Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Exportação de agruras

“Xanana não disputará presidência de Timor”, copyright O Estado de S.Paulo, 2/4/00

“A frase ‘nossa vitória foi a vossa vitória’, dita pelo líder da resistência de Timor Leste, Xanana Gusmão, ao presidente Fernando Henrique Cardoso não signfica ‘um sinal de compromisso’ para o Brasil: ‘Não queremos ser um fardo para nossos irmãos de língua portuguesa’, disse. E acrescentou:

‘Não pedimos dólares, preferimos planos concretos de assistência.’

Xanana, que está em visita oficial ao Brasil, afirmou, em entrevista exclusiva ao Estado, que a reconstrução de Timor – 80% das prédios da capital, Díli, foram queimados pela milicianos pró-Indonésia em setembro – é a ‘reconstrução da infra-estrutura do país e o restabelecimento da administração’. Sobre seu futuro político, Xanana foi enfático:

‘Não serei candidato à presidência de Timor nas próximas eleições.’

A prioridade em Timor é a retomada da agricultura, lembrou o líder da resistência. Ele mencionou riscos de epidemia por fome da população, pois as milícias destruíram os canais de irrigação da cultura de arroz, que, antes da luta pela independência, empregavam 40% dos agricultores timorenses.

Emocionado, Xanana lembrou que os meses de setembro e outubro são tradicionalmente o período de plantio. ‘Nessa época nossa gente precisou fugir para as montanhas para não morrer, causando um terrível desequilíbrio na produção.’

Depois, os milicianos em fuga levaram os tratores que existiam e ‘todos nossos instrumentos agrícolas’. É preciso lembrar disso, afirmou ele, para entender por que os técnicos do Banco Mundial descobriram que 80% da população economicamente ativa de Timor Leste está sem trabalho, em um país que precisa ser ‘todo reconstruído’.

O risco de invasões dos milicianos que estão abrigados em Timor Oeste – na parte indonésia da Ilha de Timor – ‘ainda é muito real’, disse o líder da resistência. Ele denunciou que a assistência militar da Indonésia a essas milícias continua. As invasões são constantes, afirmou Xanana, e só param, por algumas semanas, quando os organismos da ONU pressionam o governo indonésio.

Ele assegurou que o governo democrata de Jacarta tem seu apoio, mas disse que os militares que cometeram atrocidades, ‘até mesmo contra o próprio povo indonésio’, não podem ser ‘contemplados com a impunidade’. A informação de que o general indonésio Johnny Lumitang está sendo processado nos Estados Unidos por violação dos direitos humanos durante a ocupação de Timor provocou um diplomático sorriso de Xanana, um instante de silêncio e palavras comedidas: ‘Pediremos aos EUA que continuem nesse rumo.’

Os 120 mil timorenses refugiados em Timor Oeste preocupam Xanana. ‘Todos eles vivem muito mal.’ Mas ele garantiu que não haverá animosidade em Timor Leste contra eles, mesmo para os que trabalharam para os indonésios. Segundo Xanana, ‘a princípio, todos querem voltar’. Ele explicou que a presença desses milhares de refugiados no lado oeste da ilha está provocando ‘uma grande inflação na província’.

A lembrança de Nelson Mandela e a pergunta de como é o sentimento de sair direto da prisão para o poder fazem o líder timorense ressalvar: ‘Isto é um exagero, não estou no poder.’ A visita a Mandela, na semana passada, disse Xanana, foi um ‘ato de gratidão pelo esforço que ele fez por sua libertação’. Xanana assegurou que não será candidato, porque ‘não pertence a nenhum partido’. Rindo, ele recusou o papel de árbitro no confronto político de Timor, dizendo: ‘Os juízes são pagos e eu não serei.’ As ambições imediatas do líder da resistência ficam por conta de uma vontade: ‘Ter meus momentos livres para viver meus sonhos.’ Mas ele preferiu não descrevê-los.”

 

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