Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Eu estive lá, vi e ouvi tudo

LEITOR-TESTEMUNHA

Walter Karwatzki Chagas (*)

Na segunda-feira, 14/10, li na página 15 de Zero Hora uma nota com a informação de que o governador reeleito de Alagoas, Ronaldo Lessa (PSB), estaria em Porto Alegre e daria uma entrevista coletiva às 13h, na sede do comitê do candidato da Frente Popular. Reorganizei minha agenda e, às 12h30, estava lá no comitê do candidato da Frente Popular, para assistir à entrevista coletiva. Ali fui informado de que a entrevista coletiva estava agendada para às 15h. Tudo bem. Acredito que tenha sido uma falha de comunicação. É o corre-corre do segundo turno.

Por volta das 15h tive, finalmente, a oportunidade de presenciar a entrevista do governador eleito em primeiro turno de Alagoas, Ronaldo Lessa (PSB). Fui, como conterrâneo que sou do governador alagoano, dar meus parabéns por sua vitória nas urnas, proporcionada pelo povo alagoano. Não sou político e não sou jornalista. Também gostaria de salientar que não sou filiado a nenhum partido político ? sou apenas um eleitor.

Esta foi a primeira vez que eu assisti a uma coletiva dada por um político. Câmeras, repórteres, máquinas fotográficas, luzes, enfim, um cenário novo para mim. Observei que quase todos os veículos de comunicação da cidade estavam presentes. De repente, a correria, flashes, zum-zum-zum, era ele; o governador de Alagoas ? meu alvo ? e sua comitiva. Fiquei bem na entrada do auditório ? era, na verdade, a segunda pessoa. Logo ao entrar o governador cumprimentou um senhor de terno que estava ao meu lado ? era um deputado recém-eleito. Imediatamente estendi minha mão ao governador e este prontamente me cumprimentou. Fui logo dizendo: "Parabéns, conterrâneo!" Ronaldo Lessa me olhou com espanto e me abraçou. Em seguida, olhou para o candidato da Frente Popular e disse: "Eu não te falei que ia conseguir pelo menos um voto de um alagoano para você?"

Fotos e paranóias

Pronto, atingi meus objetivos, ou seja, cumprimentar o governador reeleito de Alagoas. Ainda surpreso por encontrar um conterrâneo tão longe, o governador me convidou para assistir à entrevista coletiva ? claro que aceitei, afinal não é todo dia que tenho a oportunidade de ouvir o governador do estado em que nasci.

Acompanhei, atentamente, todos os momentos da coletiva. Prestei atenção em todas as perguntas e em quem as fazia. Ouvi cada uma das respostas do governador, como se fossem dadas a mim. E confesso que tive vontade de fazer umas perguntas, mas, sabe como é, eu sou o Fulano, seu conterrâneo… não ajudaria muito. Afinal, todos estavam ali trabalhando. Coletiva de político é coisa séria ? ainda mais de um governador.

Após a coletiva conversei um pouco com o governador Ronaldo Lessa, enquanto ele aguardava o candidato da Frente Popular dar uma entrevista aos repórteres. Depois, novamente, a convite do governador, acompanhei uma entrevista, quase que exclusiva, pedida por um repórter, ao qual ele prontamente atendeu ? outros também aproveitaram a oportunidade. Ao final da referida entrevista, conversamos sobre mais alguns assuntos, do tipo: "E a Praia do Francês? E a prefeita? E o CRB e o CSA? Ainda tem o sururu da Dona Maria lá na Lagoa Mundaú?" Coisas de conterrâneos que se encontram longe da terrinha natal. Despedidas, abraços e votos de sucesso para ambos os lados.

Voltei para casa todo satisfeito, liguei até para os parentes de Maceió e fiz a seguinte perguntinha cretina: "Sabem com quem eu estive hoje à tarde?" Foi o maior sucesso. Coisas da democracia.

