Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Eugênio Bucci

COPA 2002

"Cloaca do penta", copyright Folha de S. Paulo, 9/06/02

"Confesso que bebo Coca-Cola. Ao longo da minha existência, devo ter tido as entranhas lavadas por uma Baía da Guanabara de Coca-Cola. Um oceano de Coca-Cola. Um século de imperialismo de Coca-Cola. Eu obedeço as placas que ordenam ?Beba Coca-Cola?. Eu bebo Coca-Cola. E é assim, dessa condição de um animal que bebe Coca-Cola e que pela Coca-Cola é bebido que eu posso afirmar: eu tenho nojo dessa campanha da Coca-Cola em prol do Brasil na Copa do Mundo. Tenho nojo sobretudo desse comercial em que Pelé aparece suado, pingando, com o uniforme do Santos e, claro, bebendo Coca-Cola. O Pelé bebe Coca-Cola.

O leitor, telespectador que é, há de ter visto a peça em questão. A câmera, no começo, mostra dois pés calçados em chuteiras. O esquerdo pisa o chão. O direito descansa sobre uma bola de capotão. A câmera vai subindo vagarosa, num movimento de ascensão. Entra uma voz declamando uma paráfrase pagã do ?Pai Nosso?. O texto da publicidade, cujo autor eu desconheço, faz um trocadilho de pai com pés, algo como ?pés nossos que estais no chão?, sei lá, e assim segue a propaganda que, mesmo não sendo samba, evolui em feitio de oração. Surge o rosto do rei, suor no rosto, Coca nos lábios. Perfeição. A tampinha de Coca-Cola entra em cena, então, e, apenas para não deixar a rima em ?ão?, tem o formato de um coração. E lá vem o slogan, que tem algo a ver com paixão. É isso aí: a publicidade se apropria das cores da bandeira nacional, do Rei do futebol e do ?Pai Nosso? para construir o valor da marca que, não por acaso, nada tem de nacional, nem de esportiva e muito menos de católica. É isso aí: eu sinto nojo.

A publicidade é uma superindústria sem cerimônia que fabrica sentidos e significações para a vida vazia dos sujeitos do público. Para nós. Cada um de nós se completa nos signos que a superindústria da publicidade nos oferece. Antes, essas significações eram proporcionadas pela cultura; hoje, são confeccionadas na superindústria. Quem sou eu? Antes, eu seria um brasileiro, um fã do Pelé, um cristão que gostava de rezar o ?Pai Nosso?. Hoje, eu sou um bebedor de Coca-Cola, como um ralo, como um bueiro, como o Pelé. Por isso a marca da Coca-Cola tem tanto valor, porque ela se infiltra nos nossos mecanismos identitários, com o perdão da expressão, e com o perdão da rima em ?ão?, e aí, infiltrada, ela nos diz quem somos. Assim como a Nike, essa aí que fabrica marca, e não tênis, que é uma superindústria do imaginário, e não uma empresa do ramo de calçados. É essa lógica do imaginário superindustrial que explica parte do gozo experimentado pelo sujeito diante da TV: ele vê ali o sentido (fabricado) do que não tem sentido, o sentido de si mesmo. Ele se pacifica. O consumo das mercadorias começa, portanto, pelo consumo das imagens (das quais o sujeito precisa para se explicar a si mesmo). E o consumo das imagens, como se fosse trabalho, como se ver televisão fosse uma forma de trabalho, ainda que não remunerado, é o que completa a fabricação do valor das marcas.

Voltemos à Coca-Cola, coisa gasosa que eu juro que bebo. Voltemos no tempo, também. Voltemos a 1957, ano em que Décio Pignatari, um pioneiro da crítica de TV no Brasil, fez o seu poema ?Cloaca?, superconcretamente subversivo: ?beba coca cola/ babe cola/ beba coca/ babe cola caco/ caco/ cola/ cloaca?. Se adjetivos aí fossem admitidos, poderíamos dizer: supercloaca superindustrial. Voltemos, enfim, ao juízo que nunca tivemos. O imperativo ?Beba Coca-Cola? entra assim nos desvãos da fé religiosa, do patriotismo, da devoção a um rei, nem que seja um rei do futebol. E cria seu valor. Como se fôssemos todos idiotas, todos inimputáveis, todos obedientes bebedores de Coca-Cola. É assim e, no entanto, funciona."

 

"Jogo dos sete erros", copyright Comunique-se, 3/6/02

"Olá pessoal. A partir desta segunda-feira (03/06) estarei aqui no Comunique-se duas vezes por semana – sempre às segundas e quintas – comentando a cobertura da Copa do Mundo. Estarei destacando o que de melhor e pior os meios de comunicação estão colocando na ar, no papel e nos sites durante o mês em que muitos trocarão o dia pela noite para acompanhar um dos maiores eventos esportivos do planeta. Comentários e sugestões serão sempre bem-vindos, é claro.

