Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Etienne Jacintho e Keila Jimenez

TELEDRAMATURGIA

“Escolher papel na TV é para quem pode”, copyright O Estado de S. Paulo, 19/10/03

“Pontas de luxo, participações especiais, papéis em minisséries, uma novela aqui, outra lá: ela escolhe o que faz na TV. A Globo bem que tentou, mas não há nada que faça Fernanda Montenegro assinar um contrato fixo com a emissora. A maior atriz brasileira costuma dizer que quer liberdade para dividir seu tempo entre cinema e teatro e que não se sentiria à vontade em dizer ?não? a convites do canal, caso fosse contratada fixa da casa. Por isso, prefere receber por obra certa. É justamente esse poder de escolha que chama a atenção para um seleto grupo de atores.

É um time que geralmente está bem na fita, mesmo quando não está na vitrine de maior alcance do País, a Globo. São atores bem-sucedidos também no cinema e no teatro e que, não raro, estão por trás dos melhores roteiros, quando não acumulam também a função de produtores dessas empreitadas.

?Chega uma hora em que o ator tem de se produzir e não depender de um convite para fazer o que quer?, fala Denise Fraga, que há cinco anos está envolvida na produção de Retrato Falado, quadro do Fantástico. Apesar de ter contrato fixo com a Globo, Denise sempre participou mais de minisséries do que de novelas. ?Mas isso simplesmente foi acontecendo na minha carreira.?

Além de Denise, nomes como Débora Bloch, Fernanda Torres, Drica Moraes, Maria Luísa Mendonça, Pedro Paulo Rangel, entre outros, não costumam emendar uma novela na outra, gostam mais de obras fechadas e estão sempre nos chamados filés mignons do canal. Talvez por isso eles acabem se encontrando nas mesmas produções. O Auto da Compadecida, por exemplo, uniu Selton Mello, Matheus Nachtergaele, Diogo Vilela, Denise Fraga, Luís Melo e Fernanda Montenegro.

Marco Ricca é outro nessa grife. ?Produzo teatro e quero produzir cinema. Não sou só um cavalo?, brinca. Apesar de ter essa visão, recusar um convite é sempre tarefa difícil. Para Ricca, é muito mais fácil dizer ?sim? para obras fechadas como séries e programas especiais do que para novelas. ?Me interessa mais a obra do que só o personagem?, comenta Ricca, expert em viver, nas novelas, personagens que morrem no primeiro capítulo ou que entram após o capítulo 50.

Para Luís Melo, a escolha dos papéis e a saia-justa de ter de recusar convites é uma questão de ?conversar e ter uma relação honesta com a emissora?. O ator é contratado da Globo desde 1995 e não esconde sua preferência por obras fechadas. ?Não é que eu não faça mais novelas por leviandade. Tenho um projeto teatral em Curitiba e a Globo sabe disso?, conta. ?Foram os meus contratos com a Globo os grandes patrocinadores desse projeto.?

Melo acredita que participar de obras fechadas é o melhor esquema para fazer TV e, ao mesmo tempo, teatro. Mas nem sempre é fácil dizer não para convites de novelas. Quando estava escalado para O Clone, ele recebeu um convite de Walter Avancini para entrar em A Padroeira – eles já haviam trabalhado juntos em O Cravo e a Rosa. ?Quando ele me chamou, disse que não podia. Ele insistiu e decidiu colaborar nas negociações?, lembra.

Cláusulas especiais – Diogo Vilela concorda com Luís Melo e diz que o segredo da seleção de papéis é diálogo, muito diálogo com a emissora. O ator, por sinal, há anos não faz novelas, mas vive aparecendo em participações especiais como em Os Normais. ?Televisão nunca foi uma saia-justa para mim. O que acontece é que tenho um envolvimento grande com outros projetos, como o teatro, e a Globo sempre respeitou esses meus compromissos?, explica ele. ?Não sou como aqueles atores americanos que ficam em casa recebendo roteiros e dizendo: ? Esse não, esse não, esse aqui paga pouco?. Somos raladores e essa liberdade de negociar com a emissora é conquista diária.?

Parte dessa liberdade de escolha é fruto de uma cláusula de seu contrato que pode suspender seu salário caso ele se recuse a participar de um programa em que a Globo julgue ser imprescindível sua atuação. Essa é uma nova prática nos contratos da Globo e deixou de ser vista como mera punição ao profissional que diz ?não?. Isso porque o valor descontado do salário do titular é, em tese, usado para pagar seu substituto – mesmo que o ?reserva? pertença também ao casting fixo, há um extra pago quando o ator está no ar.