No dia seguinte (15/10/2002), pela manhã, além de receber em casa o jornal que assino ? Zero Hora ?, sai, ansioso, para comprar os outros jornais. Voltei para casa com quatro jornais debaixo do braço. Li, em cada um deles, a cobertura dada à coletiva do governador Ronaldo Lessa. Conseqüentemente, pude observar o espaço e a importância dada ao fato. Ou seja, a visita de um governador de um estado nordestino, pequeno, com vários dos piores índices de qualidade de vida do país ? não que o atual governador reeleito não esteja lutando para modificar estes lamentáveis índices ?, acusado de ser o culpado pela existência do senhor Fernando Affonso Collor de Mello, o ex-todo-poderoso chefe da República das Alagoas que, num golpe democrático, o do voto, disse não ao sonho deste político de voltar ao cenário nacional ? ou até mesmo internacional, já que sua eleição seria um fato de grande repercussão. Grande feito, para quem já era acusado, antecipadamente, por alguns grandes jornais, de ser o povo que traria nos braços o senhor Fernando Affonso Collor de Mello de volta ao mundo da política.

Eis minhas constatações ao ler as edições de 15/10 de cinco jornais gaúchos:

** O jornal Zero Hora (pág. 8) tratou o assunto com tanta isenção que classificou a coletiva de "lance". Verdades ditas pelo governador Ronaldo Lessa foram omitidas. Há até mentiras mesmo. Exemplo: está na reportagem que o governador reeleito não deu nenhuma "dica" ao PT gaúcho para inverter o quadro, desfavorável, das pesquisas atuais. Ou o jornalista não ouviu ou não quis contar aos simples mortais-leitores de seu jornal a verdade, mas me lembro do jornalista sendo atendido quase que com exclusividade pelo governador Ronaldo Lessa após a coletiva.

Percebe-se a falta de isenção já a partir dos títulos e do tamanho das fontes e das matérias. Um deles. no alto da página: "PTB, PL e PFL com Rigotto". Abaixo, o seguinte subtítulo: "As três siglas realizaram atos políticos de adesão ao candidato do PMDB na Capital". Esta reportagem tem 19,5 cm de largura por 13,6 cm de altura e utiliza, como manchete, fonte maior. A outra reportagem, colocada entre duas colunas, diz: "Algoz de Collor dá apoio a Tarso", sem subtítulo. Tem 15,7 cm de altura por 13 cm de largura, com fonte menor. Pergunto: quem é o algoz? Qual é o partido dele? Qual é seu nome? Ou, ainda, o que é algoz? Será que todos os leitores de Zero Hora sabem o que é algoz? Haverá alguma intenção ao colocar os nomes de Collor e Tarso juntos? Até a chamada da matéria desmereceu o fato, associando-o à disputa nacional. Como se a disputa em nível nacional não fosse importante para o Rio Grande do Sul. Pergunto: o Rio Grande do Sul está em qual país? Ou é um país?

Outro aspecto: as fotos têm o mesmo tamanho ? 13 cm por 6,6 cm ?, justo! Porém, numa das fotos há uma clara intenção de destacar o número de um partido ? ou teria sido um instantâneo? Estou sendo paranóico? Ou há um recado claro na página 8 de Zero Hora?

Em tempo: no sábado, 19/10/02, Zero Hora publica na página 15 a entrevista quase exclusiva com Ronaldo Lessa. Um resgate?

** No Diário Gaúcho, nenhuma linha sobre o fato. Para não dizer que nada havia sobre política no jornal, a página 6 trazia a notícia sobre a possibilidade de um político gaúcho, eleito no último pleito, perder o cargo, e um quadro com esclarecimentos sobre pesquisas eleitorais. Estranho, não é? O povo não se informa sobre política? Ou ao povo não se informa sobre política?

** O jornal O Sul (pág. 12) tratou a notícia com uma notinha ? de cinco míseras linhas ? numa coluna social. A foto até que ficou legal. Mas, convenhamos, cinco linhas, como resultado de uma entrevista coletiva, é muito pouco. A reportagem de O Sul é lamentável.

** O jornal Correio do Povo (pág. 6) tratou o assunto com o respeito que merecia. Vá lá, a matéria tem um certo tom de "quem quiser que entenda o que o governador de Alagoas veio fazer em Porto Alegre". Mas teve compromisso com a verdade e com as palavras do governador. "Um povo que sempre esteve na vanguarda do país não pode retroceder agora." E foi além: "Para enfrentar as oligarquias em Alagoas adotamos o Rio Grande como exemplo". A matéria reproduziu até as falas do candidato da Frente Popular ? é, ele estava presente e falou também. Para quem não estava na coletiva, garanto que esta foi uma reportagem bem feita. O mínimo que se espera de um veículo de comunicação sério e respeitado. Afinal, o Correio do Povo tem 107 anos de tradição.