Começo a coluna parabenizando os sites brasileiros, que estão, sem dúvida nenhuma, dando um banho de cobertura da Copa do Mundo. Os destaques vão para o UOL, que se estruturou muito bem realizando pesquisas detalhadas, criando seções completas para todos os participantes da competição, setorizando as notícias por país e por assunto e, de quebra, fornecendo um grande histórico sobre as Copas passadas.

Terra e Globo.com não ficam atrás, enviando repórteres exclusivos com a incumbência de gerar imagens diretamente da Coréia e do Japão. Já o site da Placar, embora tenha passado grandes dificuldades, estruturou-se muito bem para a Copa. Mudou totalmente seu visual, apostando quase integralmente na competição e criando um diferencial bastante interessante: a venda de DVDs dos filmes oficiais das Copas.

Se lembrarmos que este é o Mundial mais caro da história, pela distância dos grandes centros, as iniciativas são ainda mais louváveis. Parabéns aos grandes sites esportivos do Brasil, portanto. Eles estão no nível mais alto que se pode encontrar pela Internet mundial.

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A primeira rodada da Copa começou com alguns erros, de conceito e de informação. Para ser exato, foi um autêntico jogo dos sete erros. Vamos a ele:

1) O que faz Adriano do Big Brother nas madrugadas da Globo? Ele é repórter? Ele é animador de festa? Uma IMENSA bola fora da Globo. Muito estranho…

2) Kléber Machado não cansou de narrar o nome de Taribo West, da Nigéria, como Tariba West.

3) Galvão Bueno, seguindo a onda de Kléber Machado, narrou de três formas o nome do centroavante da Turquia: Hakan Sukur (certo), Sakan Hukur e Sukur Hakan. Se decide, Galvão…

4) O quadro ?Samurai do dia?, da Globo, tem uma animação de um… lutador de sumô!! Falta informação a quem inventa as vinhetas…

5) A enquete ?Se liga Brasil?, da Globo, faz perguntas aos telespectadores sobre a Copa. Até aí, nada demais. O ruim é a resposta ter de ser dada via telefone, com cobrança de R$ 0,27 por ligação. Fica parecendo iniciativa caça-níqueis, já que quem responde não concorre a nada.

6) O horário da mesa-redonda da Globo após os jogos do Brasil: 10h30 da manhã. Talvez a emissora esteja apostando na audiência esportiva das donas-de-casa, empregadas domésticas, aposentados e donos de bar. Por que não uma mesa-redonda às 23h? Tudo bem que o fuso horário não ajuda, mas 10h30 da manhã é dose!

7) A afetação de Luís Roberto, narrador da Globo, nos intervalos, é algo que irrita quem acordou cedo (ou não dormiu) para ver os jogos. É um tal de mãos para o alto, gritos ufanistas e tiradinhas pretensamente espirituosas. Baixa a bola, Luís.

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É de se ressaltar uma bela iniciativa da ESPN Internacional. Durante suas transmissões ao vivo (NBA, Roland Garros etc…), a emissora traz o seu tradicional ?companion?, que é uma barra, localizada na parte inferior do vídeo, na qual correm notas curtas sobre outros assuntos esportivos. O que chama a atenção é que o companion da ESPN está totalmente voltado para as notícias da Copa do Mundo, que a emissora não transmite para o Brasil. Segundo apuramos, a ESPN americana segue o mesmo modelo, trazendo o máximo de informações sobre a Copa para seus telespectadores. Sem dúvida uma bela solução, que deveria ser adotada por todos os canais, ainda mais em tempos de enxurrada de notícias sobre o Mundial de futebol. A ESPN Brasil tem tentado acompanhar essa tendência, mas carece de uma melhor solução visual para o seu companion. O que eles levam ao ar hoje ainda está um tanto quanto amador, se compararmos com os utilizados pela ESPN Internacional.

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Os colegas com mais de 25 anos vão concordar comigo: a torcida para que a Bandeirantes retome o excelente programa ?Apito final? é grande. Quem acompanhou o programa nas Copas de 1990 e 1994 e nas Olimpíadas de 1992 e 1996 sabe que ele era quase uma referência obrigatória. Com comentaristas inspirados, a boa liderança de Luciano do Valle e quadros interessantes, como ?Imagem do dia? e erros de gravações, o descontraído e interessante programa teria tudo para emplacar nas manhãs brasileiras. Mesmo sendo feito do Brasil, o que diferiria dos programas de eventos anteriores, o ?Apito final? seria um belo diferencial da Band em sua retomada pelo interesse dos fãs do esporte.

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Por falar em diferenciais, à exceção da Globo, que comprou os direitos de transmissão da Copa do Mundo, as outras emissoras de TV aberta deverão fazer uma ginástica bastante grande para conseguir atrair espectadores. As mesas-redondas, um dos carros-chefe da ESPN Brasil, tendem a ficar repetitivas se não adotarem um formato moderno de comentários. As reportagens sobre costumes e curiosidades dos países-sede também atraem a atenção do público por um período curto. Sem transmitir o evento principal, que são os jogos, as emissoras brasileiras devem estar quebrando a cabeça para conseguir alguns poucos pontos no Ibope…

Ainda sobre a ESPN Brasil, a emissora teve uma excelente idéia em juntar quem faz a TV por trás das câmeras em volta de um televisor e transmitir as suas reações aos lances da partida durante todo o jogo Brasil 2 x 1 Turquia. Engraçado, inovador e, sobretudo, criativo.

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Golaço – Foi um gol de placa a liberação das imagens dos jogos da Copa para os usuários de antenas parabólicas. Seria inadmissível que mais de 20 milhões de brasileiros ficassem privados do evento por uma norma técnica da Fifa. Parabéns ao Governo Federal e ao Ministério das Comunicações.

Furada – Em tempos de Copa do Mundo, as editorias de esporte dos jornais e revistas brasileiros parecem não ter olhos nem ouvidos para os outros esportes. Uma prova disso: não vi nenhum jornal, revista ou site nacional lembrar que Guga, hoje, é o maior campeão de Roland Garros em atividade. Pior que isso, ainda, é ver a quantidade de erros de informação publicados nas (poucas) páginas dedicadas aos outros esportes. É lamentável que não se preze a qualidade da informação tida como secundária dos cadernos esportivos na época de um evento-monstro como a Copa.

Gol contra – Quem viu, viu. Carla Vilhena, bela e competente apresentadora do Jornal Hoje da TV Globo, cantando um repente em homenagem à Copa do Mundo foi algo digno de cartão vermelho. Não precisava…"

 

"Em festa, Globo faz ?saldão? da Copa-02", copyright Folha de S. Paulo, 7/06/02

"Embalada pela boa audiência que vem obtendo com a Copa de 2002, a TV Globo lançou anteontem uma última tentativa de arrecadar dinheiro com o evento, que deverá lhe dar prejuízo.

A emissora colocou à disposi>ção de anunciantes duas cotas nacionais de participação para os jogos de amanhã até dia 14, por R$ 890 mil cada, e outras duas para as partidas de 15 a 30 de junho, a R$ 1,1 milhão cada. É possível também comprar, só até hoje, o pacote de 8 a 30 de junho por R$ 1,8 milhão. Cada cota garante a inserção de 16 anúncios nos intervalos dos jogos. Os anunciantes não podem ser concorrentes dos patrocinadores da Copa na emissora.

Desde março, a Globo tentava vender cinco cotas nacionais de participação na Copa, mas não conseguiu animar o mercado. Agora, tem como trunfo principal a audiência da estréia do Brasil, segunda, que deu 64 pontos de audiência das 6h às 8h. O jogo chegou a monopolizar 96% dos televisores ligados na Grande SP.

O número de televisores ligados durante a madrugada aumentou expressivamente com a Copa, principalmente no último final de semana. Na madrugada de sábado para domingo, por exemplo, o crescimento foi de 143% entre 2h30 e 6h. Nesse período, a audiência da Globo saltou 333% em relação aos três domingos anteriores. Nos dias úteis, o crescimento de TVs ligadas das 2h30 às 6h ficou em torno de 50%.

OUTRO CANAL

Onda

Além de lei que irá regulamentar a participação do capital estrangeiro nas empresas de mídia brasileiras, uma segunda peça legal deverá ser elaborada pelo governo federal ou Congresso Nacional. A que irá determinar percentuais de programações educativas, culturais e regionais nas grades das emissoras de TV.

Martelo

O Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) aprovou sem qualquer restrição a criação de uma empresa com 50% de participação da Globo e da Endemol, dona do formato de ?Big Brother?. A empresa irá criar novos programas.

Quarteirão 1

O SBT pagou à Fox US$ 2 milhões (cerca de R$ 5,2 milhões) para exibir, a partir de amanhã, quatro filmes da série ?Star Wars?, sucesso no cinema. Seus executivos estão tendo que suar a camisa para não ficar no prejuízo.

Quarteirão 2

Até anteontem, o SBT havia vendido três das quatro cotas nacionais de patrocínio, por pouco mais de R$ 1 milhão cada, para Philips, Intel e Parmalat. Os anúncios avulsos deverão cobrir a diferença. A possibilidade de lucro é pequena.

Fim

O quadro ?Teste de Fidelidade?, do ?Você na TV?, da Rede TV!, acabou. Depois de tanta polêmica e suspeitas de armações, já não rendia mais a audiência de um ano atrás."

 

"Globo bate recorde de audiência em Copa", copyright O Estado de S. Paulo, 4/06/02

"A exclusividade da Globo na transmissão da Copa rendeu recorde de audiência à emissora: a estréia do Brasil, às 6 horas de ontem, teve 64 pontos de média, 73 de pico e 89 de share – porcentual de audiência no universo de aparelhos ligados. No horário, o SBT teve 2 pontos e a Record, 1.

Essa foi a maior audiência em Copas desde 1986, quando a medição começou a ser feita como é hoje. Em 98, a final entre Brasil e França rendeu 50 pontos à Globo, que não tinha exclusividade.

Alguns capítulos de novelas conseguiram índices melhores. Foi o caso de Salvador da Pátria, em agosto de 1989, que faturou 71 pontos de média e Vale Tudo, em janeiro de 1989, que teve 69 pontos de média."