?Acho muito justo esse pacto e ninguém sai perdendo com isso, é tudo uma questão de conversar?, diz ele.

Pedro Paulo Rangel também faz parte do grupo de grandes nomes que se rendeu ao contrato fixo com a Globo recentemente, por causa dessa cláusula mais flexível. Na mesma turma estão Marco Nanini e Marieta Severo. ?Procuro escolher personagens que tenham a ver com meu perfil, mas não sou de recusar trabalho?, garante Rangel. ?O que acontece é que, como faço teatro, preciso negociar os meus horários de gravações na TV, o que nem sempre é possível.?

Bônus – Ganha mais quem trabalha mais. Rangel, assim como a maioria dos contratados fixos da Globo, ganha, além dos salário mensal, um adicional quando dá expediente nos estúdios da emissora. Esse ?bônus? varia de 20% a 60% sobre o salário. É a chamada ?taxa de produtividade? .

?Preciso trabalhar para poder ganhar, não posso me dar ao luxo de ficar um ano fora do ar?, fala, com modéstia, Tônico Pereira, que nega ser um ator que escolhe seus papéis. ?O que faço é pegar um personagem e fazer da melhor maneira possível, por isso parece ser um escolha minha?, continua. ?Há novelas em que meus personagens não estavam nem na sinopse, o destaque depende de mim.?

Após o sucesso no cinema, negociar com a TV tem sido a palavra-chave na carreira de Rodrigo Santoro, que tem contrato fixo com a Globo por mais um ano. Foi assim que ele acertou antecipadamente sua saída temporária de Mulheres Apaixonadas sem ter de abrir mão do salário. ?Que eu me lembre, só recusei participar de uma novela uma vez, em 2000, para poder me dedicar a projetos no cinema e acertei isso numa boa com a emissora?, continua. ?No caso de Mulheres, conversei antes com Manoel Carlos (autor) e com o Ricardo Waddington (diretor) porque sabia que só poderia aceitar o papel se pudesse cumprir os meus compromissos fora do País. Chegamos a um consenso e deu tudo certo.?

Santoro acredita que as regras de negociação na Globo independem da idade e do tempo de carreira dos atores, mas sabe que está cada vez mais difícil escolher qual oportunidade agarrar. ?Se seu trabalho dá certo, os convites dobram e as escolhas que você tem de fazer também?, diz ele. ?É complicado, mas me sinto muito confortável na Globo para conversar. Não tenho regras na minha carreira quanto a emendar uma novela na outra, mesclar TV com cinema e teatro, o que me importa é o personagem, é o projeto me interessar.?

Família – Ver Malu Mader e Cláudia Abreu na TV, então, tornou-se ocasião ainda mais rara. As duas são excelentes exemplos de quem escolhe a hora de entrar em cena – não por acaso, são do time preferencial de Gilberto Braga, autor da atual Celebridade.

?Uma novela das 8 gera esse tipo de coisa: coletiva, festa, Faustão, pizzaria, quer dizer, todas as minhas folgas semanais já estão preenchidas?, diz Malu. ?Eu achava até que não gostava mais de fazer novela porque ultimamente tenho assistido pouco. Estou com meus filhos pequenos e sou uma pessoa muito caótica, de família numerosa, intensa, como ia caber uma novela das 8 na minha vida??, continua. ?Quando voltei a gravar fiquei impressionada como eu estava com saudade, isso acabou dando uma centrada na minha vida.?

Poderosos – Apesar das cláusulas especiais, atores como Marília Pêra e Paulo Autran resistem em assinar contratos fixos. Autran, por exemplo, não faz questão nenhuma de fazer TV há muito tempo – a última vez foi em Hilda Furacão (1998). Costuma dizer que ?o teatro é a arte do ator, o cinema é do diretor, e a televisão, do patrocinador.?

?Sempre tive contratos por obra. Foi essa a escolha que fiz, por causa de minha formação teatral?, fala Marília, que optou por trabalhos na TV somente quando o ritmo no teatro permitia. A atriz chegou a ter cláusulas em seus contratos que definiam seus dias de gravação: só de segunda a quarta. Assim, tinha os fins de semana livres para se dedicar aos palcos.