** Deixei, por último ? por puro preconceito ? a leitura do Jornal do Comércio. É, aquele ali da Avenida João Pessoa, que eu pensava que só tinha anúncio de leilão e edital de licitação. Quanta inocência! Moro em Porto Alegre há 22 anos e não a conheço. Preço de venda avulsa: R$ 1,25. Não foi brinde de nenhuma empresa. Eu comprei mesmo! Para minha grata surpresa, li na página 18 a reportagem de Léa Aragon ? era a única matéria que tinha o nome de quem a fez. Pausa técnica. Na Zero Hora há o nome de Fernando Gomes sob a foto ? acredito que seja o fotógrafo. No O Sul, a foto que está na coluna de Sepé Tiaraju não tinha nem o nome do autor. No Correio do Povo, novamente um nome sob a foto, Mauro Schaefer. Já disse que não sou jornalista, e acredito que estes nomes que aparecem perto das fotos sejam dos fotógrafos.

Mas vamos aos fatos positivos. Comprometida com a verdade, a matéria do Jornal do Comércio mostra o apoio do governador Ronaldo Lessa à campanha do candidato da Frente Popular. Apoio não só à campanha, mas ao programa da Frente Popular, de combate ao projeto neoliberal ? já comprovadamente falido. Léa Aragon não usou meias-palavras. Em qual outro jornal está, por exemplo, a seguinte declaração, ipsis litteris, do governador que derrotou Collor, "O Rio Grande do Sul sempre serviu de exemplo como vanguarda política da esquerda nacional e não é agora, quando Lula será presidente, que o PT gaúcho vai perder o governo do estado"?

Verdades e verdades

Esta não é uma frase qualquer. Ela é o verdadeiro motivo da visita do governador Ronaldo Lessa. Foi isto que ele veio fazer no Rio Grande do Sul: convocar os gaúchos, tão politizados, a combater, como os pobres e desafortunados alagoanos, um modelo político nocivo e se engajar num projeto democrático e popular representado por Lula, em nível nacional, e por Tarso Genro, em nível estadual. Obrigado, Jornal do Comércio, por ter um editor de política, e não um editor da política. Parabéns, senhora Léa Aragon, pelo seu profissionalismo, pelo seu compromisso com a verdade e, acima de tudo, por respeitar os leitores do Jornal do Comércio.

Não fui à coletiva com a intenção de espionar o comportamento da imprensa gaúcha. Mas, após a leitura dos cinco jornais, constato que tive minha inteligência subestimada e conclui que, para alguns órgãos de comunicação do Rio Grande do Sul, o governador Ronaldo Lessa não é um bom exemplo. Afinal, ele derrotou não só um defensor do modelo neoliberal, mas também mostrou que é possível derrotar um titã. O senhor Fernando Affonso Collor de Mello é um dos proprietários das Organizações Arnon de Mello ? filiada da Rede Globo em Alagoas. Esta organização possui, além da concessão da TV Globo, várias rádios AM e FM e um jornal ? Gazeta de Alagoas. Poder econômico e político, parentes influentes e amigos poderosos não lhe faltam. Mas venceu a verdade, a cidadania. Venceu o povo de Alagoas.

Eu estive lá. Eu vi e ouvi a coletiva de Lessa à imprensa gaúcha. Garanto que, neste fato, houve por parte de alguns jornais uma infidelidade com a notícia. E quem não esteve lá? Quem leu só um dos jornais? O que ficou sabendo? Até onde são verdadeiras as informações que recebemos diariamente em nossas casas? E quando essas informações são formadoras de opinião, qual opinião elas formam? Ou a opinião de quem elas informam? Até quando seremos reféns? Até quando daremos nosso dinheiro a empresas jornalísticas que deveriam ter, acima de tudo, compromisso com a verdade ? pois jornal é um serviço público ?, e não com a sua verdade?

Percorremos um longo caminho para viver num país democrático. Quantas passeatas? Quantos comícios? Quanta mobilização nacional? Quantos preconceitos derrubados? Lutamos e conseguimos ter o direito ao voto livre e direto em todos os níveis. Avançamos muito. Hoje, nosso processo eleitoral é sério, é referência mundial. Apregoamos que temos uma imprensa livre, e temos! Mas agora eu questiono: até quando um jornal valerá mais do que um voto?

(*) Professor de Geografia da Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre