Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Eugênio Bucci

CRISE & DEMISSÕES

"Jornalismo: essa conta fecha?", copyright Jornal do Brasil, 15/11/01

"Uma crise surda anda enervando as redações de jornais e revistas, as equipes que trabalham em noticiários de rádio e televisão, os sites jornalísticos da internet. Empresas de comunicações encontram-se endividadas, e bastante. Algumas das dívidas mais dramáticas da economia brasileira são aquelas de empresas de comunicação, o que pode ser verificado nos anuários publicados por jornais e revistas especializados. O ano não foi propriamente generoso em matéria de verbas publicitárias. As contas operacionais fecham no vermelho. No vermelho. E de novo no vermelho. Os nomes das companhias não vêm ao caso. Eu não tenho um levantamento exaustivo sobre cada uma delas, mas tenho dados suficientes para saber: todo o setor da mídia que, no Brasil como no mundo, inclui a área jornalística, vive uma das mais graves crises de sua história. Uma crise séria e também surda: praticamente não é noticiada.

É curioso como o jornalismo não cobre de modo sistemático o sufoco das empresas jornalísticas. Fala-se muito dos 3 mil demitidos da Volks, e é uma obrigação da imprensa falar disso, mas quase nada se noticia sobre o que se passa no mundo do trabalho dos jornalistas – e no mundo dos negócios dos donos de jornais. É claro que, comparado aos números da indústria automobilística, o purgatório econômico e financeiro das empresas de comunicação parece não ser notícia. Milhares de demissões numa fábrica de automóveis têm efeitos muito mais drásticos sobre a economia e sobre a vida cotidiana do que 60 demissões num diário paulistano, ou um corte abrupto de custos editoriais num jornal carioca, ou uma redução de 15% ou 30% na folha de pagamentos de uma editora de grande porte. Mas, mesmo assim, mesmo feita de cifras modestas, a crise econômica da imprensa é de assustar. Sua gravidade não pode ser aferida em grandezas matemáticas – sua gravidade é institucional. Nessa medida, na medida institucional, ela é um fato de alta relevância. Seu alcance ultrapassa a esfera do mercado. Ela afeta, diretamente, o público.

Essa crise afeta diretamente o público porque, desta vez, em algumas redações, em algumas empresas, já se ouve a pergunta: o jornalismo, tal como nós o conhecíamos, será mesmo viável? Jornalismo sério, sóbrio, responsável, isso dá lucro nos tempos atuais? No Brasil? É viável ter um repórter contratado que se dedique, durante um mês inteiro, a apurar uma única história? É possível, para uma empresa que atravessa um longo período de asfixia, manter em seus quadros um jornalista que leia três livros e estude ao longo de cinco dias antes de partir para uma reportagem? Vale a pena estruturar uma redação como um núcleo realmente pensante, inteligente – ou é mais inteligente ter ali uma sumaríssima linha de montagem que apenas feche as páginas, sem ter de pensar demais? Vale a pena manter uma sucursal em Brasília se, segundo as pesquisas, o leitor acha que tudo o que sai da capital federal é assunto chato e, além disso, todas as informações podem ser compradas das agências de notícias? Não será desperdício sustentar correspondentes no exterior se as agências dão conta do recado?

Dúvidas assim não são dilemas meramente econômicos. Elas ferem, direta e profundamente, a qualidade do debate público. O jornalismo, antes de ser uma atividade comercial, é função pública. A ele cabe a mediação da esfera pública, necessariamente um espaço conflituoso. Sem jornalismo livre – e, para ser verdadeiramente livre, ele precisa ser um jornalismo de qualidade – a democracia não funciona.

Qual é a utopia liberal? A de que, financiada estritamente pelos recursos da sociedade civil, do mercado, a imprensa se erga como uma instituição independente do Estado e que, portanto, seja capaz de vigiar o poder, de dar plena voz à liberdade de expressão, de informar o cidadão e de formá-lo progressivamente. Se um país não tem como financiar, de modo autônomo, a sua própria imprensa, esse país não pode, ao menos segundo a utopia liberal, ser de fato livre e soberano. Sua democracia será uma farsa teatral.

A lógica é bastante simples, até ingênua. Talvez seja mais que ingênua, talvez seja uma veleidade. Convém lembrá-la nesses dias para que se pergunte o seguinte: a crise econômica das empresas é hoje uma turbulência de mercado, uma turbulência superável, ou é algo que compromete a própria instituição da imprensa? De minha parte, não tenho a resposta. Mas a pergunta me parece pertinente.

Como financiar o bom jornalismo? Entidades representativas das empresas de mídia, como a ANJ (Associação Nacional dos Jornais) e a Abert (Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão), já se manifestaram oficialmente a favor da emenda constitucional que permite a entrada de capital estrangeiro (até um limite de 30%) em jornais, revistas e emissoras de rádio e TV. Fizeram gestões, como se diz, junto ao presidente da Câmara, para que a emenda seja votada o mais rápido possível, como registraram alguns jornais (este JB entre eles). Acredita-se, de modo mais ou menos declarado, que a vinda desse dinheiro é certa. Acredita-se que ele dará novo fôlego às empresas e que, no jargão dos consultores, ?alavancará? um novo ciclo de crescimento ou, no mínimo, ajudará a livrá-las do aperto. Pode ser uma esperança vã (se a imprensa fosse, hoje, um bom negócio no Brasil, não lhe faltariam investidores). Pode ser, porém, um projeto lúcido. A ver.

Os empresários esperam os dólares e, quanto aos jornalistas, temem o desemprego – e nada pior para o direito à informação e para a cidadania que um jornalista sobressaltado e medroso. Ele se torna mais governista que o governo, mais patronal que o patrão, mais policialesco que a polícia, mais negociante que o capitalista. A situação é difícil, crítica, tensa. Deveria ser mais debatida nas páginas dos jornais, nos noticiários da TV. É do interesse direto do cidadão. Qual é o jornalismo que o Brasil, neste momento, é capaz de financiar? Ou o jornalismo de qualidade vai virar, de vez, sinônimo de prejuízo? O problema, repito, não é meramente econômico. Não está restrito aos interesses dos donos dos jornais ou às reivindicações sindicais dos jornalistas. O problema é do público, que depende da imprensa para exercer com mais plenitude os seus direitos. É por isso que eu acho triste quando noto que a imprensa fala tão pouco de suas próprias aflições. Ela não seria cabotina se o fizesse. Seria apenas mais útil."

"Gazeta Mercantil demite 143 funcionários", copyright Agência Estado, 16/11/01

"A Gazeta Mercantil demitiu hoje 143 funcionários da empresa em São Paulo. Esse contingente soma-se às 400 demissões, aproximadamente, anunciadas pela empresa há cerca de 15 dias, em todo o País. A assessoria de imprensa do jornal não especificou quantos jornalistas estão entre os demitidos desta sexta-feira. Ainda de acordo com a assessoria da empresa, a Gazeta Mercantil indicou uma comissão formada por diretores do grupo para negociar com o sindicato dos jornalistas ?um acordo que permita atender todos os direitos trabalhistas dos funcionários demitidos?.

As novas dispensas efetivadas foram enquadradas como ?justa causa? pela Gazeta Mercantil, por recomendação da consultoria jurídica da empresa. Na carta recebida pelos funcionários demitidos, está dito que ?a recusa em voltar ao trabalho, permanecendo em greve depois de julgado o dissídio, caracteriza falta grave?. Os funcionários da Gazeta Mercantil suspenderam no último dia 9 a greve parcial que mantinham por atraso salarial. Na terça-feira desta semana, a paralisação foi retomada. Os funcionários alegaram que a empresa não cumpriu a decisão da Justiça de pagar os salários atrasados, 48 horas depois de o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) ter julgado a greve legal. Na quarta-feira, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) julgou o recurso impetrado pela Gazeta Mercantil com efeito suspensivo da estabilidade dos funcionários."

"Gazeta demitiu metade na sucursal de Minas", copyright Comunique-se (www.comunique-se.com.br), 18/11/01

"O passaralho na sucursal da Gazeta Mercantil em Belo Horizonte levou 30 funcionários, praticamente metade dos 62 que existiam. Sete dos demitidos eram jornalistas. Restam agora apenas sete profissionais na edição local e dois na nacional.

As sucursais no sul do estado e no Triângulo Mineiro foram desativadas. Em Uberlândia, aconteceram seis demissões e apenas uma correspondente, Luciana Otoni, continua em atividade, mesmo assim absorvida pela edição regional, preparada na capital. O editor da edição nacional em BH, Pedro Lobato, torce para que estas demissões sejam ?um ponto final neste angustiante processo?, mas admite que apenas a direção da empresa, em São Paulo, poderá dar uma resposta definitiva, ?o que parece inescrutável, agora que a greve foi reiniciada?.

O mais curioso, neste festival de ansiedade, é que uma publicação da Imprensa Oficial de São Paulo, denominada ?Informativo?, afirma que a Gazeta Mercantil teria poucos motivos reais para alardear crises financeiras. Segundo o folheto, de quatro páginas, a Gazeta ocupou no ano passado o segundo lugar no ?ranking? das empresas do ramo editorial em todo o Brasil, com um lucro líquido de R$ 36 milhões, ficando ainda na quinta posição em termos de receita líquida, com um faturamento de R$ 205 milhões. O dado paradoxal destas informações é que foram fornecidas pela própria Gazeta Mercantil, em seu balanço anual do setor."