A atriz confessa que já se sentiu tentada a assinar contrato fixo algumas vezes, mas que essa vontade acabava quando lembrava que teria de ficar à disposição da emissora. ?Como tracei minha vida assim, recebo muitos convites para teatro e cinema, mas pouquíssimos para a TV. O último convite que recebeu da Globo foi em 2000, para ingressar em A Grande Família, mas não pôde aceitar. ?Acho que os autores e diretores pensam muito bem antes de me chamar para qualquer coisa?, brinca. ?Existem muitos atores bons. Ninguém é insubstituível?, afirma. (Colaborou Renata Gallo)”

“Cláusulas contratuais tentam acabar com confusões na Globo”, copyright O Estado de S. Paulo, 19/10/03

“Contratos cada vez mais personalizados. É nesse rumo que caminha o setor de Recursos Humanos da Globo. A emissora nega que o número de contratados fixos de seus casting esteja diminuindo para conter custos, mas, o fato é que estão cada vez mais meticulosos os contratos da chamada ?prata da casa?.

Atualmente, são cerca de 500 – entre atores, autores e diretores – os contratados fixos da emissora. Pouco, perto dos quase 3 mil nomes que o banco de talentos da rede possui. Esse número dos fixos já foi maior dois anos atrás, mas a emissora alega que o que houve, de lá para cá, foi uma substituição de alguns nomes por outros: saem alguns atores, entram talentos como Camila Morgado e Werner Schünemann, ambos contratados pela rede por todo este ano.

Regras nos contratos fixos existem, mas variam muito caso a caso. Esses contratos em geral têm duração de três anos, as apostas mais recentes do canal têm acordos menores, de um ano.

A regra da suspensão de salário em caso de recusa de trabalho é fator comum, mas, sempre há possibilidade de negociação. Caso o ator consiga convencer a direção de que realmente não pode aceitar o trabalho – para aqueles que sempre dizem ?não? isso fica difícil -, o salário não é suspenso. O adicional por produtividade para aqueles que estão no ar também é de praxe.

Salários como o de Vera Fisher chegam a ficar polpudos quando a atriz está em uma trama.

Essa é a forma que a emissora encontrou de reduzir gastos e de acabar com o protecionismo. Quem trabalha mais, ganha melhor. Isso não impede que a emissora contrate muitos atores por obra certa. Esses contratos, que podem ser somente por dias, duram em média seis meses, tempo de gravação de uma novela. Débora Bloch trabalha assim.

Há ainda cláusulas especiais, algumas que dão direito a divulgação gratuita na TV do espetáculo teatral que o ator está fazendo, cláusulas que determinam dias de gravações, entre outras coisas.

Essas regras foram criadas há poucos anos para acabar com as confusões e perseguições na emissora. Os atritos diminuíram, mas não cessaram de vez. Há ainda diretores e autores que juram que aquele que recusou um papel em sua obra nunca mais terá uma chance com ele. Mas sempre depende do alvo. É difícil imaginar que alguém faça isso com Fernanda Montenegro, não é?”

 

PERFIL / ANA MARIA BRAGA

“De ?TV Mulher? a Ana Maria: sem medo do fogão”, copyright O Estado de S. Paulo, 19/10/03

“Quando o telefone toca, às 5h40, após os três toques programados do despertador, Ana Maria Braga se toca de que aquela é sua última chance para não perder a hora de entrar no ar. ?Dona Ana, já vai dar 6 horas?, avisa Maria, uma das empregadas. ?Ainda vai dar 6, Maria, não deu essa noite??, responde a apresentadora, rindo. Isso é todo dia. ?Ela sempre fala a mesma coisa e eu respondo o mesmo?, diverte-se Ana.

Antes de sair de casa, toma um kfir, iogurte natural feito em casa, com bolinhas caucasianas (lactobacilos vivos) batido com frutas. Ao chegar à sede da Globo, no Brooklin, só um cafezinho e um pão de queijo antes de entrar no ar. E, finalmente em cena, a partir das 8 horas, não só vale como convém beliscar à beira do fogão.

Sim, culinária nesse estúdio tem um peso que programa feminino dos anos 80, o clássico TV Mulher, de Marília Gabriela, tentava disfarçar. É certo que a receita daquele tempo, quando a mulher procurava um meio saudável de fazer uso de todas as conquistas da revolução feminista, não caberia no gênero hoje denominado Ana Maria Braga. Nem vice-versa. É certo que a mulher tem sentido muito mais segurança em se interessar pelo fogão hoje do que naqueles idos em que a atual prefeita Marta Suplicy dava conselhos sexuais na TV. E é mais do que certo que o homem também mudou um bocado de lá para cá.

Ao completar quatro anos de Globo com fôlego respeitável de audiência e faturamento, Ana Maria falou ao Estado, em seu camarim, sobre essa mudança dos tempos e outras receitas.

