Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Façam seu jogo

Em junho de 1996, os quatro principais jornais brasileiros cobriram perfeitamente alinhados a greve geral convocada pela CUT. Treze meses depois, acabou o alinhamento. Entre os dois episódios, houve a aprovação da emenda que permite candidatura do presidente da República à reeleição. Em junho de 96, os jornais olhavam para trás: fazia pouco mais de um ano e meio da eleição de Fernando Henrique contra Lula. Hoje, olham para a frente: falta pouco mais de um ano para a próxima eleição.

Com mais empenho do que as próprias forças políticas, a imprensa já entrou em campanha. E esqueceu no vestiário preceitos de objetividade que a muito custo vinham se afirmando, diante de uma opinião pública cada vez mais desconfiada de manipulações.

Os “jornalões” convergiram milimetricamente na decretação do fracasso da greve geral de 21 de junho de 1996, uma sexta-feira em que, para os mais engraçadinhos, houve feriado, não paralisação de protesto. É possível que aquele movimento tenha sido apenas um fracasso e nada de diferente houvesse a dizer. Também é possível supor que não foi bem assim, e que a coincidência de avaliações tenha decorrido de solidariedade na conservação do statu quo, aí incluídos tanto os êxitos do Real como desigualdades sociais que ninguém defende, mas perduram.

Este ano ninguém pode se queixar de mesmice. Cada um dos quatro grandes jornais – para ficar apenas neles, pois a lista seria bem mais extensa, de norte a sul, de leste a oeste, sem esquecer o centro – seguiu, na cobertura da manifestação Abre o Olho, Brasil, uma linha distinta.

O bloco rachado

No dia do ato, a ala governista assumida – O Globo e O Estado de S. Paulo – brindou seus leitores com uma tentativa de varrer os problemas para baixo do tapete. São jornais cujo governismo abrange generosamente toda a base de apoio do presidente Fernando Henrique – PSDB, PFL, PPB, PMDB, PTB etc. -, mas cada um tem, digamos, seu estilo.

O Globo eliminou a manifestação dos títulos da capa. Abaixo de um título dominante “positivo” (“Caixa vai financiar terras para pequenos agricultores”), que lembrava o Jornal Nacional apresentado por Cid Moreira, a chamada se encerrava com quatro linhas informando sobre um ato no Rio de Janeiro, como se não estivessem programados atos em outras cidades. No segundo título forte, acima de uma foto de pancadaria, “PM gaúcha entra em conflito com sem-terra”, com desdobramento na manchete da página 10: “Lua-de-mel entre PM e manifestantes chega ao fim”. Sempre se pode argumentar que foi para “esfriar” um ambiente excessivamente tenso. O jornal estaria cumprindo papel social semelhante ao da Rede Globo. Impossível avaliar tal hipótese com um mínimo de objetividade.

O Estado não chegou a tanto. Deu dois títulos fortes denotativos de uma situação complicada: “Reação leva senadores a reabrir CPI” e “Oposições tentam reunir 15 mil em SP”, abaixo de uma grande fotografia de manifestantes marchando em Sapopemba, bairro pobre de São Paulo onde houve trágico conflito recentemente. O título minimiza o movimento, mas no texto da chamada não se esconde que o ato foi convocado em várias capitais.

A Folha de S. Paulo, embora seja editada no mesmo país, parecia estar falando de outro. Ou os outros é que estava falando de um país que não existia. Em cima da mesma foto da pancadaria na porta da Assembléia gaúcha, “Estados tentam abafar protestos hoje”. No corpo do primeiro caderno, o selo “Crise nos Estados” fora substituído por “Crise Social”, e os títulos fortes se sucediam: p. 4, “Protesto em 16 Estados pode reunir 70 mil pessoas”; p. 5, “Manifestação pode ser a maior contra governo FHC”; p. 6, página gráfica, com mapas do Brasil indicando os atos programados em 15 outras capitais, “MST e CUT esperam reunir 15 mil em SP”. O governo (paulista) chega previdente na p. 7: “Governo vai pôr 6.000 policiais nas ruas”. E segue. Na p. 11 aparece gaiatamente o governo da República: “‘Está tudo tranqüilo’, afirma presidente”, replicado na p. 15 por ACM afirmando que “céu está de brigadeiro”. Na p. 14, o automatismo levou o editor a sapecar o selo “Crise Social” na reportagem sobre CPI dos Precatórios. Deslizes de uma edição de combate.

Finalmente, a bizarra opção do Jornal do Brasil, que, acima da mesma foto gaúcha, proclamou o início da Revolução Francesa em terras tropicais: “Milícias populares substituem PM”. Onde, leitor? Num fecundo foco de transformações sociopolíticas, o município pernambucano de Brejo da Madre de Deus.

Cômico ou patético? Nem uma coisa, nem outra. Num editorial do JB desse mesmo dia se encontra a explicação que vale para o comportamento de todos: “o ano eleitoral que se avizinha…” etc.

General e engarrafamentos

No day after, o JB já havia voltado para o bloco do consenso, estampando um título que saiu idêntico no Globo e no Estado: “General culpa o comando das PMs”. O Estado esvaziou: “Baixa adesão frustra protesto em SP” e reclamou dos engarrafamentos de trânsito provocados pela horda. No Globo houve troca de guarda de manchete “positiva”: “Bancos terão crédito mais barato para casa própria”. Jornal da antiga capital federal, conseguiu enxergar problemas de trânsito bem além de sua província: “Sem-terra engarrafam o país”.

A discrepante Folha continuou com a bandeira fincada na outra trincheira: “País tem protestos em 20 Estados”. E mais gozação a respeito dos ataques bismarckianos de Fernando Henrique Cardoso: “FHC critica ‘desordem’ e faz elogio aos jacarés”. Mas não fique animadinho, leitor subversivo. O coração da Folha não bate do lado que você pode estar imaginando. Em editorial, classificou o ato como “uma espécie de Woodstock dos descontentes, uma conjugação de oportunistas e rebeldes com ou sem causa, mas sem nenhum rumo”. Provavelmente, a Folha pretende indicar o rumo, em direção contrária.

Senhores, façam seu jogo mas não manipulem tanto o noticiário.

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