sem qualquer resultado prático, a não ser provar que ninguém queria um terminal tão lento, com software tão ruim, para informar coisas que já estavam disponíveis em todos os jornais, no rádio e na televisão. Exatamente como aconteceu no mundo, à exceção de um único país, a França, o videotexto foi um rotundo fracasso.

Mas o relativo sucesso do Minitel francês foi obtido graças aos subsídios concedidos aos mais de 10 milhões de assinantes que o sistema chegou a ter na metade dos anos 1980. Ainda assim, esse êxito se deveu em boa medida a uma providência perversa, que foi a eliminação das listas telefônicas de papel, obrigando todos os usuários a consultar o videotexto, que funcionou como uma lista telefônica eletrônica. Seria o que hoje chamaríamos de e-lista ou e-telephone book, mas a 1,2 kbps.

Depois, a surpresa – Noutra andança em busca de novidades tecnológicas, estava na Holanda, em Hilversum, em abril de 1979, e fui convidado para participar de uma entrevista na Philips, quando essa empresa ia anunciar a invenção do Compact Disc, o nosso CD, ainda chamado de Digital Audio Disc (DAD). Não preciso dizer que fiquei boquiaberto com a qualidade sonora do primeiro CD, com uma relação sinal ruído superior a 90 decibéis, nenhum ruído de fundo perceptível, nenhum chiado como aqueles tão comuns nos velhos bolachões LPs, analógicos. Mas ainda havia problemas de controle de velocidade de rotação naqueles protótipos de toca-discos CD, só resolvidos com a colaboração da Sony japonesa.

Embora hoje pouca gente critique o som digital, naquele tempo eu ouvi previsões catastróficas. Uma delas de um grande audiófilo: ?Essa parafernália nunca vai funcionar. É muita complicação. E seu preço será proibitivo.? Meu amigo queimou a língua. Dessa vez, sem minha companhia, pois acreditei desde o primeiro minuto no CD."