Estado – Há uma espécie de revolução feminina em ação, que leva a mulher a buscar um equilíbrio entre o escritório e o fogão, que ficou meio esquecido no rastro da revolução feminista. Você tem essa sensação?

Ana Maria – Tenho, mas nunca recebi nenhum e-mail ou carta de alguém que dissesse asssim: ?estou doida para largar o escritório e voltar a limpar a casa?. Essa evolução da mulher é definitiva e cada vez mais a gente tem mais pessoas agregadas, principalmente por uma necessidade financeira. Não acredito que todas estejam felizes em trabalhar fora. Ontem mesmo (segunda-feira passada), abri o programa da casa de uma moça que era caixa de um banco e está muito feliz em casa, fazendo bolo de cenoura, que ela aprendeu a fazer aqui no programa, e vendendo em escolas. Ela vende hoje 300 pedaços de bolo por dia e mais artesanato. Ontem, fiz essa pergunta a ela: ?Mas você saiu do banco para fazer isso e está feliz?? E ela disse: ?Estou muito mais feliz aqui porque estou em casa (ela mora atrás da casa da mãe) e posso decidir o meu horário; eu faturo e ganho mais fazendo isso do que como empregada.? Não é que eu sinta que ela quer ficar em casa vendo TV ou tomando chá da tarde ou só cozinhando e se fazendo bela para o marido.

Estado – O que mais mudou nessa platéia, de ?TV Mulher? para Ana Maria Braga?

Ana – Acho que o homem tem uma nova postura hoje. Aquele homem machista que não entrava na cozinha, que nunca declarou gostar de mexer numa panela ou de fazer um artesanato, mudou muito.

Estado – Essa mudança entre um programa e outro é também fruto de um novo comportamento masculino?

Ana – Acho. E eu devo ter 30% ou 35% de audiência masculina (sim, é verdade). Entro no ar logo depois do Bom Dia Brasil e a audiência masculina que herdo do jornal não cai. Por isso, sempre começamos o programa com assuntos de interesse geral. O homem está se emocionando mais. A maioria dessa audiência masculina vê o programa enquanto faz ginástica. E nós temos um retorno muito grande: há uma mudança no perfil do homem que deixou de ter vergonha de dizer que gosta de moda masculina, de cozinhar, de beleza, de cirurgia plástica, ou de tirar pêlo.

Estado – Nesses quatro anos, o que a comoveu mais no programa?

Ana – Pela própria natureza do assunto, quando eu fiquei com câncer, fiquei muito mais emotiva. Sempre me emociono com as delicadezas da minha equipe, com algumas pessoas que entrevisto, mas eu diria que na época em que eu estava doente esse exacerbar de emoções foi maior. Foi esse o período mais difícil para mim. E bom.

Estado – Bom? Por quê?

Ana – É difícil por causa da parte física, mas se eu tivesse sido afastada teria sido muito pior, teria deixado de ter aquela adrenalina de todo dia, que faz qualquer ser humano ficar vivo.

Estado – Aqui entre nós, você gosta de cozinhar de verdade?

Ana – Eu tenho uma cozinha só minha. Tem a cozinha da casa e a minha. Todo dia, meu almoço, sou eu que faço. Mesmo que a comida esteja semipronta, o acabamento é sempre meu. E adoro receber gente, recebo gente quase toda noite em casa.

Estado – Mas alguém faz uma pré-produção e deixa tudo picadinho para você cozinhar, naturalmente.

Ana – Ah, isso tem, claro (risos), alguém me ajuda a picar tudo.

Estado – Você tem pretensão de ser uma Marta Stwart (apresentadora mais famosa de programa feminino nos EUA e recentemente processada por suspeita de informações privilegiadas no mercado de ações)?

Ana – O quê? De investir na bolsa e ser acusada de negócios ilícitos para perder a credibilidade depois? (risos)

Estado – Não, de multiplicar seu nome em revistas, rádio, internet e em todas as frentes.

Ana – Eu tenho site, tenho livros, já tive revista (Utilíssima) e descobri que é um mercado dificílimo no Brasil, rádio, eu adoro, mas não teria tempo, e hoje lancei uma linha de produtos de beleza, mas não pretendo ter uma gôndola no supermercado, panelas, etc., porque é preciso ter controle sobre os produtos que têm o seu nome. O grande erro, inclusive da Marta (Stwart), foi essa abertura grande de produtos e marcas com o nome dela, sem controle sobre as coisas. Não há por que uma personalidade ter uma necessidade financeira tão grande que a leve a perder a credibilidade.”